Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Riscos à diversidade de pontos de vista

O diretor da Secretaria de Comunicação da Câmara reclamou [no Canal do Leitor, ver aqui] mas não tem razão: defende a qualidade dos serviços que a agência presta, que não havia sido contestada, diz que o presidente da Agência Câmara não foi demitido (afastado foi seu chefe, o diretor da Secretaria de Comunicação Social) e defende a utilização do noticiário de uma única fonte, mesmo que oficial, desde que bem-feito. Não dá: por melhor que seja, o noticiário de uma só fonte é unilateral. Não expressa nem pode expressar todos os lados de uma questão.

Este colunista fez um levantamento do noticiário da imprensa. Em um só dia houve cinco matérias com o mesmo título, idênticas letra por letra, espalhadas por veículos de todo o país – algumas assinadas, como se tivessem sido feitas por um repórter do próprio veículo. Em outros dois casos, veículos diferentes publicaram matérias iguais em tudo, até no título. Fonte? As agências chapa-branca. Se é para publicar o mesmo noticiário, qual a vantagem da existência de vários veículos? Por que não unificar tudo e chamar o jornal, por exemplo, de Pravda?

É preciso ficar bem claro que não há crítica ao trabalho das agências oficiais, que funcionam direito e produzem material de boa qualidade. O problema é que esse trabalho deveria ser uma parte, e não o todo, do material à disposição dos veículos. Isto é ruim para a opinião pública, que fica refém de uma só fonte de informação, embora pense que tem várias; e é ruim para nós, jornalistas. Primeiro, porque renunciamos à nossa função básica, que é a de buscar informação exclusiva; segundo, porque os patrões podem perceber que, usando apenas as agências chapa-branca, poderão economizar muito dinheiro em salários.



Lembrando

O Pravda, para os mais jovens, era o jornal do Partido Comunista da União Soviética. Era impresso em vários pontos do imenso território soviético, mas sem modificações. Seu nome significa ‘verdade’. O outro jornal que circulava no país era o Izvestia (‘notícias’), do governo soviético. A piada tradicional dizia que no Pravda não havia ‘izvestia’, e no Izvestia não havia ‘pravda’.



Opinião, sim…

Na década de 1950, alguns jornais revolucionaram a maneira de escrever notícias no Brasil: tornaram obrigatório o lead (com a resposta a algumas perguntas básicas – o quê, quem, onde, como, quando e por quê) e baniram o nariz-de-cera. Os antigos escreviam coisas do tipo ‘Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Foi o que aconteceu anteontem na rua da Matriz….’ A revolução foi comandada por Carlos Lacerda, Pompeu de Souza, Alberto Dines, Samuel Wainer, Odylo Costa, filho, Janio de Freitas, todos grandes jornalistas; e fez com que o jornalismo brasileiro avançasse um século, já que nos Estados Unidos o conceito de lead remontava à Guerra da Secessão.



…informação, não

As coisas estão voltando para trás. Hoje, a matéria freqüentemente abre com a opinião do repórter sobre os fatos que ele irá descrever (ou não irá, limitando-se a copiá-los do noticiário das agências oficiais). ‘Um telefonema complicou a vida de Fulano de Tal…’, ou ‘Sicrano se enrola ainda mais na acareação’, ou ‘Cheiro de pizza no julgamento de Beltrano…’ (às vezes com trilha sonora de música italiana). Aquela velha, clássica e boa matéria, que narra os fatos, coloca-os no contexto e descreve o clima do evento, permitindo que o leitor, ouvinte ou telespectador chegue à sua própria conclusão, essa está cada vez mais rara.

Opinar é gostoso e dá menos trabalho do que apurar. Tentar influenciar os outros é um jogo divertido (este colunista já viu um jornal tradicional e normalmente correto procurar fazer, a golpes de manchete, com que o cavalo do dono ganhasse um Grande Prêmio). Mas, no fim das contas, é menosprezar o consumidor de informação. É julgar que o leitor, ouvinte ou telespectador é incapaz de chegar sozinho a conclusões corretas, sem que o jornalista lhe sopre a resposta.



Vendas abaixo

A substituição da informação pela xingação ocorreu nos vários tipos de veículo – inclusive os de elite. Chamar o vice-presidente da República e ministro da Defesa de ‘o vice cara-de-pau’ porque ele, dentro da lei, obteve financiamentos a juros menos escorchantes para sua empresa (quando não ocupava qualquer cargo político) é um desrespeito. Uma charge poderia mostrar o vice com cara de pau; um editorial poderia dizer que seu comportamento o transforma num cara-de-pau. Mas charge é charge, editorial é editorial e notícia é notícia.

Esta não é apenas a opinião do colunista: é a opinião dos consumidores de informação. Desde que os meios de comunicação passaram a misturar informação com opinião, as vendas desabaram. Aqueles jornais que há poucos anos tiravam 1,5 milhão de exemplares aos domingos, quantos tiram hoje? As revistas que batiam seguidos recordes de circulação, há quanto tempo só olham para baixo? Lembrando o slogan do início da campanha das diretas, o povo não é bobo.



O desafio americano

A Guerra da Secessão, quando o Sul dos Estados Unidos quis se separar do país, marcou profundamente o jornalismo americano. Até então, cada jornal divulgava as notícias a seu modo, normalmente editorializado. Com a guerra e a necessidade de enviar repórteres às várias frentes, surgiram as agências, que prestavam serviço a vários órgãos; e foram obrigados a tornar a notícia o mais objetiva possível, permitindo que todos os clientes pudessem utilizá-la. O nariz-de-cera saía caro (os telegramas eram cobrados por palavra) e consumiam tempo. Foi abolido. A partir daí, cada jornal recebia a notícia e passava a trabalhá-la de acordo com sua visão de mundo – mas jamais se limitava a copiá-la.



Coca-Cola

Seis mil litros de ácido clorídrico vazaram de uma estação de tratamento da Coca-Cola, em Jundiaí (SP), contaminando o solo. Três funcionários que respiraram seus vapores foram levados ao Hospital Paulo Sacramento, para observação. Tudo bem: acidentes acontecem – mesmo acidentes graves como a liberação de um forte corrosivo. Correndo o risco de uma injustiça, já que este colunista não consegue ler todos os jornais do país, o surpreendente é que a notícia não foi dada.

Por quê? Ácido clorídrico é perigoso, sim; os tanques que o contêm são obrigados a ter paredes de aço com quase 5 mm de espessura. A quantidade é grande: basta observar, numa loja de material de construção, o tamanho de uma caixa-d’água de seis mil litros para ter uma idéia do quanto que vazou. Nem parece haver risco de irritar um grande anunciante: os refrigerantes em geral, inclusive a Coca, não costumam anunciar em veículos impressos.

Por que terá a notícia sido ignorada?



A briga de Rui Martins

O jornalista Rui Martins, ex-Jornal da Tarde, que mora há décadas na Suíça, lança um desafio: candidata-se a receber qualquer quantia que o ex-governador Paulo Maluf tenha na Suíça, com base na promessa do próprio Maluf de que, se encontrassem qualquer conta sua no exterior, poderiam ficar com o dinheiro. Martins promete doar o dinheiro que receber a algum movimento social.

O jornalista trata a imprensa brasileira com dureza. Diz que a cobertura do caso Suíça-Maluf foi ‘péssima e próxima da cumplicidade’. Acrescenta:

‘Em 2001, a Justiça suíça divulgou ter aberto inquérito por suspeita de lavagem de dinheiro contra Maluf. No Brasil, Maluf continuava dizendo que não tinha dinheiro na Suíça e, com o verbo no condicional usado pela imprensa brasileira, pôde se candidatar a governador e a prefeito. Por que a mídia brasileira não o desmoralizou, contando que tudo já estava provado em Genebra?’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados