‘‘Para maiores informações, consulte nossa central de atendimento’, recomenda a empresa. O que houve? O cliente teve acesso apenas a informações infanto-juvenis, mirins, pequeninas, médias? Está recebendo ordem de torná-las maiores? É obrigado a consultar, já que a empresa utilizou o verbo consultar no imperativo?
Quem redigiu o aviso acabou por ordenar ao cliente que vá procurar outro funcionário, outro telefone, outro ramal, afinal o que mais fazem é encaminhar o coitado a outro lugar, diferente daquele para o qual se dirigiu. O Brasil moderniza-se, é verdade, mas várias empresas adotaram o método de uma lesma cujo percurso lembrasse a casa onde mora, um caracol.
O caracol deve ser muito importante para os pequenos moluscos gastrópodes, terrestres, pulmonados, cuja concha é espiralada, fina e achatada, na definição dos dicionários. Mas o escritor Arthur Azevedo, na segunda metade do século 19, nos Contos cariocas, comentando o desempenho de uma artista, escreveu: ‘como atriz não prestava para nada; como cantora não valia dois caracóis’.
Pois as idas e vindas a que são submetidos os clientes pelas empresas, principalmente ao telefone, semelham ter a mesma utilidade para eles: não valem dois caracóis. Às vezes o funcionário, contrariando famoso provérbio – errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico -, insiste em errar na companhia das máquinas e nada faz para corrigi-las. Os atendentes conseguem ser ainda piores do que uma gravação que nos imponha apenas as alternativas que lhe foram programadas.
Se o cliente não está satisfeito com o que a empresa informou, naturalmente quer mais informações, precisa de detalhes, de explicações complementares, de instruções adicionais, mas nunca de maiores informações, a menos que deseje que elas venham em letras garrafais. Daí, sim, serão maiores as informações.
Outro erro muito comum na redação das empresas diz respeito ao uso do trema, que muitas delas aboliram por conta própria, transgredindo a gramática, a Constituição de nossa língua. Assim, o cliente, o mutuário, o usuário, o contribuinte ou que outro nome tenha o cidadão, recebe cartas em que é informado de que fique ‘tranquilo’, que apesar das ‘frequentes’ reclamações ultimamente, ele não está sendo tratado como ‘delinquente’, que ‘aguente’ firme, que a empresa não ‘sequestrou’ a língua oficial do Brasil nem fez ‘linguiça’ da gramática.
Pois a empresa fez tudo isso, sim, e certamente por ignorância, não por má vontade, o que dá no mesmo, pois de boas intenções também o inferno empresarial está cheio, ainda que o autor original do provérbio, São Bernardo, não tenha imaginado que as boas intenções em gestos por atacado seriam ainda mais prejudiciais do que no varejo.
O cidadão ficaria tranqüilo, suas reclamações não seriam tão freqüentes, ele jamais seria tratado como delinqüente e agüentaria firme se as empresas em questão não seqüestrassem a língua portuguesa e nem fizessem lingüiça da gramática. Aliás, alguns atendentes, não apenas abolem o trema indispensável, como também o embutem onde não é necessário, criando mais confusão. Assim, dizem ‘qüestão’ e ‘distingüir’, por exemplo, e daqui a pouco dirão ‘sangüe’ e ‘güerra’ também, já que a violência está tomando conta de tudo, inclusive da correção gramatical.
Para alguns equívocos, existem atenuantes, já que são igualmente corretos líquido e líqüido; antiquíssimo e antiqüíssimo; sanguinário e sangüinário. Aliás, em latim, ‘equivocus’, de onde veio nosso equívoco, designa o que tem dois sentidos, que é ambíguo, que causa confusão.
E o poeta Mário Quintana escreveu que um grande equívoco só pode ser um ‘equivoco’. Para muitas empresas, seria um emblema.’
JORNAL DA IMPRENÇA
‘Surprise!!!!!!!!’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 17/06/04
‘O leitor João Carlos Fonseca Júnior escreve para relatar sua perplexidade depois de alguns encontros íntimos com o Orkut, grande sucesso juvenil da Internet, portal de língua inglesa criado por Orkut Buyukkokten, funcionário do Google:
‘Me cadastrei numa boa, apresentado por alguém que conheci num portal brasileiro, e minha caixa postal recebeu verdadeira enxurrada de mensagens de homossexuais do mundo inteiro!!! Trata-se, certamente, de um veículo da comunidade gay internacional. Eu, que sou fanaticamente hetero, até me assustei com a quantidade de veados querendo intimidade comigo. Deviam avisar, não é mesmo? Tem muita gente que não gosta de surpresas!’
Janistraquis ficou impressionado: ‘Considerado, como sou ignorante! Imaginava que o maior movimento abaitolado do mundo fosse a Parada do Orgulho Gay, que tem a prefeita Martha Suplicy como padroeira…’
Vitória suada
Primeira rodada da Eurocopa. Jogavam Espanha X Rússia, quando o craque Sytchev entrou em campo no lugar de Aldonin e o friorento comentarista da inefável Sportv não se conteve:
‘Há uma curiosidade, fulano; esse Sytchev é nascido na Sibéria… quer dizer: frio ele não sente!’
Janistraquis ouviu e comentou: ‘Considerado, o comentarista bateu com as duas, como se diz; ora, curiosidade mesmo é Samuel Wainer ter nascido na Bessarábia e o Conde Drácula na Transilvânia; e a referência ao frio é altamente ociosa, porque a Europa vive escaldante verão e em Portugal faz um calor de derreter os untos…’
(A Espanha suou para ganhar de 1 a 0.)
Namorados
O sempre apaixonado diretor de nossa sucursal cearense, Celsinho Neto, teve mais uma decepção ao ler jornal de Fortaleza:
‘A inexorável marcha do tempo acaba por castigar o ser humano com algumas deficiências. Será que estou confuso das idéias? Comemorei o dia 12 de junho, comercialmente dedicado aos namorados, no sábado, dia que acreditava ser 12 de junho. Mas tomei um susto quando li o jornal O Povo:
‘A noite do Dia dos Namorados não foi nada romântica para parte do público que foi ao show do cantor Fábio Jr., na última sexta-feira, 12 de junho, no Náutico, no bairro Meireles.’
Consultei a dona encrenca, que também ficou surpresa e já propôs que comemorássemos novamente, pois, segundo O Povo, erramos a data.
Choque da pomba!
Saiu no indispensável boletim Jornalistas & Cia.:
Alberto Dines deixa de escrever para as páginas de opinião do Jornal do Brasil (…) Ao se referir ao JB, estendeu a crítica à linha editorial como um todo, mencionando ainda que o nome de Wilson Vasconcelos fora retirado do expediente sem aviso aos leitores (…)
Janistraquis, fã de Wilson desde que o conheceu, em 1964, lamentou:
‘Considerado, o redator do J&C também ficou chocado com o afastamento do mestre; e tamanho foi o choque que em vez de Figueiredo saiu esse Vasconcelos…
Mal escrito
Nosso considerado José Guido Fré, que felizmente está bem empregado, leu este título de 4 x 14 na capa da vetusta centenária (110 anos) A Tribuna, de Santos:
Confira as cerca
de 3.175 vagas
oferecidas no
Sua Chance
O texto da chamada seguia assim:
A Prefeitura de Santos está promovendo um concurso interno com 603 vagas para os professores substitutos da rede municipal interessados em promoção na carreira de Magistério. Confira também outras cinco opções. No total, há 3.175 vagas.
Zefré pulou da cadeira:
‘Cerca de 3.175 vagas?!?!?! Tá mal escrito pra caramba! Sem contar o está promovendo, né mesmo?’.
Infelizmente, é.
Piedoso texto
Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo janelão escancarado foi possível (de telescópio) enxerir-se no ‘Arraiá do Torto’, leu no caderno Cidades do Correio Braziliense de 14 de junho este piedoso texto que estava ajoelhado abaixo do título Antônio das causas impossíveis (Santo Antônio):
‘O italiano Fernando de Bulhões nasceu em 15 de agosto de 1195. Aos cinco anos ele já se dedicava à igreja católica e aos oito passava por sua primeira prova de fé: rezava ajoelhado sobre nos (sic) os degraus da Santa Sé de Lisboa quando o demônio apareceu, em forma de cachorro. O menino espantou a tentação desenhando com o dedo uma cruz no chão da igreja – imagem que permanece até hoje nos degraus da Santa Sé.
Aos 17, Fernando entrou para a ordem franciscana (seguidores de São Francisco), ganhou o nome religioso de Antônio e passou a fazer milagres. (…) Morreu em 13 de junho de 1231 e onze meses depois estava canonizado (santificado).
Exumado 32 anos depois, a língua do santo foi encontrada intacta em meio às cinzas do corpo.’
Roldão, que perdeu a paciência com a Imprensa mas continua a ter fé no Brasil, estranhou:
‘Fernando de Bulhões é mesmo um nome bem italiano… Onde é que ele nasceu? Tão jovem já estava rezando sobre os degraus da Santa Sé, que não fica em Roma mas em Lisboa, segundo o jornal. Milagre mesmo é a língua ter ficado intacta no corpo reduzido a cinzas pelas chamas eternas…’
Janistraquis pede a palavra para blasfemar um pouco: ‘É, Roldão, esse negócio da língua sempre deu o que falar; e talvez aconteça o mesmo com a língua do Roberto Requião.’
Pé no freio
Fábio de Lima, considerado leitor que se mantém firme na pole position da eficiência, identificou autêntico cavalo-de-pau na transmissão do GP de Fórmula 1 do Canadá, no último final de semana:
‘O piloto alemão Michael Schumacher venceu mais uma corrida e muitos comentaristas esportivos falaram que o alemão havia batido um novo recorde, pois tornava-se o ‘primeiro piloto na história a vencer sete vezes a mesma corrida’. Ora, isso é ilógico e impossível!! Eles quiseram dizer, certamente, que Schumacher foi o primeiro piloto na história a vencer sete vezes no mesmo circuito. Cada corrida só tem um vencedor. Estou enganado???
Tá certíssimo, Fábio; certíssimo!
Nota dez
O mais importante texto da semana, que os amigos já leram (ou deveriam ter lido), nasceu da justa indignação desse mestre de todos nós que é Alberto Dines:
VITÓRIA DOS GAROTINHOS – 1
O JB e a ideologia do cala-a-boca
Alberto Dines
‘Não posso aceitar, contudo, as pesadas acusações feitas ao JB no qual você publica artigos todas as semanas e é pago por isso. Se estava incomodado com o Jornal do Brasil de hoje deveria ter interrompido sua colaboração há muito tempo…’
Este é o fecho do e-mail de José Antônio do Nascimento Brito ordenado por Nelson Tanure, comunicando a suspensão da colaboração deste Observador no Jornal do Brasil [leia aqui íntegra da mensagem]. É, na realidade, o extrato de uma abominável ideologia na qual se assenta a maioria das ações de lesa-imprensa do panorama atual.
Esta ideologia baseia-se na falácia de que o jornalista profissional não tem compromissos morais. Ao aceitar um salário, desliga a sua consciência e despluga o seu senso crítico. Ao trabalhar e ganhar, perde o direito de exercer o seu discernimento. Proibido de cogitar e existir, abdica da sua humanidade. Deixa de ser, não é. A remuneração, no lugar de converter-se num processo de troca e aperfeiçoamento, assume-se como odiosa, desumana e degradante servidão.
Errei, sim!
‘FAMOSO QUEM?!?!? – Habituado aos mistérios da Baixada Fluminense, O Globo perpetrou este título: Autor famoso é processado. Janistraquis leu, releu, remoeu e, finalmente, desabafou: ‘Considerado, se o autor é famoso, por que cargas d’água não botaram o nome dele no título?’. Procede. Afinal, o nome do processado é curto, bom para título: Stephen King.’ (março de 1990)’