Poucas pessoas compreendem melhor do que Rupert Murdoch o poder de denúncias num jornal ou na televisão. Mas na mesma semana em que o presidente da News Corp comemorou o “grande furo do Sunday Times”, divulgando informações sobre reuniões de doadores privados com o primeiro-ministro britânico David Cameron, a situação se inverteu. As investigações da Australian Financial Review (AFR) e dos programas Panorama, da BBC, no Reino Unido, e Frontline, da PBS, nos EUA, recolocaram uma série de acusações contra a News Corp nas manchetes em três continentes.
Muitas das acusações já tinham sido veiculadas anteriormente – e contestadas pela News Corp. Mas ressurgem num momento delicado, quando a companhia de Murdoch é alvo de investigações policiais e de uma avaliação sobre se se trata de um proprietário de mídia “idôneo e responsável” no Reino Unido; de investigações conduzidas pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) e outras agências americanas; e de uma reavaliação, por uma agência governamental australiana, de uma proposta de compra da Austar pela Foxtel, na qual a News Corp tem uma participação.
O foco das investigações da AFR e do programa Panorama – uma empresa de segurança de decodificadores de TV, chamada NDS, que a News Corp controlou até 2008 e presta serviços a empresas de televisão como a BSkyB – também está em meio a uma planejada venda, por US$ 5 bilhões, pela News Corp e pela Permira, para a Cisco. As acusações contra a NDS vieram à tona várias vezes desde 2002, quando o concorrente Canal Plus Technologies acusou a NDS de ter “decifrado o código de segurança” de seus cartões inteligentes e ter ajudado piratas a inundar o mercado com cartões falsificados.
“Eles influenciam a comunidade de piratas”
A EchoStar e a DirecTV, nos EUA, e a Sogecable, na Espanha, iniciaram suas próprias ações judiciais. Em cada caso, a NDS teve êxito em eximir-se de indenizar empresas de TV por assinatura. Apenas o processo iniciado pela EchoStar foi a julgamento: um júri decidiu em favor da EchoStar em três de seis acusações, mas concedeu uma indenização em torno de US$ 1 mil. A EchoStar teve de pagar à NDS os custos de US$ 19 milhões. A ação do Canal Plus contra a NDS foi abandonada em 2003, quando a News Corp comprou a Telepiù, uma emissora italiana via satélite, da Vivendi, que controla o Canal Plus. A DirecTV desistiu de sua ação quando a News Corp adquiriu uma participação na emissora americana via satélite naquele ano.
Os casos na justiça pintaram um quadro de um setor envolto em segredo onde um comprometimento da segurança pode custar uma fortuna às operadoras de TV paga, e seus provedores de segurança buscavam usar hackers para proteger seus clientes e obter informações sobre concorrentes.
No ano passado, o Financial Times noticiou que Christopher Tarnovsky, um funcionário da NDS, tinha sido pago por intermédio da HarperCollins, editora controlada pela News Corp, para manter sua identidade secreta. A AFR divulgou mais de 14 mil e-mails, nesta semana, que declarou serem provenientes do disco rígido de Ray Adams, um ex-diretor de segurança da NDS. [As mensagens] lançam mais luz sobre esse mundo, mostrando a preocupação da NDS com sua tecnologia de encriptação, que poderia ser decifrada. “A unidade de segurança operacional criou um sistema único e bem-sucedido para proteger os cartões da NDS. Isso baseia-se em um sistema de contatos, pessoas, que permanecem leais”, diz um e-mail de Adams. “Nossos concorrentes já estão em campo tentando recrutá-los. Essas pessoas influenciam a comunidade de piratas. Quem eles favorecerem permanece protegido.”
Atividades antiéticas e éticas
Em outra mensagem, Avigail Gutman, diretora de “segurança operacional” da NDS na divisão asiática, advertiu: “Provavelmente veremos um esforço renovado combinado – em todo o mundo – contra os cartões, no qual os piratas esperam um efeito dominó no espírito do que fizeram contra [as rivais] Irdeto, canal + e nagra.”
Os e-mails oriundos da NDS – presidida por Abe Peled, um ex-comandante de esquadrões de tanques do exército israelense – mostram os altos riscos envolvidos. Adams refere-se em um e-mail ao risco de que a ação de hackers contra a tecnologia utilizada pelo Canal+ poderia comprometer a oferta inicial de ações então planejada pelo grupo francês. “As pessoas não param de me dizer que essa é uma oportunidade (de ouro) para a News Corp”, escreveu ele. Em 2001, Adams escreveu: “Minha única missão [determinada por] Abe era ‘proteger a Sky’.”
As mensagens mostram também que a NDS acreditava que os hackers podem deixar de praticar atividades antiéticas e dedicar-se a atividades éticas. Num e-mail referente a um encontro em um local secreto na Noruega, Adams escreve: “Nós teremos a oportunidade de conversar e tomar umas cervejas com um sujeito do mal (convertido em um cara do bem).”
Alegações da AFR são graves
Ontem, a NDS declarou ter negado inteiramente as acusações da AFR, segundo as quais suas ações prejudicaram concorrentes, observando que os e-mails haviam sido incluídos no processo EchoStar que validou a posição da NDS. Acusações “instigadas por nossos concorrentes” foram refutadas em uma ampla diversidade de tribunais e por agências [governamentais], acrescentou. Como a maioria das companhias no setor, acrescentou ele, “a NDS vale-se de contatos no setor para localizar e capturar tanto hackers quanto piratas. Isso não é ilegal nem antiético. As informações que a NDS obteve foi muitas vezes compartilhada com nossos concorrentes, com clientes de TV aberta e com órgãos policiais”.
A News Ltd., empresa australiana pertencente à News Corp, disse que a história relatada pela AFR está “repleta de imprecisões factuais, referências errôneas, conclusões fantasiosas e acusações infundadas comprovadamente negadas em tribunais estrangeiros”. Não está claro se as mais recentes acusações afetarão a NDS ou a News Corp.
Um porta-voz de Stephen Conroy, ministro das Comunicações australiano, disse que as alegações da AFR são graves e devem ser encaminhados à Polícia Federal australiana. A AFP disse não ter recebido nenhum encaminhamento.
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[Andrew Edgecliffe-Johnson, Salamander Davoudi e Sarah Mishkin, do Financial Times]