Uma entrevista na Folha de S.Paulo e uma reportagem em tom de especulação, no Estado de S.Paulo, somadas a notícias recentes sobre outros movimentos no ambiente das comunicações digitais, alimentam na terça-feira (27/3) comentários sobre acomodações no mercado de mídia.
No início deste mês, a Editora Abril lançou o Iba, uma “banca virtual” para distribuir publicações digitais, entre as quais 25 revistas, 17 jornais e milhares de títulos de livros.
O lançamento do iCloud, o sistema da Apple para o armazenamento de arquivos e aplicativos, anunciado em junho do ano passado, havia sinalizado alguns movimentos de grandes competidores, como Google e Microsoft, na direção do controle de conteúdos. A inevitável chegada do grupo Amazon ao Brasil complementa esse quadro.
Essas operações podem também estar relacionadas com a determinação do governo dos Estados Unidos de criar mecanismos de defesa da privacidade online. Alguns vão dizer que o governo americano quer apenas o monopólio do controle social, outros vão sugerir que as grandes corporações estão manobrando para dominar os corpos e as mentes dos cidadãos.
Afinal, elas já podem monitorar os movimentos de quem possui um telefone celular, produzem modelos matemáticos a partir de dados como velocidade de deslocamento, roteiros e tempos dispendidos em cada parada e têm a possibilidade de produzir informações muito precisas sobre as rotinas das pessoas, cruzando-as com seus perfis de consumo.
Planos para o Brasil
Paralelamente, agita-se o setor de mídia para beneficiar-se do conhecimento sobre disponibilidades e disposição de seu cliente potencial. A empresa que se isolar vai morrer na praia, com o corpo provavelmente coberto pelo jornal do dia.
Nesse cenário, as empresas brasileiras de jornalismo são pressionadas a entrar num jogo em que suas marcas tradicionais valem muito menos do que pode valer potencialmente qualquer negócio digital inovador desses que brotam quase instantaneamente da cabeça de jovens empreendedores por todo o mundo.
Por trás dessa corrida está, entre outras coisas, o fato de que a receita de publicidade cresce no Brasil a taxas equivalentes ao dobro do aumento do Produto Interno Bruto – e a internet abocanha uma fatia cada vez mais consistente.
Embora ainda estejam limitadas a cerca de 6% do bolo publicitário, as mídias digitais ampliaram em quase 20% sua participação entre 2010 e 2011.
A Folha de S.Paulo publica, na edição de terça-feira (27), entrevista com a jornalista espanhola Montserrat Domínguez, que vai dirigir a versão hispânica do site noticioso Huffington Post, criado nos Estados Unidos e que começa a se espalhar para outros domínios – com planos de se instalar também no Brasil, com notícias em português. Na Espanha, o Huffington Post tem sociedade com o grupo Prisa, que edita o jornal El País.
No Brasil, comentam observadores do mercado que a empresa americana, associada ao grupo America Online, tem afinidades justamente com o grupo Folha.
Se correr…
Como as empresas de jornalismo não podem ter no Brasil mais do que 30% de capital estrangeiro – e as associações nacionais de mídia já contestam também o status das provedoras de conteúdo online de origem externa –, a parceria com uma empresa nacional seria a saída natural para quem quer aproveitar o bom momento econômico brasileiro.
No Estado de S.Paulo, uma reportagem anuncia que o grupo português Ongoing, que já investiu nos jornais Brasil Econômico, O Dia e Marca Brasil, estaria negociando a compra do portal de notícias iG.
Segundo o Estadão, as especulações sobre uma possível negociação do iG com o UOL, do grupo Folha, o grupo gaúcho Zero Hora e até a Yahoo! ficam em segundo plano com as evidências de que o negócio deve sair mesmo com o grupo português, que é um dos controladores da Portugal Telecom.
Há exatamente um ano, a Portugal Telecom adquiriu pouco mais de 25% das ações da operadora OI, que controla o iG. A compra do iG pelo Ongoing faz todo sentido como complemento para o posicionamento estratégico do grupo lusitano em terras brasileiras.
Ainda é cedo para se afirmar se esses movimentos representam risco ou oportunidade para as empresas tradicionais de comunicação do Brasil. Habituadas ao controle doméstico e centralizado de seus negócios, essas empresas familiares, de comando tipicamente vertical e pouca agilidade, podem ter sua relevância reduzida num prazo curto, se insistirem em tentar bloquear o ingresso de competidores estrangeiros.
Seu poder de lobby é cada vez menor no Congresso e no Executivo. Por outro lado, a associação com gigantes transnacionais significa o risco de ver sua marca dissolvida no médio ou longo prazo.
Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.