Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manuel Pinto

Com apenas um voto nulo, 166 dos 167 jornalistas da revista francesa ‘Le Nouvel Observateur’ votaram na segunda-feira um documento de orientação e uma definição dos poderes de cada órgão interno. Uma das normas estabelece que ‘o respeito pela presunção de inocência impede que se apresente uma pessoa como culpada, mesmo que seja na base de factos que sejam objecto de processo judicial’. Outra das normas não permite que directores ou editores possam pertencer a partidos políticos ou desempenhar um cargo político. Finalmente, os jornalistas passam a ter poder para vetar nomes que o Conselho de Administração proponha para director da revista, se considerarem, por maioria de dois terços, que eles podem pôr em risco a orientação editorial agora acordada.

Cartas dos leitores

No quadro de um desenvolvido tratamento dos novos países que acabam de entrar para a União Europeia, o JN publicou, no passado dia 8, vários trabalhos sobre a Eslováquia. Aí se dizia que os ‘eslovacos votaram esmagadoramente o ‘sim’ à Europa…mas só metade do país se deslocou às urnas…’ e, noutra peça, afirmava-se ter havido ‘uma vitória esmagadora com uma adesão mínima do povo’. Ao leitor Serafim Teixeira causou estranheza o uso do adjectivo ‘esmagadora’ e do advérbio de modo por ele formado, quando a verdade é que não foi além de 52 por cento a percentagem dos participantes no referendo e, desses, oito por cento não votaram a favor. A jornalista Carla Soares explica que, na peça que escreveu, ‘o adjectivo ‘esmagadora’ faz jus à elevada percentagem dos votos pró-adesão e nunca à participação dos eleitores’. Por sua vez, João Ogando, director de Comunicação da Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto, fez chegar ao provedor a sua discordância relativamente ao título ‘Paulo Morais sem pena dos toxicodependentes’, que vinha na edição do JN da passada quarta-feira. Se o título correspondesse ao que consta na peça respectiva, deveria traduzir, antes, a ideia de que o vice-presidente da Câmara do Porto defende de uma intervenção pautada por critérios profissionais e não por ‘um enfoque emotivo e subjectivista’. ‘A notícia, correcta e objectiva, refere claramente que sentimentos como a ‘pena’ e a ‘culpa’ não são adequados para a acção social, citando exemplos que o dr. Paulo Morais então apontou’, acrescenta João Ogando.

O problema do sensacionalismo

No debate que se seguiu à publicação do caso do marido assassinado e escondido numa arca frigorífica, que teve honras de manchete no JN, no dia 11 passado, as opiniões dividiram-se. Os mais radicais opinaram que, ao destacar o assunto, este jornal em nada se distinguiu de periódicos do tipo de ‘O Crime’ ou ‘Jornal do Incrível’. Em contraposição, houve igualmente quem defendesse que um jornal generalista pode (e deve) ter assuntos destacados em todos os domínios. No meio, meteu-se o problema da dicotomia entre jornais de referência e jornais sensacionalistas, classificação que não ajuda muito a debater o assunto, ao reduzir o problema a uma dicotomia entre ‘bons’ e ‘maus’. Daí a importância de uma outra achega, que aludiu às vantagens de ‘trilhar um caminho intermédio’, que não significa necessariamente o somatório de aspectos de um e outro lado.

Mas será o JN um jornal sensacionalista? Para responder à pergunta, torna-se necessário esclarecer o conceito de sensacionalismo. De outro modo, dificilmente nos faremos entender. Recorro a uma definição proposta, em 1983, pela brasileira Rosa N. Pedroso e citada por D. Agrimani (in ‘Espreme que Sai Sangue’, São Paulo: Summus Editorial, 1995. p.14). Para aquela autora, sensacionalismo é um ‘modo de produção discursiva da informação de actualidade, processado por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação ou reprodução de real social’. É uma definição um tanto rebuscada, para significar algo que todos compreendemos: no sensacionalismo há exagero e desproporção, quer no aspecto gráfico quer nos temas quer na linguagem usada. Quando essa linha orientadora e esse estilo caracterizam a generalidade das matérias publicadas e se repete ao longo do tempo, nós podermos dizer que estamos perante um jornal sensacionalista. Ou de uma televisão: a lógica é semelhante.

Normalmente, os jornais sensacionalistas ‘puxam’ por assuntos relativos a crimes, acidentes, casos insólitos, aventuras, revelações. Os pormenores, mesmo aqueles que são perfeitamente desnecessários, são glosados até à exaustão, pisando um risco para além do qual já não é a informação que está em causa, mas o alimentar das pulsões mais elementares, da coscuvilhice e da morbidez.

Contudo, um jornalismo que olhe com desdém estes casos do dia e que considere como acontecimentos verdadeiramente dignos desse nome aqueles que envolvem os grandes poderes e instituições, as vedetas dos vários palcos da vida social, em suma, os acontecimentos protagonizados pelas elites sociais, esse jornalismo, dizia, coloca-se numa atitude ambígua e arriscada. Cuidando posicionar-se num lugar de superioridade e de referência, mais não faz do que alimentar a clivagem sociocultural entre as elites e as massas. Tal como o jornalismo sensacionalista, esse jornalismo pseudo-ilustrado não vê o que de profundo e sinalizador pode emergir através daquele tipo de casos do dia depreciativamente remetidos para a prateleira dos ‘fait divers’. Não vê como, por detrás dos casos, se escondem dimensões essenciais da vida humana, porém invisíveis à vista desarmada. Além de que, como mostrou Gloria Awad, num estudo sobre os grandes diários franceses, publicado vai para dez anos, ‘os jornais ditos de qualidade também praticam o sensacionalismo, entendido como 'coeficiente de dramatização'’.

Dito isto, convém responder à pergunta feita atrás: será o JN um jornal sensacionalista? A resposta não pode ser dada em ‘duas penadas’. Mas há sinais que apontam para uma resposta. No debate público, e desde logo, na secção do leitor do jornal, essa questão não surge como problema. Não é propriamente um argumento forte, mas não é de desprezar. Por outro lado, se a primeira página, e em particular a manchete, são geralmente consideradas potenciais indicadores de sensacionalismo, uma observação das manchetes publicadas pode também ajudar-nos na resposta. O provedor analisou as edições vindas a lume entre 1 e 21 de Maio e apurou o seguinte: em 21 dias, o JN publicou seis manchetes sobre assuntos de Economia; quatro sobre assuntos de interesse nacional e outras tantas sobre temas de Justiça; duas sobre Internacional e outras tantas sobre Desporto; com um assunto apenas ficaram os casos de Polícia (precisamente o acontecimento que motivou esta reflexão), a Política e o Grande Porto. Não é uma amostra representativa? Não será, mas é indicativa. Corrobora por inteiro algo que salientou, a propósito deste caso, o subdirector do JN David Pontes: que o jornal chama ‘casos do dia’ deste tipo uma meia dúzia de vezes nos 365 dias de cada ano.

Constituirá isto garantia de que o jornal não comete deslizes ou não cede a tentações? Certamente que não. Mas ser popular e ser sério não têm de conflituar entre si. E é positiva a procura de abrangência nas temáticas tratadas e destacadas. Coisa bem diversa é a qualidade desse tratamento, que é uma luta quotidiana que se ganha ou se perde.’