‘Na edição do último dia 11, Fábio Campos, que assina a coluna Política, propôs-se a abrir um ‘debate sem pedradas’ com a sociedade sobre o movimento estudantil e algumas das causas que o tem feito tomar as ruas de Fortaleza. Ali expôs sua visão crítica em relação a alguns benefícios garantidos aos estudantes, especialmente a meia entrada nos eventos culturais e a meia passagem nos transportes coletivos. Sua exposição suscitou reações contrárias, algumas iradas. Às iradas dou o tratamento de desprezo que merecem. Vou analisar o que me chegou como contraponto equilibrado do que externou o colunista. Os leitores Plínio Régis Baima de Almeida, Roberta Laena Costa Jucá e Paulo Roberto Clementino Queiróz, encaminharam mensagens eletrônicas nas quais demonstram suas discordâncias com o ponto de vista do colunista, havendo nelas, como ponto comum, a análise de que é equivocado, de que é equivocado vincular o movimento atual a luta que tenta fazer cumprir no Ceará a lei 12.302/94, que garante a meia nos eventos culturais. Segundo eles, o único objetivo que os move é exigir o respeito à legalidade.
Nem sempre o povo quer só comida
Paulo Roberto Clementino Queiróz, que testemunho ser um vigilante cobrador da meia cultural, define a luta do movimento ao qual se integra como ‘laico, não politiqueiro’. Segundo ele, o que se quer é, o que não parece muito, ‘o respeito a um direito adquirido há mais de 10 anos no Ceará e há mais de 15 no município de Fortaleza, ambos através de leis votadas e aprovadas na Assembléia e Câmara de Vereadores, respectivamente’. Quanto ao argumento de que o benefício pode responder pelos preços inacessíveis praticados por boa parte dos eventos em Fortaleza, o leitor considera não proceder, lembrando que basta recorrer às páginas do próprio O Povo, ‘no caderno Vida & Arte, para observar que a maioria dos eventos na cidade não respeita este direito. Portanto, se os preços estão altos deve-se a outro motivo, menos por conta da meia’. Roberta Laena tem o mesmo tom de indignação, especialmente com a decisão do colunista de colocar as duas lutas dentro de uma mesma perspectiva. ‘Se não é nobre lutar para que um direito constitucionalmente assegurado seja respeitado, o que seria nobre então?´ indaga. Plinio Régis segue a mesma linha dos anteriores, reclama que a análise, com a qual diz concordar nos alertas sobre prostituição infantil, sobre fome, miséria que avança…, apresenta ‘viés preconceituoso, tendencioso e por demais rudimentar’.
O colunista reafirma e argumenta
Da resposta que me encaminhou Fábio Campos, após comunicado de que o assunto seria trazido à coluna, junto com anexos dos três textos de leitores que aproveitaria, extrai os trechos que publico a seguir, na íntegra. É uma reafirmação, com um pouco mais de conteúdo argumentativo, daquilo que ele já apresentara ao leitor no dia 11:
‘Guálter, o X da questão é o seguinte: quem financia a meia entrada ou a meia passagem? Será que é o empresário ou o trabalhador que paga a inteira? Quanto representa o peso da `meia´ no preço final da passagem inteira (a planilha é pública). Quando um empresário promove um show do Xitãozinho e Xororó, essa grande manifestação cultural, ele monta o preço do ingresso inteiro fazendo uma previsão de que X por cento será de meia. Então, ele, o produtor, não perde nada e o ingresso apenas fica mais caro’…
‘Guálter, já viajei por outros países. Terras que são referência em educação. Nunca vi esse absurdo da meia entrada no show business. Confunde-se o negócio do entretenimento com `manifestação cultural´. Meu Deus, a gastronomia é uma das mais importantes manifestações culturais de um povo, pelo raciocínio da lei da `meia cultural´ o estudante deveria pagar meia no restaurante. Não questiono o cumprimento da lei. Essa deve ser cumprida. Eu questiono o conteúdo da lei…´.
‘Guálter, em países mais modernos o Estado é quem cuida da educação. Escola de qualidade, transporte gratuito são deveres do Estado. As necessidades educacionais e culturais do estudante são subsidiadas pelo Poder Público. Sua refeição é custeada pelo Estado, seus livros, a entrada em museus, há eventos específicos para estudantes. Agora, o negócio do entretenimento é outra coisa. É um negócio como outro qualquer. Quanto à meia passagem, defendi com muita clareza na Coluna que sou a favor da passagem de graça para o estudante. Com farda escolar ele deveria andar de graça em ônibus e trens…´.
‘Guálter, sou a favor da seguinte lei: `Toda lei que criar um benefício, uma gratuidade ou privilégio para uma categoria social deve ser acompanhada da equação mostrando quem paga a conta´ ´.
Nos falta a tal modernidade
Os tópicos anteriores expõem, de maneira mais direta, os pontos de vista contrários que movem o debate. Na perspectiva que vislumbro, o que incomoda na forma como a questão é tratada dentro do espaço da Coluna Política é a insistência comparativa com a realidade de países modernos. O Brasil não é um País moderno, muito menos referência em educação, para infelicidade de estudantes que precisam correr atrás de políticas compensatórias, algumas até, desgraça das desgraças, como meio de mantê-los em salas de aula. A referência é importante, os conhecimentos que as viagens ao exterior permitem são necessários, às vezes, desde que mantida a compreensão de que existe uma realidade local, de fundamentais locais, determinando o foco das análises que fizermos. Ou seja, precisa-se manter no centro a realidade com a qual o nosso leitor se defronta ao sair de casa, deslocar-se para o trabalho, passear, visitar a casa da mãe… Para cada luta existe seu foro e seu momento, ou seja, a parcela de responsabilidade que cabe ao movimento estudantil no esforço pelo restabelecimento de uma cidadania perdida, concordo com o colunista, é expressiva. No entanto, atribuir aos estudantes ou àqueles que eventualmente se dizem seus líderes, culpa maior do que a que lhes cabe pelo cenário real hoje existente de crise e explorações as mais diversas, sujeita quem o fizer a uma reação no nível da observada quanto à Coluna Política do último dia 11. Descontadas, claro, as ‘pedradas’ na forma de ameaças, em relação às quais tem Fábio Campos toda minha solidariedade e, acredito, de quem atendeu seu chamamento ao debate de idéias.’