Em setembro, quando aqui cheguei para dar continuidade a um doutorado na Universidade de Rennes, a França explodia em brasilidade. O Ano Brasil na França realmente tinha conseguido inserir nosso país na agenda francesa. Brasileiros de todas as áreas do conhecimento, de todos os campos das artes, tiveram oportunidades de se apresentar não só em Paris, mas também nas cidades francesas de pequeno e médio porte. Os números oficiais falam em quase dez milhões de pessoas assistindo às feiras, exposições, shows etc. Conheci grupos musicais como o Trio Viralata, de chorinho (São Paulo) e o Trio Flor de Mandacaru, de forró (Caruaru, PE) que jamais ouvira falar no Brasil. Aqui eles lotaram platéias em cidades como Rennes e Lannion, na Bretanha.
No campo comercial, os perfumes brasileiros ganharam espaço nas principais lojas de departamento. Vitrines eram decoradas com fantasias verdadeiras do carnaval do Rio. Era possivel encontrar refrigerante de guaraná, biscoito sabor brigadeiro, sandálias plásticas que nunca soltam as tiras e até sucos de acerola e outras frutas regionais. Sem falar na cachaça e na farinha de mandioca.
Foi nesta ocasião que conheci Jean-François Pollo, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Políticos de Rennes. JF, como é chamado pelos amigos, aguçou minha mente ao afirmar que o Brasil e o Canadá eram os países com imagem mais simpáticas no imaginário europeu. O Canadá, segundo ele, tem sua imagem associada ao respeito aos direitos humanos. O Brasil à bonheur, que poderíamos traduzir como sendo uma mescla de gentileza, alegria, carinho, inexistência de raiva racial ou religiosa. JF, que conhece o Brasil, desde os cartões postais de Rio de Janeiro e Recife até a Amazônia, onde desceu o rio de Manaus a Belém, destacou que o Brasil não sabe usar este potencial. Na ocasião até pensei que uma campanha massiva de publicidade poderia atrair turistas estrangeiros, lembrando que não há tsunamis, vulcões, terremotos, homens-bombas, confrontos raciais ou religiosos.
No Brasil, ao contrário da Austrália, ninguém apanha na praia por ser de origem árabe. Além disso, para o estrangeiro o turismo no Brasil é muito barato. Pelo preço de uma diária de uma pensão em Paris, sem direito a café da manhã ou banheiro no quarto, paga-se uma diária de hotel de duas ou três estrelas no Brasil.
A brasilidade no espírito francês é vista pelas ruas das cidades. Nos camelôs se vendem bandeiras do Brasil, camisetas piratas da seleção, cintos, toucas – o que se pensar em verde amarelo, existe. O herói nacional é pernambucano. Juninho, artilheiro do Lyon, líder do campeonato francês, é o tireur predileto. O francês já se acostumou inclusive ao sufixo ‘inho’. Aqui na Bretanha, correm para explicar que tem o mesmo significado que ‘ik’, em bretão. Ao assistir num pub o Real Madrid, de Zidane, contra o Barcelona, de Ronaldinho, pude perceber que até mesmo os franceses ficam divididos entre o astro maior deles e o nosso melhor do mundo.
‘Arrancar as calcinhas’
Também nos jornais e TVs percebe-se uma presença mais constante do Brasil no noticiário. Não apenas as crises do mensalão no Congresso, mas também temas do nosso cotidiano, como a transposição do rio São Francisco, o aniversário do Proálcool, a pedra fundamental lançada por Lula e Chávez da refinaria de Pernambuco, o referendo do desarmamento, a seca na Amazônia, entre tantos outros. Ou seja, não é apenas de samba, futebol e violência urbana que o noticiário francês se alimenta atualmente.
Mas esta onda verde-amarela parece estar ficando um pouco desbotada à medida que o Brasil tenta se afirmar internacionalmente. O desbotar seria uma conseqüência dos embates comerciais diplomáticos no cenário internacional. As recentes negociações da rodada de Hong Kong da Organização Mundial do Comércio fortalecem esta análise. Várias reportagens foram feitas.
Como exemplo de vítimas do subsídio à agricultura eram apresentados os plantadores de arroz ou algodão de países africanos, como o Mali e Burkina Faso. A situação desses camponeses é de muita miséria, semelhante à dos nossos nordestinos do semi-árido. Eles eram apresentados como vítimas da política norte-americana de subvenção ao campo. Em seguida mostravam, em cenas aéreas, as grandes fazendas brasileiras de açúcar, arroz e soja. Um detalhe: as entrevistas são rotineiramente gravadas ao lado de helicópteros ou aviões particulares dos agroempresários, e suas luxuosas residências com piscinas são destacadas.
A TV estatal belga, que é conveniada a TV 5 – um canal mundial de apoio à francofonia e custeado pela França, Bélgica, Suiça, Canadá francês e Luxemburgo – chegou a afirmar que o Brasil quer ter o monopólio internacional do açúcar, acabando com os produtores europeus de açúcar de beterraba. O noticiário mostra a ‘fragilidade’ dos produtores rurais franceses, inclusive os plantadores de banana de Guadalupe, região francesa que não conta com muito espaço no noticiário diário. Quem via as três reportagens poderia facilmente concluir que, se a posição brasileira vier a prevalecer, o futuro dos paysants franceses é o mesmo dos de Mali e Burkina Faso: a miséria.
Nos textos, o Brasil – e muito pouco seus parceiros, como a Índia – é rotineiramente apresentado como aliado dos Estados Unidos nesse embate alimentício internacional. Esta associação contamina a imagem brasileira. O ministro Celso Amorim, como porta-voz do G-20, tem sido visto constantemente nos canais franceses. Esta superexposição foi inclusive salientada pelo Le Monde, numa reportagem que afirmava ser a China mais inteligente do que o Brasil ao preferir a negociação de low profile.
Num desses telejornais, a representante francesa junto à OMC chegou a dizer que o Brasil queria ‘arrancar até as calcinhas da França’. Num país um tanto o quanto conservador, pelo menos em suas manifestações públicas, e que vive um desemprego enorme, a expressão ‘arrancar as calcinhas’ no mínimo foi entendida como se o Brasil, como um verdadeiro macho latino, quisesse violentar o pais da fraternidade e da igualdade.
Samba e futebol
Essas notas nos servem para duas reflexões. Em primeiro lugar, o Brasil não tem uma política internacional de comunicação. O país desperdiça o potencial de sua imagem internacional. Não sabe potencializá-la para propiciar novas vendas, novos turistas e uma melhor exposição no cenário das nações.
As embaixadas não têm uma estrutura profissinalizada de comunicação e marketing. Alguns diplomatas assumem apenas o papel de attaché de presse. Não estamos capacitados para uma comunicação pró-ativa. No máximo respondemos às solicitações feitas pela imprensa estrangeira, nem sempre com a presteza necessária.
Falta-nos um marketing competente que aproveite os potenciais nacionais. Por estas bandas, a laranja espanhola vem com a procedência carimbada uma a uma. A banana da Martinica é associada ao êxito em jogos internacionais dos atletas dessa ilha francesa no Caribe. Contudo, jogador brasileiro de futebol promove refrigerante com sobrenome cola. Somos o maior exportador de café, mas café aqui lembra Colômbia.
Nossas embalagens são mal pensadas. Não trazem informações, ou quando as trazem vêm em inglês para consumidores que falam outros idiomas. Não as aproveitamos para fazer marketing. É até mesmo difícil descobrir que são brasileiros o camarão, a manga, o mamão papaia ou o limão verde encontrados na gôndola do supermercado. Quanto mais que veio do Nordeste, onde há pessoas tão necessitadas quanto em Burkina Faso.
O país deveria ter uma política de marketing agressivo, desde as embalagens dos produtos exportados e até mesmo nos veículos que os transportam. As laterais de nossos caminhões, navios e aviões poderiam se transformar em gigantescos outdoors, convidando o estrangeiro a conhecer o Brasil nas próximas férias ou a provar este ou aquele produto.
O Ano Brasil na França acabou. Se não soubermos fazer durar os benefícios que o evento propiciou, logo logo o Brasil voltará a ser apenas samba e futebol. E com uma imprensa européia agressiva, que rivaliza cada vez mais nosso país com os interesses do velho mundo, nem mesmo a imagem de bonheur referida pelo professor Jean-François Pollo vai resistir. De nação simpática, passaremos a conviver com sentimentos semelhantes aos que os Estados Unidos despertam por aqui.
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Jornalista, doutorando em Ciência da Informação e Comunicação no CRAPE – Centre de Recherches sur l’Action politique en Europe da Universidade de Rennes-1, França