Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Etienne Jacintho

‘Você pode não conhecer Carson Kressler, mas nos Estados Unidos, esse loiro que tem um ótimo corte de cabelos e bom gosto para se vestir, é um sucesso. Simpático e divertido, Carson seria o sonho de consumo de dez entre dez mulheres se não fosse um detalhe: ele é gay. Apesar disso, tudo o que ele fala vira lei para os homens heterossexuais que querem passar de sapo para príncipe encantado.

Carson faz parte dos Fab 5, o quinteto do show de transformação Queer Eye for the Straight Guy, exibido no Brasil pelo canal Sony. Nos Estados Unidos, o programa da Bravo! (canal por assinatura) é um fenômeno de audiência. Os livros com dicas de moda, beleza, comportamento, decoração e gastronomia dos gays que compõem o show são best sellers. Os produtos que eles anunciam somem das lojas no dia seguinte à exibição.

O líder dos Fab 5 e especialista em moda conversou com o Estado por telefone e falou sobre sua vida, sua compulsão por compras e contou o segredo do sucesso de Queer Eye. Ao final, agradeceu ao público: ‘Obrigada!’.

Estado – Na sua opinião, os homens heterossexuais não entendem nada de moda ou eles estão melhorando?

Carson – Acho que eles não foram educados para a moda porque não era apropriado ou legal se importar com o que vestiam, com a aparência ou como a casa deles estava decorada. Mas os eventos que ocorreram na nossa cultura, como a coisa do metrossexual, anunciaram que é O.K. se preocupar. Acho que, com as informações que estão aí, eles podem pegar o jeito.

Estado – Você acha que antigamente os homens tinham medo de admitir que estavam preocupados com moda?

Carson – Uma das coisas que o nosso show está fazendo – e todo o movimento metrossexual – é mostrar ao hetero que arrumar o seu cabelo não o torna gay, mas arrumar o cabelo dos outros já é outra história (risos)! Acho que nosso show dá permissão para que eles se importem com a aparência com mais liberdade e faz com que eles curtam todo o processo – coisa que os gays têm feito há tempos.

Estado – Os heteros que passam pelo ‘Queer Eye’ continuam seguindo os seus conselhos?

Carson – No final da última temporada, fizemos um encontro com os heteros e foi surpreendente (o canal Sony já exibiu o episódio). Quase todos os caras continuaram seguindo as regras e alguns até deram passos a mais: foram às compras sozinhos, decoraram a casa…

Estado – Qual o segredo do sucesso do seu show?

Carson – Acho que tem algo a ver com o meu cabelo (risos)! Brincadeira. O grande sucesso é que ele é diferente dos outros shows de transformação. Não é superficial e todo episódio é como um minifilme sobre um hetero e sua história – porque ele nunca decorou sua casa nem foi às compras ou nunca assistiu a uma peça na Broadway. Isso torna o programa interessante porque o público quer saber o que se passa com esse cara. E é um programa positivo, diferentemente de outros shows. Quando conhecemos o hetero, torcemos por ele e tentamos apoiá-lo… O público responde a isso.

Estado – Você poderia fazer um ranking das cinco celebridades mais bem vestidas?

Carson – David Beckham tem um gosto incrível. Puff Daddy é muito legal.

Adrien Brody gosta de roupas e se diverte. Quem você acha que se veste bem?

Estado – Johnny Depp?

Carson – Johnny Depp é incrível. Essa foi uma boa dica. Muita gente o critica, mas acho que isso é o legal. Ele se arrisca e fica ótimo. Mas falta um. Vou pensar e quando lembrar aviso.

Estado – Você é sempre tão divertido como no programa?

Carson – Sou muito sortudo! Tenho o melhor emprego do mundo. Posso sair fazendo compras com o cartão de crédito de outra pessoa (risos). Isso faz qualquer pessoa feliz!

Estado – Qual é sua paixão, além da moda?

Carson – Tenho um cavalo que eu amo e a gente compete nos EUA e em outros países.

Estado – Você encontra tempo para competir?

Carson – Quando eu não estou fazendo compras… Ah, tenho outro metrossexual para você: Hugh Jackman.

Estado – Com que freqüência você faz compras?

Carson – Todos os dias, mas tento me controlar para não gastar todo o meu dinheiro e também, como moro em Nova York, meu apartamento é pequeno, então, não quero ter mais sapatos do que espaço. Teria de guardá-los no forno (risos)!

Estado – Qual foi sua última aquisição?

Carson – Um amigo meu foi para o Brasil e me trouxe um par de Havaianas que eu amo.

Estado – Quando você viaja, gasta mais tempo passeando ou fazendo compras?

Carson – Fazendo compras. Esse é o meu turismo…

Estado – As pessoas o abordam para tirar dúvidas sobre moda?

Carson – Estava no Canadá e um homem perguntou: ‘Ei, você não é aquele cara do show? O que você acha deste terno?’ Isso é muito legal porque a gente passa confiança para a audiência. Eu sou praticamente a madre Teresa da moda (risos)!

Estado – Qual foi o maior absurdo que você já ouviu?

Carson – Uma mulher heterossexual me perguntou: ‘Você tem certeza de que é gay?’’



TV, INFÂNCIA & JUVENTUDE
Etienne Jacintho

‘Jovem não tem espaço para se expressar na TV’, copyright O Estado de S. Paulo, 20/06/04

‘A Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi) analisou, entre 2002 e 2003, dez programas voltados ao público adolescente. Os resultados da pesquisa foram divulgados este ano e resultaram no livro Remoto Controle (Ed. Cortez, 336 págs., R$ 33). Entre as atrações analisadas, apenas metade delas continua no ar: Altas Horas e Malhação (Globo), Atitude.com (TVE-Rio), Buzzina e Meninas Veneno (MTV). Isso prova que é difícil fazer um programa para o público jovem sem esbarrar em entraves publicitários ou de audiência.

Das atrações que foram extintas, poucas foram substituídas nas emissoras. É o caso do Sobcontrole (Band), do Intim@ção (Rede Vida) e do Interligado Games (Rede TV!). O cancelamento desses programas deixou um ‘buraco’ no cardápio para jovens na TV. Já a TV Cultura parou de exibir o Fazendo Escola, mas colocou em seu lugar a ficção Galera; e o Canal Futura perdeu o Sexualidade, Prazer em Conhecer e ganhou duas atrações comandadas por Jairo Bouer, o Tá na Roda e o Ao Ponto. O Multishow estreou a faixa Mandou bem.

Apesar de o público jovem ser um consumidor voraz de TV, o número de atrações para esse telespectador é muito pequeno. Na TV aberta, somente a Globo e as Redes Públicas como a Cultura e a TVE têm essa preocupação. Nas outras emissoras, esse público fica diluído em atrações que não são feitas especialmente para ele. ‘A TV aberta tem objetivo de atingir audiência’, afirma o apresentador Cazé, que passou pela Globo, voltou para a MTV – aberta, porém segmentada – e hoje comanda o Buzzina, programa de debates para jovens com interação por vídeo, telefone e internet.

Para Jairo Bouer, que sempre pleiteou um programa de debates para jovens na TV aberta, essa luta por audiência é bem nítida. ‘É mais caro produzir uma atração para esse público tão específico para ter um ibope parecido com o de outros projetos mais baratos como desenhos ou filmes’, fala o apresentador do Canal Futura. ‘Sempre ouço o mesmo argumento de que fórmulas como o RG, o Turma da Cultura e o Sociedade Anônima (todos extintos) estão esgotadas.’

Voz – A interatividade é um dos elementos essenciais em uma atração para jovens para garantir identificação com o target e a qualidade de uma atração. Além do Buzzina, o Meninas Veneno, o Altas Horas, o Tá na Roda e o Ao Ponto possuem essa característica. ‘Esses programas dão voz a esse público e têm isso como mérito’, diz o pesquisador Veet Vivarta, da Andi.

Vivarta também comenta que é importante ter, à frente das atrações, profissionais que falem a língua do jovem. E isso ainda é raro. ‘O SBT, quando perdeu o Serginho (Groissman) para a Globo, foi o antiexemplo disso’, explica. ‘A emissora colocou em seu lugar pessoas que não sabiam lidar com o público, como a Marcia Goldschmidt. E deu errado, é claro.’

Para Serginho Groissman, o segredo do sucesso com os jovens é não dizer ‘faça isso, faça aquilo’ e sim servir como mediador para a troca de idéias e experiências. ‘Não oriento, administro’, diz o apresentador. Jairo Bouer concorda. ‘É o adolescente quem entrevista e debate. Só faço a mediação’, fala o psiquiatra.

Sexo, drogas e rock n’ roll – Vivarta conta que a grande surpresa da pesquisa foi perceber que os espaços para debates de adolescentes abordam questões que vão muito além do sexo, drogas e rock n’ roll. ‘É importante que o jovem faça uma reflexão do que é a sociedade’, comenta Groissman. Foi por essa necessidade que surgiu o Buzzina. ‘Com o sucesso da série Tome Conta do Brasil, sobre política, vimos que era possível abordar temas sérios de forma leve’, conta a diretora de Núcleo da MTV, Raquel Afonso.

Na ficção, a regra também vale. Malhação e Galera tentam falar com o adolescente de forma divertida, porém responsável. Geram identificação com o público não por abrir diálogo direto, mas por meio da criação de personagens que podem existir na vida real. A conexão se dá com a exposição de temas pertinentes aos jovens e com ‘conselhos’ inseridos na trama: o merchandising social. ‘Utilizamos todos os tipos de merchandisings que temos certeza de que irão contribuir para formar pessoas melhores como reciclagem, camisinha, etc.’, explica o autor de Malhação Ricardo Hofstetter.

Já o trunfo do Galera é a proximidade com o universo dos adolescentes. A série foi gravada em uma escola pública real e o autor Beto de Moraes pesquisou muito o universo adolescente. Também abriu espaço para ouvir a opinião dos atores da atração e ficou ligado em conversas de jovens. Além disso teve a consultoria de Jairo Bouer. ‘O grande desafio é fazer com que a ficção pareça real e não se deixar levar pela aparente simplicidade do assunto’, fala Moraes. O diretor da série, Jeremias Moreira, conta que a equipe procurou unir diferentes linguagens visuais e usar base documental.

Opções – Debate ou ficção, não importa. O fato é que a TV ainda é carente de atrações para os adolescentes. Raquel Afonso acredita que a TV comercial deveria investir mais em jovens sem pensar muito em ibope, opinião que reflete o pensamento de Vivarta, de Bouer e de Beto de Moraes. ‘Acho que deveria haver espaços sem tanto comprometimento com a audiência. Um programa que faz a pessoa pensar já ganha pontos, não em audiência, mas em confiabilidade’, comenta Raquel.’



FAMA
Leila Reis

‘‘Fama’ não passa de um karaokê refinado’, copyright O Estado de S. Paulo, 20/06/04

‘Será que se Chico Buarque, que completa 60 anos, participasse do Fama seria revelado como o grande astro da MPB que é hoje? É bem provável que não. Porque a conjuntura, o clima, o Brasil é outro.

Naquele tempo em que o País parava para ver a banda passar, a TV – estalando de nova – tornou-se o grande canal para levar às massas o talento de uma trupe de jovens que tocava em bares e festivais estudantis.

Descendente direta do rádio, a televisão considerava a música filha legítima de sua programação antes mesmo da nação cair de amor pelas telenovelas.

E o universo do show biz nacional, ainda incipiente, andava carente de renovação. Nesse contexto, emissoras – Excelsior, Record, Tupi – gastaram os tubos na contratação das melhores vozes do rádio e, nos anos 60, descobriram o filão dos festivais.

Manoel Carlos e Carlos Manga, ambos ainda militantes ativos do Departamento de Dramaturgia da Globo, abriram portas para artistas que até hoje representam o melhor da MPB: Elis Regina, Nara Leão, Chico, Gilberto Gil, Caetano, Gal, Milton Nascimento, Bethânia, João Gilberto, Edu Lobo, Rita Lee e muitos mais. Essa safra revelou talentos vocais, mas também renovou o gênero, ousou, quebrou paradigmas, transformou a música brasileira.

Se esses artistas, em começo de carreira, se candidatassem ao Fama certamente seriam descartados por causa da, digamos, originalidade.

A idéia de abrir as portas para a manifestação do talento nativo é muito boa. O problema é a formatação. A peneira dos realizadores do programa da Globo só retém clones de ídolos consagrados.

Ao que parece, os concorrentes já chegam viciados nos timbres, trejeitos, entonações de cantores dos quais copiam o repertório. Pior ainda, são trabalhados pelos experts contratados pela produção para se esmerar em suas fantasias. Assim, há três edições, Fama provoca a sensação no telespectador de estar na platéia de um refinadíssimo karaokê. Os candidatos são esforçados simulacros de Gal, Elis, Marina, Ivete Sangalo, Gilberto Gil, Djavan, Beto Guedes, Paralamas do Sucesso, sertanejos, Tim Maia, etc.

Claro que a culpa não é dos aspirantes ao sucesso, mas das cartas marcadas com as quais têm que jogar. Na academia montada pela Globo há lugar para o jovem, mas não para o novo. Na concepção de seus artífices, o público só vai se identificar com o que conhece bem. E vai torcer não pelo imitador, mas pelo imitado.

Nos flashes exibidos durante a semana passada, o povo na rua votou em quem devia sair e ficar no programa. Um homem defendeu Tiago porque é fã de carteirinha de música sertaneja.

Buscar o apoio da audiência pelo lado aparentemente mais fácil é bobagem.

Porque, apesar de não parecer, o público percebe a intenção. Assim não o fosse, ele seria arrebatado incondicionalmente. A estréia da primeira edição do Fama (em abril de 2002) registrou 28 pontos de média (Grande São Paulo), a segunda, parou nos 16 e a atual não passou de 17. Não surpreende o fato dos dois vencedores das edições passadas voltarem para os braços do anonimato menos de um ano depois.

Como já foi escrito nesta coluna, falta música na TV. Mesmo com toda artificialidade, Fama é uma boa idéia que deveria ser melhor trabalhada. Se os produtores perdessem o medo de ousar, talvez encontrassem talentos menos fabricados. E agradassem mais ao público que tanto têm medo de afugentar.’