‘Dos 160 milhões de dólares que arrecadara, sobraram cerca de 60 milhões.
‘O que faço com esses 60 milhões de dólares, Fernando?’, perguntou Farias ao presidente eleito.
‘Vai administrando o dinheiro’(…)
Em seis meses PC e Collor tiraram mais de 2 milhões de dólares para cobrir as despesas da família e da casa do presidente (…)
Além de nunca ter visto tanto dinheiro na vida, durante a campanha Farias o viu sob as mais variadas formas. Letras de câmbio, ações, cheques ao portador, cheques administrativos, cheques de correntistas inexistentes, dólares em espécie, dólares depositados em contas no exterior, viu de tudo. Tendo os doadores do grande empresariado brasileiro como mestres, Paulo César Farias aprendeu novas maneiras de lavar dinheiro, de mantê-lo escondido no exterior, de montar e gerir um caixa dois. Abriu empresas e contas no Caribe, nos Estados Unidos, na França e na Suíça.
Pag. 294
PC had raked in $ 160 million and had only spent $ 100 million on getting Fernando elected.’What am I going to do with these sixty million dollars, Fernando?’ PC had asked. PC had never seen so much money in his life (…)
‘Manage it’, Fernando told PC of the $ 60 million (…)
He had to manage letters of credit, stocks and shares, cash checks, bank checks, checks from account holders who didn’t exist, bills of exchange, dollars notes, dollars hold in offshore accounts (…) PC managed to manage the money and in the months after the election he paid out $ 2 million of it for Fernando’s personal and family expenses. PC learned a lot from the big industrialists who had given the money – new ways of money laudering, new ways of keeping the money hidden inside Brazil and offshore, refinements in the methodology of keeping paralell accounts. He set up new offshore companies and opened bank accounts in the Caribbean, the United States, France and Switzerland.
Pag. 49
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Os trechos em português estão no livro ‘Notícias do Planalto’, publicado no fim de 1999, no Brasil, pela editora Companhia das Letras. Os em inglês estão num outro livro, ‘A death in Brazil’, ‘Uma morte no Brasil’, lançado, no final do mês passado, na Inglaterra pela Bloomsbury, nos Estados Unidos pela Henry Holt and Company, e na Austrália pela Duffy and Snellgrove.
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Na divisão do dinheiro, Paulo César Farias não esqueceu de si mesmo. Terminou de construir a sua casa na ladeira de São Domingos. Edificada ao lado de uma favela e avaliada em 5 milhões de dólares, a casa é um colosso de concreto aparente. Só a suíte principal tem 50 metros quadrados. A decoração é uma algaravia de estatuetas e oratórios do barroco mineiro, quadros de pintores modernos brasileiros, tapetes persas, enfeites chineses, japoneses e alagoanos, mesas de vidro e de madeira, poltronas estofadas e cadeiras de vime, frisos de alumínio e pisos de mármore. Farias comprou também um novo jato pouco depois da eleição, e outro logo em seguida. Pagou 10,5 milhões de dólares pelos dois.
Pag. 295
The commonality of goods meant there was something for PC in the surplus. He paid himself back the two million from his Panama account. He finished off the the house he was building, a $ 5 million concrete fortress on a hilltop whose interior was done out with priceless baroque religious carvings, contemporary designer kitsch and things PC had picked up on his travels, and whose master bedroom suite took up fifty square meters. PC also spent $ 10,5 million on a couple of jets for himself.
Pag. 51
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O autor de ‘A death in Brazil’ é um australiano chamado Peter Robb. A orelha da edição americana informa que durante os últimos vinte e cinco anos ele morou no Brasil, no sul da Itália e na Austrália. Conta também que Robb é autor de dois outros livros, ‘Meia-noite na Sicília’ e ‘M: o homem que se tornou Caravaggio’. Ambos não foram publicados no Brasil.
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Jorge Bandeira pilotou o jatinho que viajou do Rio para Havana. A bordo estavam Paulo César Farias, Hildeberto Aleluia, Sérgio Andrade e José Maurício Bicalho Dias, também diretor da Andrade Gutierrez (…) Os empreiteiros e Farias foram recebidos por Fidel Castro num jantar. A Andrade Gutierrez queria discutir com o ditador a construção de plataformas marítimas de petróleo em Cuba. Farias queria importar vacinas e acalentava o sonho de construir hotéis em Havana (…) Findo o jantar, o ditador deu de presente a Farias uma caixa de charutos, cada um deles com um selo personalizado onde se lia ‘Don Pablo’ (…) A embaixada cubana em Brasília passou a enviar regularmente caixas de charuto a dois dos homens mais importantes do Brasil: Fernando Collor e Don Pablo.
Pag. 300
In one of his planes PC flew his biggest giver, Sergio Andrade, from Rio to Havana. The Andrade Guttierrez group was interested in building floating oil platforms for Cuba and PC himself wanted to do business with Havana. Fidel Castro took them to dinner and gave PC a box of cigars personalized with the name ‘Don Pablo’ on the band of each. From then on PC received regular supplies of these from the Cuban embassy in Brasilia.
Pag. 51
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Segundo a resenha de ‘Uma morte no Brasil’ do ‘New York Times’, a parte do livro que relata a ascensão e a queda de Fernando Collor é ‘fascinante e reveladora’. O crítico do jornal inglês ‘The Guardian’ escreve que, no livro, ‘a presidência de Collor é retratatada como uma grotesca telenovela de impunidade e luxúria’. Na ‘The Bulletin’, a versão australiana da revista ‘Newsweek, está escrito que Robb faz com que o Brasil apareça ‘emocionantemente vivo’, e que a sua visão do país é ‘individual, forte e inesquecível’. Para a revista que é a bíblia das elites anglo-saxãs, ‘The Economist’, ‘as elites brasileiras ainda estão misturando poder com prazer, como mostra Mr Robb no seu relato da barroca corrupção que cercou Collor’. ‘Uma morte no Brasil’ foi elogiado também pela ‘The New Yorker’, pelo ‘Independent’, por jornais e revistas canadenses, britânicos, americanos e australianos.
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Paulo César Farias visitou o presidente da Petrobras duas vezes e lhe ligou mais de dez para falar sobre o financiamento da Vasp. Dizia: ‘Motta Veiga, você está criando muita dificuldade’ (…) Marcos Coimbra ligou para Motta Veiga (…) ‘há um grande interesse do Planalto para que a privatização da VASP vá em frente’, afirmou (…) PC ligara diversas vezes para o hotel. A mulher do advogado, seguindo a orientação dele, falava que ele estava correndo no Central Park. Irritado, o tesoureiro de Collor disse que Motta Veiga não queria atendê-lo.
Pag. 404
PC called him a dozen times and visited his office twice. ‘You’re creating a lot of difficulties’, PC said. Then Fernando’s chief of cabinet, who was his brother-in-law, rang to express the president’s ‘great interest in the VASP privatization’s go ahead’. On a visit to New York, the head of Petrobras started getting calls from PC at his Park Avenue hotel. He refused to take the calls and his wife told PC he was jogging in Central Park. PC got annoyed.
Pag. 68
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Conheci Peter Robb em 2001, no Rio de Janeiro. Ele me telefonou e marcamos um almoço, na Sexta-Feira Santa, no Albamar, um restaurante simpático, no centro, na beira da baía, que serve bons peixes e um dos piores cafés da cidade. Robb, gordão e careca, chegou com seus dois livros, que me deu de presente. Elogiou ‘Notícias’ e contou que pretendia escrever um livro sobre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Pediu indicações bibliográficas e contatos. Mencionei alguns livros e passei-lhe os telefones do ex e do futuro presidente. Conversamos sobre o Brasil, a Itália e a Austrália. Depois, dei uma folheada nos seus livros, não me interessei e não os li. Nunca mais ouvi falar de Peter Robb.
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Paulo César Cavalcanti de Farias nasceu em 20 de setembro de 1945, em Murici, na Zona da Mata alagoana. O pai, Gilberto Lopes de Farias, coletor da Receita Federal, era um homem simples, apegado ao trabalho e provedor. Saía de manhã cedo e voltava para o jantar. A mãe, Joselita Holanda Cavalcanti de Farias, cuidava dos oito filhos (seis homens e duas mulheres). Muito religiosa, era respeitada na vizinhança, que a chamava de ‘dona Nita’ e pedia a sua ajuda para dirimir desavenças. Fazia a roupa das crianças, obrigava-as a estudar, cozinhava e limpava a casa.
Pag. 284
Paulo Cesar Cavalcanti de Farias was an honest tax man’s son from the interior of Northeast. There were six boys and two girls and PC was the eldest of the eight. He was born in 1945 in the outback of Alagoas. Their father, whom the children respectfully adressed as ‘Collector’, worked all day in the local tax office and their mother made the childrens clothes, kept house and did the cooking. She was deeply religious and helped even poorer neighbors and kept her children’s noses to their school books. At meal times they only spoke with their parent’s permission.
Pag. 70
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No mês passado, li uma resenha favorável de ‘Uma morte no Brasil’ e lembrei de Robb. Fiquei curioso, pensei em comprá-lo, mas semanas depois um amigo avisou que estava me mandando o livro de presente. ‘A death’ chegou com um bilhete do amigo dizendo que tinha dado uma olhada por cima no livro e não seguira em frente porque o considerara ‘idiota’.
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No final dos anos 40, a família, de classe média baixa, mudou-se para Maceió (…) Os meninos dormiam todos juntos no sótão. Ana e Eleuza, as meninas, num quarto só para elas, e Joselita e Gilberto, que os filhos chamavam de Coletor, num quarto no andar térreo. Todos os filhos do casal estudaram no Colégio Marista, a meia hora de caminhada da rua Cristóvão Colombo. Os meninos brincavam numa praça das imediações, jogando futebol e peteca. A família jantava junto (…) As crianças só falavam durante as refeições se os pais autorizassem. Joselita queria que um de seus filhos fosse padre, outro advogado e um terceiro médico, e matriculou o mais velho, Paulo César, no Seminário Regional de Maceió, onde ele aprendeu latim e francês.
Pag. 285
Toward the end of the 1940’s the family moved to the state capital, Maceió. The Farias boys all slept together in the attic of a little house and in the daytime they studied at the Marist Brothers college, half an hour’s walk up the road, and played football in the street. Their mother wanted one of her boys to be a priest, another a lawyer and a third a doctor. When he was nine PC was enrolled in the seminary at Maceió to learn French and Latin and to prepare to serve God.
Pag. 71
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De fato, ‘A death in Brazil’ é idiota. Nele é possível encontrar todos os clichês e caricaturas sobre o Brasil: a terra dos contrastes, a miséria e a concentração de renda, a alegria e a exploração, a classe dominante cúpida e o povo sestroso, os pobres perdidos e os milionários superprotegidos, a sensualidade e a religiosidade, as casas grandes e senzalas contemporâneas, as revoltas súbitas e a pasmaceira habitual, a sensualidade corporal e a frieza da dominação social. Clichês e caricaturas que não avançam um passo na compreensão do país.
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Fez política na faculdade, elegeu-se presidente do Diretório Central dos Estudantes, apoiou o golpe de 1964 e foi o orador na formatura de sua turma. Na eleição indireta para o governo estadual, em 1966, votavam representantes dos estudantes e dos empresários. Em nome dos estudantes, PC votou em Lamenha Filho, primo do pai dele, que quando foi eleito convidou o jovem advogado a ser seu secretário.
Pag. 285
PC began his career as militant of the right. As president’s of the student’s organization, PC was one of the few allowed to vote in the ‘indirect’ election for state governor of Alagoas, the only kind of election the military allowed, and in 1966 he voted for the winning candidate, who was a cousin of his father’s.
Pag. 71
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‘Uma morte no Brasil’ é idiota também na pretensão. Robb mistura Gilberto Freyre com Euclides da Cunha e Machado de Assis. Passeia também por Sergio Buarque de Hollanda e Raymundo Faoro. Como leu mal os livros, faz aproximações forçadas e generalizações imprudentes.
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Defendia causas no interior de Alagoas, recebendo em pagamento caixas de frutas e engradados de galinhas. Comprou um jipe e percorria o estado oferecendo planos de extensão da Companhia Telefônica de Alagoas; ganhava um percentual por aparelho que negociava. Apresentava-se como secretário e amigo do governador Lamenha Filho e vendeu inúmeros aparelhos.
Pag. 285
He did some outback legal work in the criminal area, and was paid for his service in crates of fruit and poultry from his subsistence farmer clients. He started selling telephone lines to drylands settlements on comission for the telephone company and discovered his talent as a salesman. He sold a lot of telephones and started making money. Being know, as PC made sure he always was, as a personal friend of the state governor was a big help in signing up new telephone subscribers as PC worked his way through the towns of the interior.
Pag. 71
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Há no livro um impressionismo ridículo. São páginas e páginas para descrever o dono de um bar no Recife. Longos papos com um garçon. Conversas com motorista de táxi. Descrições abundantes de feijoada, de moqueca, de buchada.
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Foi também disc-jóquei da Rádio Palmares de Alagoas, de propriedade do Arcebispado. A rádio era vizinha da catedral, na praça da Assembléia, ponto de compra e venda de carros usados. O comércio de carros fascinava o disc-jóquei, o que lhe rendeu o apelido de Paulinho Gasolina. Passava boa parte do tempo na praça, negociando automóveis, aceitando relógios em pagamento, se metendo em todo o tipo de rolo. Enquanto comprava e vendia, deixava tocando na rádio uma fita com programas antigos.
Pag. 286
PC used the same talking skills as an announcer on a local radio stadion owned by the church. The studio was just by the cathedral in Maceió, on a square where people bought and sold used cars. PC and used cars were made for each other, and PC snuck away from the microphone to hang around the car mart. He left an old radio program tape playing on an eternal loop in the studio while he went off wheeling and dealing, trading cars for wristwatches. This was when they started calling him Little Paulie Gasoline.
Pag. 71
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O tom dominante de ‘Uma morte no Brasil’ é o da condescendência. A cada página se escuta o suspiro: pobre Brasil, tão belo, com um povo tão legal, e tão violento, tão miserável… Esse tipo de constatação pode colar no exterior, onde o país é desconhecido. Para leitores brasileiros, o livro não tem nenhuma importância. Tudo que ele registra já foi dito e redito. O livro não vale uma resenha, irônica ou destrutiva, pois pertence ao domínio do desimportante, da tolice.
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D. Adelmo Machado, o bispo de Maceió, tirava uma pestana depois do almoço e em seguida trabalhava na catedral, ouvindo a Rádio Palmares. Uma tarde, notou que os programas eram repetitivos e foi ver o que estava acontecendo na emissora. Descobriu o truque de Farias e quis demiti-lo. ‘Não faça isso, D. Adelmo’, disse-lhe PC, que obteve o perdão do bispo e continuou no comércio de automóveis. Montou um consórcio de automóveis e ganhou muito dinheiro.
Pag. 286
The bishop of Maceió turned on Radio Palmares for background music during his snoozes after lunch, and realized after a while that he was hearing the same annoucements and the same music over and over again. PC talked his way out of dismissal, obtained the bishop’s pardon and went on delaing in used cars and working on the radio. Then he went on a serious used car dealership.
Pag. 72
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O livro de Robb transpira indignação com os corruptos, com os que roubam, com os bacanões que exploram impunemente o trabalho alheio. Esse é o único tema que merece um pouco de discussão. Pelo seguinte: como essas copiosas citações comprovam, Robb apresenta como seu o trabalho alheio. No caso, o meu trabalho em ‘Notícias do Planalto’. Com a maior sem-cerimônia, ele copia construções verbais, figuras de linguagem, raciocínios, encadeamentos sintáticos, recursos retóricos, frases e opiniões.
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Quase todos os irmãos Farias trabalharam em uma de suas empresas, e ele os tratava como quaisquer outros funcionários. Chegou a demitir alguns deles, mas a mãe o obrigava a readmiti-los (…) ‘Fecha a matraca e faça como eu estou mandando’, rebatia a mãe (…) Com o auxílio dele, Luís Romero pôde estudar medicina no Rio e completar sua formação na Califórnia.
Pag. 288
PC’s mother made sure he gave jobs to all his siblings, even when he wanted to sack them. ‘Shut your big mouth, Paulo. And do what I’m telling you’, his mother said, and PC did. He put one of his brothers through medical school in Rio and specialization course in California.
Pag. 73
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Se Robb tivesse usado as informações de ‘Notícias’, não haveria problema. Se houvesse parafraseado um ou outro trecho, também não haveria nada demais. Para que a informação circule, livros devem servir de andaime ou ornamento para outros livros. A exploração está em usar, sitematicamente, não só a pesquisa como a própria maneira de expressão de outro livro e outro autor. Sem dar crédito, sem se importar. Como se a cópia, e o abuso do que o outro fez, fossem as coisas mais naturais do mundo.
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O empresário concordou com o encontro. O tesoureiro discorreu sobre o programa do candidato, contou como a campanha estava sendo conduzida, mencionou as dificuldades financeiras para organizá-la e, com sutileza, pediu uma contribuição financeira. Marinho comentou extensamente o que o seu interlocutor dissera, menos o pedido de dinheiro. O coletor de doações voltou ao tema. O dono da Globo respondeu mudando de assunto. Os dois realizaram um sinuoso balé verbal. Simulando que não compreendera a intenção do alagoano, Roberto Marinho venceu a contenda: recusou-se a atender o pedido sem ser explícito na negativa.
Pag. 291
Marinho agreed to see him readily enough, and listened intently as PC held forth on the candidate, the program, the campaign and the heavy costs of the campaign, and indeed Marinho had a great deal to say himself on these matters and offered his opinions generously. But whenever PC wanted to talk about money the conversation seemed to slither away into another channel. From his meeting with one of Brazil’s richest men PC came away empty-handed, without actually having been refused and indeed without having been able to get around to making his request.
Pag. 79
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De maneira explícita, Robb cita uma única vez ‘Notícias’ e seu autor. É apenas uma frase, na seção final do livro, ‘Fontes e Leituras’. Ele escreve o seguinte: ‘Sobre a história mais recente, ‘Notícias do Planalto: A Imprensa e Fernando Collor’, de Mario Sergio Conti, é um relato bastante fluido e completo da rápida ascensão e da queda mais rápida ainda de Fernando, vista pelos jornalistas brasileiros da imprensa e da televisão, dentre os quais o autor não é o último’.
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Foi o primeiro candidato a usar cartazes policrômicos. Chamativos, eles eram pendurados nas paredes de casebres como decoração. Entregou ao eleitorado uma história em quadrinhos, também com capa colorida, contando os sucessos do menino pobre de Rio Largo na capital federal. Distribuiu também calendários, lápis e fotografias com o seu nome. Usou o rádio, jornais e a projeção de filmes ao ar livre.
Pag. 21
Arnon de Mello arrived with a snappy jingle and the state’s first ever election posters in full color; meet and greet and baby kissing in country towns where once candidates went with bullwhips; a comic strip campaign calendars, campaign pencils, signed campaign photos as the loudspeakers belted out the campaign jingle. He was in the papers, he was in the wireless. He ran capaign film shows in the sharp dry open air of the outback towns.
Pag. 101
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Apareço camuflado outras duas vezes em ‘Uma morte no Brasil’. Robb escreve: ‘Nas palavras de alguém do Sudeste que conheceu’ PC, e pouco depois bota nove linhas entre aspas de análise de Paulo César Farias. Esse ‘alguém do Sudeste’ sou eu, e as ‘palavras’ das nove linhas estão em ‘Notícias do Planalto’. Há um motivo para Robb não ter colocado nem meu nome nem o livro. Qual seria ele? Talvez Robb queria ter deixado subentendido que falou com alguém misterioso, que lhe sussurou opiniões exclusivíssimas.
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Percorria povoados do interior distribuindo enxadas, facões e pás em troca de votos. Deixava sempre à vista uma máquina de costura no caminhão que lhe servia de palanque.
Pag. 21
He bought votes with spades, hoes, knives and the promise of the Singer sewing machine which went around with the candidate on the back of the campaign truck.
Pag. 101
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Por que será que Robb se refere a Collor como ‘Fernando’? Só os muto íntimos chamavam o presidente de Fernando. E Robb admite que jamais falou com Collor. Deve ser algum recurso estilístico.
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Arnon, que primara por se ‘apresentar bem’ no Rio, fora arrastado à brutalidade da terra de onde viera. Sua ascensão social estancou.
Pag. 27
The man ‘who had once shone in looking good in Rio was dragged down to the brutality of the land he came from. His social rise was stopped in its tracks’.
Pag. 102
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As frases acima são idênticas. Mas uma parte da em inglês está entre aspas, como se tivesse caído do céu direto no texto de Robb.
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Segundo o noticiário, desconfiado de que a mulher o traía, o usineiro João Lyra, sogro do diretor da ‘Gazeta’, teria instalado um aparelho de escuta clandestina no telefone de Solange, com quem estava casado havia 36 anos, e gravado uma conversa entre ela e o sargento Silva. ‘Vejam só o que a mãe de vocês anda aprontando’, disse o usineiro ao tocar a fita de gravação para a família. Na mesma época em que era acusado de ter mandado matar o sargento, a imprensa contava que João Lyra tinha um caso com uma mulher vinte anos mais nova do que ele, Laura, casada com o seu sobrinho Tadeu Lyra.
Pag. 466
Lyra had put a tap on his wife’s phone because after thirty-six years of marriage he thought she was having an affair. He played the family a recording of her conversation with the sergeant. ‘Just look what your mother’s planning to do’, he told them. The sergeant’s killing caused some indignation locally because João Lyra himself was known to be having an affair of his own at this time with his nephew’s wife, who was twenty years younger than he was.
Pag 104
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Na segunda vez que apareço camuflado é na última página de ‘Uma morte no Brasil’. Robb conta um pouco de nosso almoço no Albamar. Sou apresentado como um ‘velho jornalista astuto’. Ele demonstra não ter entendido um raciocínio que fiz sobre mudanças no Brasil, no qual dei como exemplo o Baile da Ilha Fiscal (que fica perto do Albamar), a proclamação da República, e a manutenção da mesma estutura social do Império na República Velha. Mas isso não importa, não vem ao caso.
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Collor desapareceu duarante quase dois meses. Viajou pela Europa com a mulher, Rosane. Do exterior, promoveu a organização de sua volta a Maceió para que parecesse uma apoteose. Sob um sol do meio-dia de verão nordestino, milhares de pessoas o aguardavam no Aeroporto dos Palmares. Estandartes reproduziam o seu rosto. Bandeiras, faixas, fogos e banda de música o saudavam. Ao se abrir a porta do avião, o eleito surgiu e ergueu o punho direito num gesto de força e vitória. A multidão tomou a pista, houve empurra-empurra, gritos. Collor foi alçado à caçamba de um caminhão transformado em palanque. Esgoelou: ‘Somos todos aqui filhos da esperança’, e a multidão respondeu com berros e aplausos. Ele era o único de terno escuro. Empertigado em seu 1 metro e 84, parecia o mais alto de todos. O mais forte. O atleta. Talvez fosse o único no Palmares capaz de passar num teste para galã de telenovela. Era o branco num mar de morenos, o colonizador entre os nativos.
Pag. 14
He took off with Rosane for a two-month holiday in Europe. He came back in 1987 to a triumphant and carefully orchestrated landing in Alagoas. Bands played, flags waved, fireworks exploded and Fernando spoke from the back of a truck at Maceió airport. The crowd that had been ferried to the airport was dark skinned and short. Fernando was athletic, white and six feet tall, with longuish black hair and a born-to-rule nose. He alone, in the stifling heat of that late summer afternoon in Maceió, wore a suit and tie. ‘All of us here’, he told his listeners, ‘are the children of hope’.
Pag. 145
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O que importa é Robb ter se comportado no seu campo, o do jornalismo e o da literatura, como um tosco larápio, um predador colonial, como um corsário que tem certeza da sua impunidade, para dizer que no Brasil a ladroagem, a exploração e a impunidade imperam. Ele só copiou ‘Notícias’ dezenas de vez porque é um livro brasileiro, escrito num idioma que nos países ricos ninguém conhece.
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O Brasil estava em recessão. O Produto Interno Bruto caíra 4,3% em 1990, subira 1% no ano seguinte, e voltara a cair 0,5% em 1992. Naquele setembro, o desemprego atingia 15% da população economicamente ativa da região metropolitana de São Paulo. A inflação, que Collor prometera derrubar com um tiro, se encontrava acima do patamar dos 20% mensais fazia dezesseis meses. O confisco das contas correntes e das cadernetas de poupança tumultuara a vida da população, e não adiantara nada para melhorar a economia nacional. Em agosto, ocorrera a liberação da última parcela do dinheiro confiscado, mas com uma perda de 30% para a inflação. O presidente dissera que a corrupção acabaria. Nos seus trinta meses de governo, contudo, a imprensa denunciou 290 casos diferentes de corrupção nas esferas federal, estaduais e municipais. Nenhum dos projetos de modernização de Collor fora levado a cabo. O Brasil continuava na mesma: atolado no subdesenvolvimento.
Pag. 664
Ordinary Brazilians had only lately retrieved their much dismissed personal savings and the seizure have done nothing for the economy. For a year and a half inflation had been running at twenty percent a month. ‘Rouba, mas faz’, Brazilians had always said of their more competent politicians. ‘On the take but gets things done’. Fernando had got nothing done. Brazil had been in recession all through his presidency. The gross domestic product had fallen nearly five percent in his first year in office and was still falling. Fifteen percent of the active population of São Paulo – the economic powerhouse of South America, with an economy bigger than Argentina’s – was out of work. Two hundred and ninety cases of corruption in government were reported during Fernando’s presidency. Brazil was sinking deeper into the swamp of underdevelopment.
Pag. 235′
Sérgio Dávila
‘Elogiado livro sobre Brasil sofre acusação de plágio’, copyright Folha de S. Paulo, 21/06/04
‘Há alguns dias, prestigiosas publicações nos EUA, na Europa e na Austrália começaram a soltar resenhas elogiosas sobre um livro com um título instigante, ‘A Death in Brazil’ (uma morte no Brasil), escrito por um jornalista australiano, Peter Robb.
O ‘New York Times Review of Books’, suplemento literário do jornal nova-iorquino, comparou a obra à ‘Divina Comédia’, de Dante Alighieri; já o britânico ‘Guardian’ entregou a resenha nas mãos de Alex Bellos, autor de um best-seller sobre futebol brasileiro; há citação no semanário ‘The Economist’, entre outros.
Todos, sem exceção, recomendam a obra de não-ficção que narra as impressões e aventuras do autor durante suas diversas visitas ao Brasil nos últimos 20 anos, que têm a amarrá-las três fios condutores. O primeiro é a relação do brasileiro com a violência e a morte, cujo primeiro exemplo aparece já no começo do livro, com um vívido relato do assalto que Robb teria sofrido no apartamento em que vivia no Rio.
O segundo analisa a importância da obra de Machado de Assis, Euclydes da Cunha e Gilberto Freyre na formação cultural brasileira. O terceiro reconta, com a visão do estrangeiro, o governo Fernando Collor de Mello e o assassinato de seu ex-tesoureiro, Paulo César Farias, em 1996.
É aí que mora o busílis.
Segundo o jornalista brasileiro Mario Sergio Conti, autor de ‘Noticias do Planalto’ (Companhia das Letras, 1999), quando fala do governo Fernando Collor (1989-1992) e de seu ex-tesoureiro, Paulo César Faria, o australiano plagia diversos trechos de seu livro, que trata das relações de imprensa e poder e já vendeu 80 mil exemplares.
‘As comparações comprovam e recomprovam que Robb roubou, plagiou, copiou e parafraseou dezenas de frases do meu livro’, dispara Conti, em entrevista por e-mail à Folha, de Paris, onde é correspondente da TV Bandeirantes e do site No Mínimo. ‘Será que copiaria e plagiaria um livro que tivesse sido publicado em inglês? Como ‘Notícias’ saiu no Brasil, ele agiu como predador colonial.’
Peter Robb deu duas entrevistas à Folha. Na primeira, por telefone, citou o livro de Conti como uma de suas principais fontes. Na segunda, por e-mail, o australiano afirmou: ‘(as acusações) São ridículas num sentido e muito sérias legalmente falando, e eu seria estúpido se fizesse qualquer comentário público sem saber exatamente do que ele me acusa’.
Quanto às referências, Robb respondeu: ‘Claro que usei ‘Notícias’ como uma fonte de informações factuais sobre o governo Collor. Eu inclusive o cito e recomendo no final de meu livro. Mas também li e utilizei como fonte vários dos mesmos livros que o próprio Mario Sergio Conti leu e utilizou.’
Entre os livros que cita estão ‘Passando a Limpo’, de Pedro Collor, ‘Todos os Sócios do Presidente’, de Gustavo Krieger, Luiz Antonio Novaes e Tales Faria, ‘Os Fantasmas da Casa da Dinda’, de Luciano Suassuna e Luis Costa Pinto, e ‘Morcegos Negros’, de Lucas Figueiredo. Para o advogado Rodrigo Kopke Salinas, responsável pela disciplina de legislação e ética na indústria editorial do curso de editoração da Universidade de São Paulo, a lei de direito autoral brasileiro, de 1998, não traz a definição de plágio, ‘mas sim de contrafação (cópia), que é o uso não-autorizado de obra’.
A reportagem mostrou a Salinas os trechos publicados nessa página para que ele desse uma avaliação. ‘A princípio, parece-me que há realmente muita coincidência entre a tradução para o inglês e o texto original’, respondeu o advogado, por e-mail. ‘Em algumas passagens, parece que há tradução literal e, em outras, a apropriação das informações, mas com um tratamento diferente.’
Se autor e editora acharem que é o caso, o próximo passo é entrar na Justiça nos países em que o livro de Robb foi publicado -até agora, EUA, Reino Unido e Austrália. Conti ainda estuda: ‘Podemos processar e exigir reparações, podemos pedir providências às editoras que o publicaram, podemos informar os jornais que noticiaram o lançamento.’
Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, disse que a editora dará todo o amparo legal caso o brasileiro decida processar, mas que isso será uma decisão pessoal. Procurada pela Folha, a editora de Robb nos EUA, Henry Holt and Company, que lançou originalmente o livro, preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Peter Robb mora em Sidney, na mesma Austrália em que nasceu em 1946 (em Toorak) e deu aulas. Trabalhou como jornalista e viveu um tempo em Nápoles, na Itália. Antes de ‘Death’, escreveu ‘Midnight in Sicily’, sobre o crime organizado na Itália, e ‘M’, biografia do pintor Caravaggio.
Polêmicas envolvendo sua obra não são estranhas, como ele mesmo disse à Folha: ‘Todo livro meu recebeu ameaças de algum lugar. Minha biografia de Caravaggio teve sua credibilidade questionada pelo autor de um livro rival que defendia uma visão conservadora da vida do pintor’.
Seu livro sobre o Brasil começa com a frase ‘Como todo mundo, eu fui para o Brasil para fugir’, mas ao longo de suas 368 páginas seguintes foge do estereótipo do país como um refúgio de criminosos internacionais. Cresce quando narra situações que mostram a memória afetiva que o autor guarda do país, nas saborosas descrições gastronômicas.
Mas força a mão ao narrar os Anos Collor, que ele toma como um paradigma do país e cuja saga permeia todo o livro -a tal morte do título é o assassinato de PC Farias. ‘Meu livro é mais do que esse caso, mas é um caso que me fascinou e que eu acompanhei como se fosse uma telenovela’, disse.
Curiosamente, os dois autores se encontraram. ‘Ele me procurou no Rio’, lembra Conti. ‘Almoçamos juntos na Sexta-Feira Santa de 2001, ele elogiou meu livro, disse que pretendia escrever sobre o Collor e o Lula, pediu ajuda. Passei-lhe o telefone de ambos, recomendei livros e pessoas a conversar, falei para que me procurasse se quisesse mais ajuda. Nunca mais ouvi falar da figura.’
O australiano tem outra memória do encontro. ‘A não ser que ele tenha mudado de idéia desde 2001, Conti acha que Susana Marcolino matou PC e se suicidou porque ele ia deixá-la. Achei essa versão perversa, simplista e grotescamente sentimental e contradita pelos fatos conhecidos.’
A briga está só começando.’