Na segunda-feira (26/3), a Associação Brasil-Alemanha (DGB, na sigla em alemão) promoveu um encontro nas dependências da TV pública ZDF, em Berlim. Além de conhecer os diversos estúdios e a sala de direção da emissora do chamado “estúdio da capital”, o intuito principal era encontrar o jornalista e hoje correspondente político em Berlim Frank Buchwald, que entre 1996 e 2003 esteve radicado no Rio de Janeiro. Durante uma conversa informal que durou pouco mais de duas horas, ele partilhou com um público sedento de novidades sobre o Brasil detalhes de uma das épocas mais importantes da jovem democracia brasileira. Entre os ouvintes, pessoas das mais diferentes idades e todas elas com uma experiência antiga, recente ou até mesmo ainda futura com o Brasil.
O caminho jornalístico escolhido por ele foi Madri, mas uma transferência o levou para cobrir os países da América do Sul. Quanto mais se adentrava nos países vizinhos do Brasil, mais constatava a enorme diferença da capital espanhola e, mais ainda, como o Brasil se diferenciava de todos os outros países – confessa com uma certa timidez pela percepção outrora equivocada.
A “parte do leão” era composta por alemães. Uma voracidade em saber tudo o que se refere ao Brasil é imensa na Alemanha. Na opinião pública, na imprensa e, não podia deixar de ser diferente, com aqueles que já tiveram suas experiências de natureza pessoal e profissional com o país. Por parte da Alemanha, a simpatia já existia bem anteriormente ao papel que o Brasil hoje ocupa no cenário político internacional. Juntaram-se a admiração e a simpatia, o respeito e ouvidos bem abertos sobre tudo o que acontece no Brasil.
“Pra filmar tem que pagar”
Muitos dos presentes mostraram insistir na pintura de um Brasil inexistente hoje: no Brasil subdesenvolvido, necessitado de todo o tipo de ajuda do chamado primeiro mundo. Mesmo com o tato necessário, o palestrante foi taxativo: “Antes, o FMI espremia o Brasil como queria. Agora, nós europeus precisamos da confirmação da presidente Dilma de aumentar a contribuição ao FMI para ajudar na estabilização da nossa moeda [o euro].”
Quanto ao interesse de sua redação pelo Brasil da época e do que achava necessário mostrar, ele diz ter exercido um trabalho de convencimento permanente. “Havia temas-chave que tínhamos mesmo que cobrir, mas fazíamos uma lista de matérias, enviávamos para a redação e ficávamos esperando que aprovassem. Os redatores da época não se interessavam por temas novos, que mostravam um outro Brasil”, disse.
Não faltaram anedotas sobre percalços jornalísticos: “Quando fomos fazer matérias com os índios em Rondônia, ou com a Beija-Flor de Nilópolis, os caras diziam: ‘Pra filmar tem que pagar 50.000 dólares’”. Ele, com toda a calma que só um alemão tem, explicava, balançando a cabeça negativamente: “Não dá… isso é dinheiro do contribuinte (TVs públicas alemães são financiadas pelos impostos), não podemos fazer isso de forma alguma”. Com um tom de quem saiu na melhor, ele disse: “A Beija-Flor não quis. Fomos para a Imperatriz, que topou na hora. De quebra, foi campeã nos carnavais seguintes”.
Notícias, experiências e histórias
Uma de suas lembranças mais emocionantes, confessa Buchwald, é a da menina que catava lixo e, perguntada o que gostaria de achar, ela teria dito: uma boneca. Quando a matéria foi ao ar, uma menina rica de um lugar da Alemanha escreveu para a redação dizendo ter bonecas demais e querer ajudar. A boneca seguiu uma longa viagem: passando pelo estúdio, em Mainz, na Alemanha, chegou ao Rio e lá ficou por mais de seis meses até a equipe voltar ao local e entregar pessoalmente a boneca para a menina pobre. Buchwald acrescenta: “Nessas horas você é recompensado pelo trabalho árduo que se faz”.
Dando um toque pessoal à palestra, Buchwald disse que seu filho, Benedikt, muito se orgulha de ser carioca e vive mostrando o passaporte brasileiro para os colegas. Depois de seis anos e tendo voltado de férias, o dono da loja de verduras o teria reconhecido, disse.
No final da palestra havia ainda no ar uma curiosidade insistente e que só pode realmente ser satisfeita com a presença física no país. Nenhum jornalista, por mais informado e experiente que seja, pode substituir a presença, o olhar, o contato e as manifestações daquilo tudo que faz hoje o país.
A palestra não ficou isenta de críticas sobre as matérias em terras indígenas, mas o olhar insaciável por notícias, experiências e histórias dominou até a saída do complexo arquitetônico, Zollernhof, prédio importante e de prestígio, além de patrimônio cultural, no coração da cidade de Berlim.
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[Fátima Lacerda é formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]