A reunião anual da Associação Americana de Jornais, que se realiza durante esta semana em Washington, vem sendo considerada como o ponto de virada no processo de adaptação da imprensa tradicional às novas tecnologias digitais. Boa parte dos debates e apresentações divulgados no site da entidade se refere ao modelo de cobrança por conteúdo conhecido como paywall.
Trata-se de um sistema pelo qual o leitor recebe parte do noticiário gratuitamente e é atraído para conteúdos mais consistentes por cujo acesso terá que pagar. A novidade discutida em Washington é a possibilidade de oferecer pacotes variados que combinam versões para computadores, tablets e smartphones.
O jornais brasileiros também estão testando o modelo. A Folha de S. Paulo comemora, em sua edição desta quarta-feira, dia 4, o aumento recorde de audiência no Folha.com. Segundo o jornal paulista, foram 232,8 milhões de páginas vistas em março, o que equivaleria a 19,2 milhões de visitas. O quadro que complementa a reportagem mostra um gráfico com informações sobre o crescimento da leitura online e outro com a circulação dos jornais de papel. Na coluna da direita, com os dados sobre a circulação média diária de jornais, a Folha e o Globo aparecem com números ascendentes, enquanto o Estado de S.Paulo mostra queda acentuada na circulação entre dezembro de 2011 e fevereiro deste ano.
Seria preciso mais informações do que as que são apresentadas pela Folha para analisar o momento da concorrência. Sabe-se que o final do ano passado registrou uma diminuição na circulação de todos os grandes jornais brasileiros, por um conjunto de fatores. Mas os departamentos comerciais das principais empresas de comunicação já detectam uma recuperação entre dezembro e fevereiro, embora ainda não haja dados consistentes para formar uma tendência.
De qualquer maneira, de olho na experiência digital, as empresas já se preparam para oferecer pacotes diferenciados de assinaturas, que provavelmente vão seguir o exemplo dos jornais americanos.
Qualidade versus quantidade
Acontece que os números apresentados até aqui pela Folha.com sofrem grande influência de certas escolhas editoriais que não se relacionam com o conteúdo característico que os leitores costumam buscar nos chamados jornais “de prestígio”.
A principal causa do aumento na audiência da versão digital da Folha se deve ao lançamento de um site de entretenimento chamado F5. E a grande atração do período foi a cobertura do programa Big Brother Brasil, da Globo. Também tiveram grande destaque a morte do humorista Chico Anysio e o acidente no qual se envolveu o jovem Thor, filho do bilionário Eike Batista, que atropelou e matou um ciclista na Rodovia Washington Luís.
O uso de artifícios estranhos ao conteúdo típico de um “jornal de prestígio” precisa ser levado em conta na análise qualitativa da audiência. Ao apostar em factoides e temas circunstancialmente populares, o jornal realmente faz aumentar sua audiência. Mas é preciso questionar a qualidade e equilíbrio desse êxito frente a outros desafios, como o de preservar a proporção ideal de leitores que interessa aos anunciantes, e, portanto, garantem a reputação da marca.
Os factoides são um recurso emprestado da imprensa “popular”, e tanto podem ser sinônimo de boato travestido de notícia como podem ser a notícia cuja importância é exagerada – geralmente pelo reforço de imagens chamativas ou pelo texto retórico e manipulador. Em qualquer caso, um factoide pode sempre ser associado a sensacionalismo.
Na busca por audiência, e usando os recursos imediatos das novas mídias, a chamada imprensa tradicional precisa de estratégias consistentes e coerentes com a reputação que deseja construir ou preservar. O imediatismo das notas distribuídas para smartphones ou tablets não deveria comprometer a prioridade para informações relevantes e conteúdos de maior profundidade.
A imprensa ainda tem um papel social a cumprir e talvez o grande desafio seja ganhar popularidade sem perder qualidade. Por enquanto, números de acesso a curiosidades não podem ser considerados um caso de sucesso.