Já se passaram alguns meses desde que as direções do New York Times e do Washington Post circularam memorandos internos pedindo que os repórteres usassem menos fontes anônimas em suas matérias. Na semana passada, o ombudsman do NY Times, Daniel Okrent (veja remissão abaixo), citou em sua coluna o estudo de um mestrando da Universidade de Nova York mostrando que a ordem da chefia não foi muito levada a sério pela redação. Pesquisa semelhante aplicada por Erik Wemple, do Washington City Paper, aos textos do Post, teve resultado semelhante. Wemple concluiu que os repórteres do jornalão de Washington usam a recomendação dos editores de contextualizar melhor os informantes anônimos para transformar suas não-identificadas ‘fontes’ em ‘fontes familiares com’ o tema sobre o qual escrevem.
Em artigo na revista de internet Slate [15/6/04], o jornalista Jack Shafer analisa o que motiva o excesso de citações anônimas no jornalismo americano. O problema começa pela escassez de informantes que se dispõem a falar on the record e a abundância de repórteres que se sujeitam a publicar qualquer coisa com o compromisso de manter sigilo de fonte. Se um jornalista exigir que seu entrevistado permita que seu nome seja publicado, este pode facilmente procurar um outro veículo de comunicações que aceite suas condições de anonimato.
Mas também há profissionais que preferem as fontes anônimas, seja por preguiça ou por acreditarem que elas têm as melhores informações. A crença – correta, na opinião de Shafer – de que quase todas as coletivas, discursos, releases e apresentações oficiais de pessoas que se identificam publicamente são vazios ou mentirosos se encaixa com a idéia equivocada de que toda informação passada em anonimato, nos bastidores, é boa e verdadeira. ‘Talvez, se os funcionários do governo falassem mais honestamente on the record, haveria menos demanda por comentários anônimos’, escreve.
Segundo Shafer, a ‘proliferação do anonimato reflete o quanto o jornalismo de Washington virou uma colaboração entre os meios de comunicação e as fontes oficiais’. Ele cita como exemplo dessa colaboração a prática de órgãos públicos, como o Pentágono, de fazer ‘coletivas de bastidores’. Horas antes de alguma autoridade anunciar alguma medida ou plano importante, um funcionário subordinado reúne jornalistas e explica, em linhas gerais, o que será tornado público mais tarde por aquela figura que representa, mas em condição de anonimato. Os repórteres têm de se comprometer a não mencionar seu nome e a não noticiarem a novidade antes do horário determinado pelo governo.
Para os jornalistas isso é muito cômodo: quando chegam à coletiva da autoridade, já estão por dentro do assunto que será tratado e ninguém ali vai furar ninguém, já que todos receberam a notícia ao mesmo tempo. Para o governo, por outro lado, essa relação é ainda mais vantajosa, pois assim ele assume o controle do fluxo de informação e não tem a surpresa de ver algo publicado antes do que gostaria.