O debate Bonner-Lalo revela algumas coisas interessantes sobre o jornalismo de televisão que detém o monopólio na informação nacional. Primeiro, que o editor-chefe decide, por conta própria, o que o espectador médio vai ou não vai entender. Seu método, ao que parece, baseia-se no puro ‘achismo’, construído a partir de preconceitos transmitidos por outros na formação específica dele como jornalista.
Apesar dos tempos hiper-sofisticados da informatização geral da sociedade, a cabeça dos jornalistas que detêm algum tipo de controle do noticiário ainda se forma com base na tradição e nas velhas e desgastadas idéias sobre quem é virtualmente aquele que vê e qual é seu alcance de compreensão. Segundo, o comentário do debate realça que ninguém discute os parâmetros para a elaboração de pautas, que ninguém fala dos critérios de seleção.
Mas, em realidade, nada disso é fixado oficialmente. O que o editor-chefe acha bom, ele o acha por mero senso comum. Ele próprio não passa de um Homer Simpson a avaliar o que os demais Homers Simpson vão achar. Ou seja, a questão é muito mais funda do que parece. Isso porque os jornalistas não partem para o mundo para conhecê-lo, mas já têm seus modelos na cabeça e saem pelo mundo para reconhecê-los e reforçá-los.
E assim se dá também com os entrevistados: são escolhidos exatamente aqueles que melhor ‘representam’ os assuntos. Por isso, o conservadorismo dos jornalistas não é nada que tenha a ver com a política ou a ideologia, isso é coisa ultrapassada. O conservadorismo vem do fato de eles reconstruírem todos os dias o mundo refazendo os conceitos que estão em suas próprias cabeças. Por isso eles obtêm atenção e ibope, porque eles tranqüilizam todo mundo, tanto os Homers que estão em casa quanto os Homers que produzem o próprio telejornal.
Só um pouquinho
Não há programa mais saboroso do que um telejornal, onde tudo se diz e, graças a ele, tudo fica exatamente como está. Quer dizer, tudo é tratado de forma a corresponder às idéias preconcebidas que os jornalistas já têm das coisas.
Em suma, a pergunta pelos ‘critérios da seleção de notícias’ sugere que a gente vá, ao pesquisá-los, poder chegar ‘à verdade’, ao desvendamento do grande segredo. Não há segredo algum. Há, isso sim, a resistência (que não é só de jornalistas, vamos deixar isso claro) de aceitar o novo, o fora do clichê, o estranho; todos temem isso.
Como diz o Daniel Bougnoux, nosso organismo só tolera um pouquinho muito pequenino de novidade, além da qual ele de fecha como uma ostra.
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Professor titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP, doutor em sociologia da comunicação pela Universidade Johann Wolfgang Goethe, de Frankfurt.