Do recente caso da propaganda mentirosa sobre programa governamental produzida pelo publicitário Duda Mendonça extraio um trecho de nota assinada pelo publicitário em questão:
‘As informações apresentadas no comercial são rigorosamente verdadeiras. O programa verdadeiramente existe. Os números citados, também. Em nenhum momento, é dito que aquela propriedade específica foi beneficiada ou que seus trabalhadores integravam o programa’.
A saber, por ‘informação’ o publicitário em tela considera exclusivamente a informação verbal expressa num texto com vírgulas, pontos e parágrafos – se é que se pode falar nisso num texto lido por um locutor. A circunstância de imagens associadas a um texto não terem relação objetiva com aquele texto não pode ser tomado, diz o sr. Duda, como mentira.
Confesso que fiquei perplexo ao ler admissão tão franca por parte desse ícone da mercadologia pátria. É evidente que o fato de o sr. Duda emitir ‘esclarecimento’ vazado em termos escorregadios não constitui, em si, surpresa. Qualquer um que leve a sério o que dizem os publicitários deveria ter a cabeça examinada. O que não é comum é a auto-incriminação. Significa que, por injunção direta e explícita do autor, estamos daqui por diante justificados a considerar todas e quaisquer manifestações de sua lavra como provavelmente mentirosas, a começar do ‘esclarecimento’ a propósito da peça agrícola.
É também interessante observar que a operação ‘esclarecimento do Duda’ visou desviar a responsabilidade pela mentira veiculada dos ombros do anunciante, depositando-a nos do publicitário. Se fosse uma empresa comercial, o expediente não teria chance alguma de emplacar. A responsabilidade, evidentemente, cabe a quem quer que tenha aprovado o anúncio, lá no Palácio do Planalto.
Imagino que também deve ter sido criação do sr. Duda o reclame, veiculado há alguns meses, em que uma senhora atarracha a um soquete uma lâmpada que se acende, sob o texto ‘A luz chegou’, ou algo idêntico. Tratava-se de um programa do governo destinado a levar energia elétrica a populações hoje sem ela – num prazo de cinco anos! Ou seja, ainda não chegou luz nenhuma a lugar nenhum, de forma que a senhora que atarrachava a lâmpada talvez executasse um ato semiótico exercido sobre enteléquias etéreas, com implicações virtuais sobre o imaginário do público, mas nunca um exercício ilustrativo de alguma materialidade empiricamente constatável (também sei ser complicado, o que é que estão pensando?). Erraríamos, contudo, se neste caso considerássemos que mentirosa era não apenas a imagem, mas também o título do reclame. Decerto argumentará o sr. Duda que, da mesma forma que fotografia não é informação, título não é propriamente texto (título em geral não forma uma sentença gramatical), não sendo portanto apropriado especular sobre sua verdade ou falsidade, recaindo-se assim de novo no caso ‘as informações apresentadas no comercial são rigorosamente verdadeiras’.
No relatório dando conta do primeiro ano de governo, produzido pelo mesmo sr. Duda, afirma-se a horas tantas que ‘o ano de 2003 poderá vir a ser conhecido como o ‘ano da corrupção zero no Brasil’’. Garanto que não estou inventando. Escreveram mesmo isso aí. Pode-se argumentar que o verbo usado (‘poderá’) exime o redator de qualquer compromisso com a veracidade. Mas, convenhamos – é não pequena a falta de simancol e de noção de risco da mente que engendrou a frase.
Embora o cartaz do sr. Duda esteja aparentemente em declínio, não parece que o mesmo esteja acontecendo com a tendência publicizante dos policy-makers. Com efeito, a crise Waldomiro Diniz corria lascada e o ‘núcleo duro’ saiu-se com a proposta de enfrentá-la por meio de… uma campanha publicitária! Acho que desta vez a idéia não emplacou, mas nunca se sabe o que vem por aí.
******
Jornalista, diretor executivo da Transparência Brasil (www.transparencia.org.br)