Parceiro de Marshall McLuhan, físico, linguista, e especialista em comunicação, Robert K. Logan está no Rio para lançar seu mais recente livro, Que é informação? (Contraponto/Editora PUC, tradução de Adriana Braga), e para uma série de aulas e conferências em universidades e escolas. Quase meio século depois de seu mestre elaborar o conceito de aldeia global e a ideia de que o meio é a mensagem, O Globo conversou com Logan sobre este tempo em que vivemos imersos em nuvens de dados. Ele prega a ideia de que o cérebro humano é viciado em tinta e papel e fala da criação do smartbook, dispositivo que alia o impresso ao virtual.
O senhor diz que o cérebro humano é dependente de tinta e papel e que a inteligência, o estudo e o aprendizado não sobrevivem sem o impresso. Essa afirmação se baseia em quê?
Robert K. Logan –Em estudos neurofisiológicos que comparam a leitura de textos em papel com a leitura numa tela eletronicamente configurada. No texto em papel ela é restrita ao hemisfério esquerdo, que interpreta a linguagem. Já a leitura na tela, por melhor que seja a resolução, envolve, antes, o lado direito, necessário para montar o mosaico de pixels que forma a imagem de cada letra, e, depois, o lado esquerdo, num vaivém: um lado converte pixels em letras, outro transforma letras em palavras e frases. A quantidade de tráfego através do corpo caloso é enorme e dificulta a concentração e a imersão, além de tornar a leitura mais cansativa. Não é à toa que escritores que escrevem em computador preferem imprimir e ler no papel na hora de fazer a revisão.
É só isso, então? A coisa se resume a um fator neurofisiológico?
R. K. L. –Não, isso é um só aspecto. Outro é que a tecnologia do livro encadernado, até hoje, é a única que permite um manuseio sem o emperramento imposto pela rolagem.
Mas o senhor é um entusiasta da internet e até a saúda como uma nova linguagem. Explique o paradoxo.
R. K. L. –Não há paradoxo. O que defendo é uma experiência conjugada no uso da internet e do papel. Por exemplo, imprimir textos e hiperlinks mais relevantes é uma prática seletiva útil, que permite que se atinjam com mais eficiência os objetivos. Ao mesmo tempo, estou participando da criação de um conceito: o dos smartbooks. É um livro impresso que contém um código que, inserido na rede, abre portas para sua cópia digital, links associados exclusivos e listas de referências.
Como vê o fim da Enciclopédia Britânicaimpressa, sem uma versão online do mesmo porte?
R. K. L. –Não vejo drama. A Wikipedia é muito melhor que a Britânica. Tem muito mais links e aberturas para outras acepções do assunto através do hipertexto.
Sério? E as bobagens, distorções, exacerbações que se encontram na Wikipedia?
R. K. L. –Ora, o que não falta na Britânica são bobagens. Essa coisa de a Britânica ser o centro referencial cosmológico da cultura era um mito. Por exemplo, não existia na Britânica um verbete sobre mim e sobre meu trabalho. Na Wikipedia há uma entrada espontânea!
O leitor médio hoje é capaz de contextualizar?
R. K. L. –Sim, claro. O hiperlink permite isso. Desde que ele tenha discernimento e uma educação à altura.
Mas o problema não estaria aí? O leitor atual, dividido entre várias fontes, consegue se educar?
R. K. L. –A educação é um assunto à parte. E o que precisa haver, como eu disse, é uma boa correlação entre o impresso e o digital. Estamos numa época em que essa ideia apressada do fim do livro impresso está em transição. Ela foi criada por aqueles que acharam que aconteceria com os livros o que aconteceu com os CDs. Ora, não perceberam que a cognição auditiva é bem diferente da experiência da leitura, que exige um vínculo muito maior com o suporte, o objeto.
Muitos estudiosos previram que o poder ficaria concentrado nas mãos de quem fosse o dono da informação. Quem são, hoje, esses donos?
R. K. L. –Hoje, todos são donos da informação, e aquele funil de editores deixou de privar milhões de pessoas de se expressarem, muitas vezes coletivamente. Os provedores, é claro, lucram com isso e têm acesso a toda a informação, mas este é um outro aspecto da discussão.
Em seu livro o senhor trata do conceito de informação como se fosse um organismo que se replica por meio das linguagens e da cultura da mesma maneira pela qual as estruturas moleculares orgânicas propagam seus padrões de organização. Para além da esfera acadêmica, como o público percebe o conceito de informação?
R. K. L. –Não percebe. O público, com exceção da academia, é como um peixe na água: ele não capta conceito de fundo, ele apenas recebe, processa, transforma, recria e transmite a informação através de seus vários meios, sempre influenciado, cognitivamente, pelas características dos mesmos e pelo ambiente, adicionando significados que estão para além da previsibilidade e que pertencem ao domínio da incerteza. O que contraria completamente a noção que tem predominado, derivada das ideias de Shannon, de que informação é apenas transmissão direta e passiva de signos arbitrários por um receptor.
Isso significa que a informação é orgânica?
R. K. L. –Não, ao contrário do que sonham os próceres da inteligência artificial e da realidade virtual: sem a interação com o ambiente não se produz vida humana. A vida está nos processos biológicos, e a mente é um estágio que resulta da soma do cérebro com a linguagem. O que esta soma produz é uma instância puramente conceitual, simbólica, que é transmitida como um organismo vivo apenas em sua dinâmica, por meio de padrões de replicação imateriais.
Apesar de afirmar essa especificidade do homem enquanto produtor de significados, na sua teoria, o senhor se refere aos indivíduos por meio de palavras como instinto, cérebro, mente, moléculas, organização, emergência, processo. Mas vocábulos como amor, emoção e sentimento estão ausentes das 250 páginas. Por quê?
R. K. L. –Estão mesmo ausentes? Tem certeza? Bom… não sei, na verdade isso me surpreende. Não posso sequer explicar. Estou chocado. Vou ter que pensar sobre isso e já me vem uma série de palpites sobre como conectar o conceito de informação ao de amor. Você me deu uma excelente ideia para uma próxima edição do livro, ou um novo estudo…
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[Arnaldo Bloch é jornalista]