Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pensador por ofício

Faleceu no dia 15 de dezembro, com 91 anos de idade, o discípulo predileto de José Ortega y Gasset – Julián Marías, pai do polêmico romancista Javier Marías.

Também certa polêmica Julián Marías causou ao longo da sua vida. Chegou a ser preso depois da guerra civil espanhola e quase terminou fuzilado. Suas relações com o franquismo nunca foram boas. Embora católico, apostólico, romano (ou por isso mesmo!), não seguia à risca o catecismo político-religioso da ditadura.

Autor de mais de 60 livros, alguns traduzidos no Brasil. O mais conhecido é História da filosofia (Martins Fontes), em que a filosofia da razão vital de Ortega y Gasset surge como contribuição original da Espanha para o pensamento humano.

A Martins Fontes já publicou também Tratado sobre a convivência e A perspectiva cristã. Neste último, o autor apresenta a inovação radical do cristianismo: a consciência de que somos pessoas. Pessoas que correm o risco de serem reduzidas a coisas, clientes ou números. A perspectiva cristã, que ainda precisamos conquistar, segundo o filósofo, oferece uma resposta para as nossas perplexidades. O mais curioso é ver como Marías, sempre coerente com o pensamento orteguiano (não exatamente um pensamento cristão), continuou fiel à perspectiva sobrenatural – filosofia cristã sem alardes.

Gatos pingados

Uma de suas teses principais é a de que a inteligência precisa ter raízes éticas. Ser filósofo é cultivar uma visão responsável. Julián Marías acreditava na filosofia como necessário ofício a serviço da felicidade humana, título de um livro seu editado entre nós, pela Livraria Duas Cidades.

Mais sobre o filósofo? Em 1999 traduzi uma entrevista que ele concedeu ao professor Jean Lauand. Vale a pena ler. Sem falar nos livros em espanhol como o Tratado de lo mejor (sobre ética), Razón de la filosofía (sobre os fundamentos do filosofar), e La educación sentimental, primoroso estudo.

Por falar em educação, Julián Marías via no cinema ‘la gran potencia educadora de nuestro tiempo’, e escreveu vários artigos sobre o tema. Outro dos seus cinco filhos, Miguel Marías, tornou-se cinéfilo especializado.

Nos últimos tempos, Julián Marías alertava para o abandono da filosofia:

‘Até na Alemanha, país com uma interessante trajetória filosófica, perdeu-se a vocação pela filosofia. E é da filosofia que a sociedade contemporânea mais necessita’.

Afirmação ousada. E dizia também:

‘Hoje, nós, filósofos, somos uns quatro gatos pingados, sem a menor importância social.’

******

Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br