Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Talento, desde que datado

Os 80 anos de idade e 60 de jornalismo de Alberto Dines foram fartamente comemorados; o papel de Dines na evolução de nossos veículos de comunicação, no aperfeiçoamento dos profissionais, na permanente busca da qualidade do noticiário, provocou elogios, rememorações, análises.

Mas qual o grande veículo de comunicação que tem Dines sob contrato?

Mais velho que Dines, um dos primeiros a reconhecer seu talento, Nahum Sirotsky tem extraordinária importância na imprensa brasileira. Criou Visão, uma escola de jornalismo, lá pelos anos 1950. Criou Senhor, revista cultural jamais igualada, que juntou profissionais de altíssima qualidade num grande sucesso editorial. Dirigiu Manchete, que bateu a grande e tradicional O Cruzeiro (nesta época, seu assistente era Alberto Dines). Nahum foi correspondente de guerra, montou e comandou grandes equipes e hoje continua trabalhando, como correspondente, em Tel Aviv.

Mas qual o grande veículo de comunicação que tem Nahum Sirotsky sob contrato? A Zero Hora gaúcha – que, entretanto, mais voltada a temas estaduais e nacionais, só publica suas ótimas análises dos conflitos do Oriente Médio de vez em quando.

Ewaldo Dantas Ferreira, um dos melhores repórteres do país, o homem que descobriu e entrevistou Klaus Barbie, o nazista alemão que se tornou famoso na França como Carrasco de Lyon, o jornalista que mostrou, logo no início do regime militar, como os setores de informação passaram a dominar o governo, está fora das redações há mais de vinte anos, mesmo com sua belíssima coleção de Prêmios Esso.

Talento não tem idade; mas preconceito tem. O consumidor de informação é jovem e não dá atenção à opinião de pessoas mais velhas? Falso duas vezes: o consumidor de informação pode ser jovem, pode ser de meia-idade, pode ser velhíssimo, e em qualquer dos casos está preocupado exclusivamente com a qualidade do que recebe.

O estrondoso sucesso da coluna “Jornal dos Jornais”, de Alberto Dines, publicada na Folha de S.Paulo entre julho de 1975 e setembro de 1977, não se explicou em nenhum momento pela idade do autor, mas pela competência com que analisava o desempenho da imprensa na época. O Papel do Jornal, um livro revolucionário, fez sucesso e foi importantíssimo não porque Dines tivesse trinta e poucos anos menos do que hoje, mas por mostrar uma realidade que muitos não viam (e que ainda hoje teimam em ignorar).

Ao sugerir a contratação de determinados profissionais, este colunista já ouviu, de executivos de imprensa, frases do tipo “velho aqui basta eu”. Besteira: em pouco tempo, esses executivos também estarão na lista negra de quem tem mais idade; e, ao mesmo tempo, não conseguem extrair para seus veículos o talento e a experiência de quem já tem alguns anos de estrada.

Um dos melhores jornais de São Paulo, hoje, é o Diário do Comércio, de distribuição gratuita, editado pela Associação Comercial. Moisés Rabinovici, jornalista de excelente carreira como repórter e correspondente internacional, teve ali a grande sacada: buscou excelentes profissionais aposentados e colocou-os no serviço diário. E dirige o único jornal da cidade que mantém a tradição do antigo Jornal da Tarde – de surpreender, fascinar e fidelizar seu leitor.

 

Questão de ética 1

Uma série de importantes furos de reportagem ocorreu recentemente, com a utilização da câmera oculta. Foi possível flagrar e documentar atos de propina explícita, de absoluto descaramento, de notável falta de vergonha. Não há dúvida: essas informações são de grande interesse para o país.

Mas a questão referente ao comportamento dos jornalistas merece debate. Ao assumir uma profissão ou identidade falsas, não estará induzindo o corrupto ou corruptor a praticar o crime?

O Código de Ética dos Jornalistas diz o seguinte, no Capítulo 3 (da responsabilidade profissional do jornalista), artigo 11, III:

“O jornalista não pode divulgar informações (…) obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração (…)”

Que há incontestável interesse público, há; mas teriam sido esgotadas todas as outras possibilidades de apuração? Cabe um bom debate.

 

Questão de ética 2

Aqui não cabe debate: é deslealdade e ponto final. Muitos repórteres recebem denúncias contra empresas e esperam o fim do horário comercial, para só então “tentar ouvir o outro lado”. Aí vêm aquelas frases notáveis, “fulano, que se identificou como segurança, disse que não sabe como encontrar o diretor da empresa”, ou “procurados por telefone, os diretores da empresa não retornaram”.

Recentemente, o repórter de um grande jornal telefonou para uma empresa às 20h43, precisamente, para informar que havia uma denúncia judicial contra ela e pedir uma declaração. Qual a empresa que tem a diretoria funcionando neste horário? Isso, naturalmente, fora aqueles casos em que a matéria está pronta no início da semana, para publicação no sábado ou domingo. O repórter espera para ouvir a empresa no fim da tarde de sexta, com uma lista de pedidos de informação que exige um bom tempo para responder; e, com isso, a defesa dos acusados é sempre mais fraca do que a acusação, que teve todo o tempo necessário (além da boa-vontade do jornalista) para elaborar seu libelo.

 

Questão de ética 3

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, tem todo o direito de processar um jornal. Tem todo o direito, também, de arregimentar outros juízes e desembargadores para que movam outros processos. Mas mover o processo, se o julgar cabível, é uma coisa; ameaçar mover processos a menos que as denúncias cessem é outra coisa. Como é que um juiz classificaria a ameaça de mover centenas de processos, de forma corporativa, a menos que o adversário no caso se comporte?

 

Contando a verdade

A pistola elétrica Taser, supostamente não-letal, foi a arma que matou o estudante brasileiro na Austrália; foi também a arma que matou, em Florianópolis, um cavalheiro alucinado que tentava se jogar pela janela (foi alvejado para imobilização, mas morreu). Foi ainda a arma que matou um rapaz de 18 anos no Tocantins, durante o carnaval. A Taser é menos letal do que uma arma de fogo, mas também pode matar (ver aqui a explicação do delegado George Melão, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, sobre o funcionamento das armas Taser e os cuidados que devem ser tomados ao usá-la).

O que a imprensa não conta é que esta arma, que pode matar, está à venda na Internet por R$ 500,00. E, negociando um pouco, consegue-se até a prazo.

 

Como…

De um grande jornal, sobre as atividades do ex-presidente Lula:

** “O ex-presidente conversou por duas horas no Instituto Lula com os petistas Pinheiro e Viana. Mesmo com a voz ainda debilitada, insistiu em ouvir os relatos (…)”

E desde quando se ouve com a voz?

 

…é…

No subtítulo de um grande jornal, sobre um jogo de futebol da maior importância:

** “Com seis jogadores, o APOEL não se assusta com o desafio e fala em bater o poderoso rival (…)”

No texto da mesma notícia, explica-se que o time, como todos os outros, entrará em campo com onze jogadores. O número seis se refere ao número de jogadores brasileiros que integram a equipe titular.

 

…mesmo?

A imprensa escrita caprichou. Um jornal de circulação nacional, falando sobre automóveis e acessórios, soltou esta frase:

** “Nenhum (…) são recomendados pelos especialistas”

E soltou esta também:

** “Os modelos mais sofisticados trazem acentos com abas laterais”

Nos velhos tempos, acento com abas laterais era o circunflexo.

 

É…

Mas os portais noticiosos não podem ser esquecidos – seria injusto:

** “A identidade (…) foi identificado (…)”

Além de a identidade ter sido identificada, foi identificada no masculino.

 

…por…

Da internet, que nunca nos falha:

** “No momento em que foi colocado no chão, os policiais perceberam que a vítima estava desmaiado e foi reanimado, sem sucesso”.

OK, a concordância foi para o espaço – ou, quem sabe, para a espaço. Mas alguém poderia explicar a este colunista o que é ser reanimado sem sucesso?

 

…aí

E voltemos à grande imprensa:

** “(…) uma falha elétrica (…) fez com que o intervalo entre um trem e outro ficasse mais lento”.

Este colunista é do tempo em que os trens ficavam mais lentos; os intervalos ficavam maiores ou menores, mais curtos ou mais compridos. Ou então temos de dar razão a Einstein: mesmo em baixas velocidades, o tempo é relativo e pode transcorrer com mais lentidão, ou menos.

 

No capricho

Este colunista acreditou durante muito tempo no Papai Noel, no Saci Pererê, no senador Demóstenes Torres e na infalibilidade do noticiário de esportes – afinal de contas, elaborado por gente do ramo e que gosta do que faz. Pois bem:

** “Barça perde aura de imbatível e expõe fragilidades com reclamações e receio do Milan”

Seria um belo título se o Barcelona tivesse sido batido. Mas o jogo a que este colunista assistiu (teria sido outro?) terminou empatado em 0x0.

 

Completando

Um texto que não se pode perder de um grande portal noticioso:

** “Casal rompe 4 dias após casamento após flerte da noiva com padrinho. Noivo acabou condenado após agredir a mulher.”

Após a leitura desta notícia de duas frases com três “após”, mudemos de assunto.

 

E eu com isso?

Crises, confusões, ameaças de guerra, brigas de torcidas organizadas, gente se enfrentando nas ruas por questões de quase cinquenta anos atrás. Chega! Vamos celebrar as celebridades e cada vez mais celebrizá-las.

** “Atores e famosos se reúnem em prêmio de teatro no Rio de Janeiro”

** “Garota americana virou febre na Internet por ser a Barbie da vida real”

** “Fofinha! Paula Fernandes exibe gordurinhas”

** “Courtney Cox é clicada sem maquiagem”

** “Joana Prado e Belfort levam os filhos ao teatro em SP”

** “Britânica já competiu com cachorro morto”

** “Fla exige exame de fígado a Imperador bom de copo”

** “Eamon Sullivan, rival de Cielo, faz dieta ‘de Ronaldo’ e se esbalda nas asas de frango”

** “Minotauro dá aula e finaliza rival sem dar um soco”

** “Menino só pega no sono depois de dar volta em Ferrari”

Qual será o nome dele: Odin? Wotan?

 

O grande título

Uma grande semana, sem dúvida. É tão difícil escolher o melhor título que este colunista nem vai tentar. Um dos três títulos selecionados é ótimo, mas não o suficiente para disputar a taça:

** “Série põe atrizes experiente e novata empara ser Marilyn Monroe”

Os outros dois são impecáveis: escolha seu preferido.

** “Federação veta organizadas, mas defende membros nos estádios”

Ainda bem: emascular dezenas de milhares de torcedores daria um trabalhão e provavelmente afastaria muita gente das arquibancadas.

** “Mortos realizavam testes em novos trens da CPTM”

Este colunista não acredita que a falta de mão de obra tenha chegado a este nível, mas se o jornal publica deve ser verdade.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]