Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘As reclamações já vinham havia tempo. Mas aquela foi diferente. Enviada domingo passado por e-mail e assinada por Oscar Strauss Filho, a mensagem resume a irritação de vários leitores: ‘Levantei e esperei a chegada do meu jornal. Desensaquei o exemplar no caminho para a poltrona e de pronto arranquei e amassei aquele abominável meio encarte de propaganda. Infelizmente, a página A15 foi junto, e eu hoje não vou ler o artigo do sr. Josias de Souza’.

O leitor se referia à edição da Folha de domingo, que vinha com a primeira página semicoberta por uma meia capa em papel brilhante com o anúncio de uma nova linha de alimentos para cachorros.

O recurso publicitário não é novo nem exclusivo da Folha. Quase todos os jornais o utilizam, e há bastante tempo. Embora incômodo, o leitor parece ter se acostumado, e são poucas as reclamações, quando é possível descartar o anúncio. Mas, quando a penúltima página do caderno traz reportagens ou coluna, como ocorreu no domingo passado e em várias outras ocasiões, os leitores se irritam. Eles não gostariam de se livrar da página com informações jornalísticas mas, ao mesmo tempo, não conseguem lê-la direito porque lhes escapa. ‘Como é desajeitado manusear o jornal com aquela meia primeira página’, resumiu o leitor.

Antes de dar minha opinião sobre o caso, vou colocar algumas questões que considero importantes para reflexão.

Anúncio é renda. Os jornais têm duas fontes principais de sustentação: a venda de exemplares (em bancas ou através de assinaturas) e a publicidade (venda de anúncios e classificados). Essas receitas se eqüivalem. Se não houvesse publicidade, o preço do jornal seria absurdo.

Há uma disputa muito grande entre os diversos meios de comunicação pelas verbas publicitárias, e os jornais vêm perdendo terreno. Já tiveram uma participação de 28% no bolo publicitário (em 95). No ano passado, o percentual caiu para 18,6%, enquanto as verbas continuam a correr para as televisões, que concentram 60,4%. O resto do bolo está dividido entre revistas, rádios e outros veículos. A fonte é o Projeto Inter-Meios (www.projetointermeios.com.br).

Os jornais têm, portanto, que se mexer. Devem oferecer eficiência (de venda) e criatividade para os seus anunciantes.

Anúncio é informação. Pesquisa da Ipsos-Marplan (www.anj.org.br) encomendada por 16 diários, entre eles a Folha, mostrou que o índice de leitura de anúncios e classificados (74%) só perde para a primeira página (86%) e o noticiário local das cidades (85%).

Realizada em julho de 2003 com 960 pessoas de 11 cidades que haviam lido jornais nos três meses anteriores, a pesquisa mostra que os jornais são mais usados que outros meios na decisão de compras porque permitem a comparação de preços e de características de produtos, principalmente de varejo.

Faz sentido, portanto, que anunciantes de produtos para animais de estimação ou de celulares procurem os jornais e que os jornais se desdobrem para agradá-los.

Mas e o leitor? Ele não recusa inovações ou anúncios criativos. O que o incomoda é qualquer coisa que dificulte a leitura do jornal. Nesses casos, reclama, e com toda a razão. O jornal tem de usar o bom senso nessas horas para conciliar os seus interesses com os dos anunciantes e, principalmente, os dos leitores.

O superintendente da Folha Antonio Manuel Teixeira Mendes explica que em várias ocasiões o jornal vetou a publicação de anúncios que deturpavam o projeto gráfico do jornal ou que atrapalhavam a sua leitura.

Em relação à sobrecapa, a secretária de Redação da Área de Edição da Folha, Suzana Singer, explicou que ‘existe um esforço do setor comercial, a pedido da Redação, para vender todas as páginas que fazem parte da sobrecapa’. Foi o que aconteceu na edição de ontem, que trouxe anúncios de celulares e DVDs.

Teixeira Mendes confirma essa orientação da Redação: ‘A área comercial tem como política tentar colocar anúncios na contracapa e na página interna da sobrecapa, evitando assim problemas. Infelizmente, no domingo não foi possível. Há preocupação em ocupar a contracapa com anúncio’.

O que se deduz dessas explicações é que o jornal deverá continuar a aceitar o anúncio que cobre parcialmente sua capa. E o nosso leitor, espero, voltará a ler a coluna do Josias de Souza.’

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‘O caráter lúdico’, copyright Folha de S. Paulo, 13/6/04

‘Geraldo Leite é publicitário e coordena o Grupo de Mercado da ANJ (Associação Nacional dos Jornais).

Ombudsman – Alguns leitores reclamam do jornal quando sobrepõe um anúncio à sua capa. Eles têm razão?

Geraldo Leite – No momento em que um determinado formato publicitário atrapalha exageradamente a leitura do jornal, acho que os leitores têm razão. Por outro lado, entendo que, entre as funções do jornal, junto com informar, está a de entreter. Mesmo que o jornal seja um meio caracteristicamente informativo, as pessoas se relacionam com ele de várias formas. Tem gente que compra jornal só para saber das últimas notícias, tem gente que compra para saber das atrações de cinema ou para jogar palavras cruzadas. Existe um certo caráter lúdico que considero cabível.

Ombudsman – As reclamações são maiores quando a sobrecapa contém alguma reportagem, o que praticamente impede que seja descartada.

Leite – Quando a peça publicitária repete o título do jornal e anuncia, não tem problema, pois você pode tirá-la e o resto funciona normalmente. Quando ela interfere na leitura, no sentido de que você não consegue ler o jornal como antes, já tem algum problema. Para poder julgar de forma mais precisa, o certo seria ter uma pesquisa com leitores para saber se aquilo incomoda.

Ombudsman – Se a sobrecapa é facilmente descartável, o anúncio não perde a eficácia?

Leite – Não, porque o objetivo naquele momento é atingir as pessoas com determinada informação. Você não precisa atingir e as pessoas guardarem aquele anúncio para sempre. O papel dele era atingir as pessoas com certa mensagem. Se ela atingiu e foi eficiente, o papel está cumprido. Não é o fato de que aquilo foi descartado que não funciona mais.’