Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘No momento mais tenso e emblemático do que a cidade de Fortaleza tem assistido acontecer nos últimos dois meses, a área próxima à Prefeitura, no bairro Aeroporto, transformou-se no dia 3 passado em cenário de uma autêntica praça de guerra. De um lado, guardas municipais e policiais militares agindo em defesa do patrimônio público. Esta parte do conflito parece clara, restando dúvidas apenas quanto ao perfil de quem estava do outro lado. Quem eram os jovens que protestavam? Contra o quê, exatamente? Quem, de fato, os lidera? Tenho alertado a Redação para importância de oferecermos respostas objetivas e claras a estas questões, dificultando a ação de quem esteja infiltrando-se mais interessado em confundir do que em explicar. Considero enganoso se imaginar que apenas do lado dos estudantes existam interessados em tirar proveito político, eleitoral às vezes, da confusão instalada a partir de iniciativa da administração liderada pelo peemedebista Juraci Magalhães de instituir a bilhetagem eletrônica no sistema fortalezense de transportes coletivos. Reconheço complicado o quadro instalado, mas, de outra parte, detecto, acompanhando diariamente a produção que O Povo leva às edições, uma ação pouco eficiente da nossa parte quando se trata de entrar mais fundo na questão, ir atrás de suas motivações, fazer-nos entender porque se chegou a um ponto de enfrentamento no nível que vimos acontecer naquele confuso dia.

Está faltando investigação

O Povo, como a imprensa geral no Ceará, de resto, tem-se dado por satisfeito apenas com o acompanhamento da agenda tocada pelos líderes estudantis. É insuficiente, não ajuda a sociedade a compreender o que está em jogo, o que é que de fato parece ameaçado com a tal portaria da Ettusa que institui o bilhete eletrônico. Em comentários internos, tenho sugerido que o comportamento seja diferente e privilegie uma pauta própria de mais aprofundamento, na qual a busca pelos interesses que movem o debate, a ação e a reação, seja maior do que simplesmente o de acompanhar o que acontece, depois que acontece, para manter os leitores informados. Ou seja, a situação exigiria que o investimento da Redação na investigação fosse maior do que este que tem sido oferecido. É fato, ainda, que esperar qualquer atitude de esclarecimento sincero da Prefeitura parecerá perda de tempo, considerando o histórico de pouco compromisso da atual administração com esta obrigação, que deveria mover seus passos em tais circunstâncias. Ao invés disso, por exemplo, lançou-se nota pública no dia 4 definindo-se como ‘marginais’ os que participaram da ação do dia anterior, acusando-os de para lá terem levado um caminhão carregado de pedras, indicando que o ataque ao prédio onde despacha o Prefeito tinha sido premeditado, enfim, uma boa parte do espaço adquirido nos meios de comunicação com dinheiro que é da coletividade destinou-se a ataques que ninguém sabe ao certo contra quem seja. A nota não diz, as autoridades evitam fazê-lo e os órgãos de comunicação, incluindo O Povo, pouco têm demonstrado interesse de ir atrás de descobrir onde caberia a carapuça. O que não significa dizer, por outro lado, que a cobertura não esteja levando a conclusões sobre culpados e inocentes.

Precisamos traçar nosso roteiro

Fui procurado, na manhã da última segunda-feira, pelo universitário Daniel Fonsêca, integrante do núcleo central do Fórum Estudantil de Lutas, que agrega, segundo ressaltou, cerca de 30 entidades ligadas ao movimento que há chamado a atenção da cidade ultimamente, especialmente pelas manifestações contra a tal portaria. Ele criticou a cobertura geral do O Povo no acompanhamento da crise, desde quando ela se instalou, culminando com a abordagem que demos aos acontecimentos do último dia 3, quando registraram-se os confrontos e a depredação ao prédio onde Juraci atualmente despacha. Parte das queixas considerei procedente e levei ao conhecimento da Redação, especialmente do Núcleo de Cotidiano. Por exemplo, concordo que ainda não conseguimos mostrar quem está à frente do movimento, em nome de quais entidades, o peso que apresentam, enfim, até hoje devemos aos leitores uma cobertura que os ajude a identificar, insisto, o que está por trás do que acontece. As matérias que publicamos foram, na maioria absoluta, pautadas pelos acontecimentos, seguem o roteiro traçado pelos estudantes, ou seus líderes, especialmente os protestos realizados próximo à Câmara Municipal, nas imediações da Reitoria da UFC, defronte à Prefeitura e, mais recentemente, a passeata que tinha como destino a Assembléia. Esta última, pacífica, apesar de um início de confusão posteriormente contornada.

Naquela mesa estavam faltando eles

Para ser justo com O Povo, houve o debate que ocupou duas páginas na edição do dia 5 último. Uma excelente iniciativa, que iria de encontro ao meu entendimento de que erramos ao permanecer apenas a reboque dos estudantes e sua pauta de eventos, não fosse um detalhe que apontei internamente e reforço agora: chamamos um representante dos empresários, um da Ettusa, um vereador e o presidente do Sindivans. Perguntei antes, volto a perguntar: e os estudantes? Pois é, o jornal abriu espaço para uma boa discussão sobre a polêmica portaria, dispôs-se a analisar suas motivações e conseqüências, esquecendo-se, porém, de incluir nela o segmento de onde parte a interpretação que costuma motivar toda a tensão que paralisa a cidade quando leva aos protestos que invadem suas ruas. É legítimo divergir do pensamento dos estudantes, criticá-lo, até, como fez o jornal no seu editorial do dia 4, desde que garantindo-lhes espaço para justificá-lo. Não foi o que fizemos naquele importante momento. A justificativa que recebo da Redação indica que ‘a intenção do evento era eminentemente informativa. Portanto, o fundamental era abrir espaços para Ettusa e os empresários darem respostas às questões que têm sido postas publicamente’. Vê-se, assim, que o pressuposto que deu origem é justo, parece correto, mas a execução terminou comprometida quando se deixou de oferecer cadeira naquela sala a um representante do grupo coletivo que mais fortemente tem sido porta-voz das tais questões que pretendíamos esclarecer. Há, então, um erro de origem comprometendo uma idéia que tinha tudo para determinar um avanço importante no debate, trazendo-o a um espaço onde a reflexão racional parece possível.’