Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como lemos na era digital

Muita gente já argumentou com elegância contra os livros eletrônicos, inclusive Nicholson Baker, na revista The New Yorker, alguns anos atrás. Baker comparou o Kindle, da Amazon, a um equipamento doméstico de ginástica: “Algo caro que, quando você se compromete com, obriga você a usar mais daquilo porque você começa a se cobrar achando que deveria estar usando mais”.

A melhor defesa que já vi dos livros eletrônicos, no entanto, apareceu recentemente no site da revista The New York Review of Books. O romancista Tim Parks sugeriu que os e-books oferecem “um envolvimento mais austero e direto” com as palavras. Sua persuasiva conclusão: “Esse é um meio para adultos”.

Eu tenho tentado me tornar mais adulto, em termos do meu comprometimento com a leitura em várias plataformas, dos smartphones e e-readers aos tablets e laptops.

É hora de começar a pensar nos melhores usos literários para esses dispositivos. Será que algumas obras são mais adequadas que outras a determinada plataforma? Será que Philip Larkin se sente em casa num iPad, e Lorrie Moore num Kindle? Posso transformar um poema de Kay Ryan em toque de celular?

O smartphone

O smartphone é claramente a maior dádiva da tecnologia recente para a leitura. Andar com um elimina o maior medo de todos: ficar preso em algum lugar sem nada para ler.

A maior parte do que devoro no meu celular é jornalismo: jornais de outras cidades e links enviados por Twitter ou Facebook. Ben Franklin teria gostado desse meio que cabe na mão.

Ele é o pai fundador que disse: “Leiam muito, mas não livros demais”.

A autobiografia de Franklin, aliás, é ideal para ter no telefone. Está em domínio público e é gratuito no Kindle.

Eis outra escolha improvável: os Diários de John Cheever, o mais subestimado livro de não-ficção do século 20. Os textos de Cheever são curtinhos, mas profundos.

São dolorosos, quando não simplesmente cruéis; eles colocam no devido contexto os fatos desgastantes da sua própria vida e talvez até o animem.

Mantenha um ou dois livros no seu iPhone. Periodicamente, levo o maior dos cachorros da minha família para longas caminhadas, e prendo o iPhone no bolso da minha camisa, com o pequeno alto-falante virado pra cima.

Já escutei Herzog, de Saul Bellow, dessa maneira. O método é melhor do que usar fones de ouvido, que bloqueiam o mundo natural.

E-books

Os e-readers, como o Kindle, da Amazon, me parecem os mais intimistas e, portanto, os mais sexy desses dispositivos. Na maioria, o texto não é iluminado por trás, o que chega a causar repulsa. Você fica menos inclinado a trair -ou seja, ler um e-mail ou navegar na internet. Na leitura, como no amor, a fidelidade importa.

Como os e-books não têm capas, os adolescentes podem achar mais fácil consumir os livros que seus pais antes confiscavam. Os pais vão achar que eles estão jogando Angry Birds.

O iPad

O iPad é até agora, para mim, o lugar para ler o tipo de livrão de não-ficção que eu vou provavelmente folhear com atenção em vez de ler -a biografia de Steve Jobs por Walter Isaacson, por exemplo.

Também gosto do fato de alguns desses livros de não-ficção oferecerem notas de rodapé que levam você direto a uma fonte.

Essas fontes às vezes são muito melhores do que o livro que você tem em mãos.

Geralmente há outras coisas inusitadas para clicar. O aplicativo do iPad para On the Road – Pé na Estrada, de Jack Kerouac, por exemplo, contém mapas, linhas do tempo e outras coisas além do texto.

Também os livros de arte -muito dos quais gratuitos- são uma delícia no iPad. A clareza é estonteante, como uma droga visual.

Experimentei a poesia em todas essas plataformas: Larkin, Dickinson, Philip Levine, Amy Clampitt. Não está rolando, pelo menos não para mim. Não há suficiente espaço em branco, nem silêncio.

Além disso, você não pode ler um e-book na banheira. Não pode atirar no gato do outro lado da sala, como Mark Twain gostava de fazer. E e-books não servem para decorar salas.

Escrevendo em 1991 no jornal The Times, Anna Quindlen declarou: “Eu ficaria muito contente se meus filhos se tornassem o tipo de gente que acha que decorar consiste principalmente em construir suficientes estantes de livros “.

Concordo demais. Mas é a mobília mental que importa.

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[Dwight Garner, do New York Times]