Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antonio Tozzi

‘Muito se tem comentado sobre o baixo nível da televisão brasileira. As críticas vão desde programas policialescos, onde os apresentadores travestem-se de paladinos da justiça e de incitadores de penas de morte, até o excesso de sexo e lascívia mostrado em horário nobre, quando as crianças estão assistindo novelas e programas humorísticos junto com seus pais.

Se isto não é novidade para ninguém, consolem-se. Aqui nos Estados Unidos a coisa não é diferente. A TV americana vive o mesmo dilema. Os pais, indignados com o que está sendo exibido na televisão, também protestam e pedem solução para o problema, em nome do chavão uníssono: ‘Nossas crianças não podem ser expostas a esta indecência’.

Na reportagem de capa desta semana, a revista Time aborda este assunto delicado. Estariam as emissoras abusando, de fato, do direito de exibir programas que corrompem a moral americana ou os patrulheiros morais é que estariam exagerando? E o governo tem-se mostrado vigilantes contra os abusos ou cede às pressões das grandes redes de comunicação? Afinal, nenhum governo quer ser inimigo da mídia.

O governo tenta fazer sua parte. A Federal Communication Commission (FCC) tem aplicado multas sobre emissoras que cometem excessos. O órgão, presidido agora pelo conservador Kevin Martin – que substituiu Michael Powell (filho do general Collin Powell) – promete ser ainda mais rigoroso nas questões morais. A multa mais elevada foi aplicada contra a rede Fox, que mostrou em um episódio de Married by America uma cena em que um homem espancava e lambia o creme de leite espalhado nos seios de uma prostituta. Valor da multa: US$ 1.183 milhão.

Organizações privadas, formadas por patrulheiros da moral e bons costumes, gravam e assistem toda a programação para, depois, analisar os programas que, segundo seus integrantes, extrapolaram os limites. São grupos como Parent Television Council (PTC) que monitoram os programas e os qualificam como moral ou imoralmente aceitáveis.

À primeira vista, pode parecer um recrudescimento da onda conservadora-religiosa que está tomando conta dos Estados Unidos. Isto não é totalmente verdadeiro. É claro que este fator não pode ser desconsiderado. Mas analisar o fenômeno apenas à luz de um dogma não serve para entender todo o processo.

Na verdade, tem, sim, havido excessos. Alguns programas como Maury, exibido às 11 horas da manhã, é um barraco da pior qualidade. O programa discute se fulana está grávida de sicrano e faz exames de DNA para comprovar a paternidade ou mostra prostitutas adolescentes desobedecendo suas mães e por aí vai. O America’s Most Wanted, apresentado por John Walsh, com certeza, é o inspirador dos policialescos tupiniquins, embora deva-se reconhecer sua ajuda na captura de criminosos. Vídeos exibidos na MTV também não são bons exemplos para os jovens, porque exploram a lascívia e o sexo.

Seria, então, o caso de baixar uma censura para resolver o problema? A questão é bem mais complexa. Para um país de tradições democráticas como os EUA, a censura não é recomendável nem aceita. Além do mais, os critérios sempre são dúbios para se censurar, como argumentam roteiristas e produtores. Por exemplo, em alguns contextos o palavrão é permitido em outros é censurado. Quem determina isto? E quem controla? O que é pior para ser mostrado: drogas, sexo ou violência?

Em alguns casos, a população acha que quem se excede é a própria FCC, como ocorreu no famoso caso do seio de Janet Jackson. A comissão multou a CBS em US$ 550 mil, por ter exibido o show do intervalo do Superbowl do ano passado, mas a maioria dos americanos acha que a reação foi exagerada. Afinal, nem foi algo tão ofensivo assim.

Este é exatamente o xis do problema. O que é ou não é ofensivo? Bem, sempre existe o seu próprio órgão regulador caseiro: o controle remoto. Pode-se simplesmente mudar de canal ou desligar a TV quando estiverem mostrando algo que você julgue inapropriado para sua família. E isto é um direito inalienável de cada pessoa responsável.

(*) Foi repórter do Jornal da Tarde e do Estado de S. Paulo. Vive nos EUA desde 1996, onde foi editor da CBS Telenoticias Brasil e no canal de esportes PSN. Atualmente é editor da revista Latin Trade e do jornal AcheiUSA.’



TV GLOBO PROCESSADA
Patrícia Villalba

‘Historiador luta pela Madeira-Mamoré’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/03/05

‘O repórter e historiador que redescobriu e montou o quebra-cabeça da fantástica e trágica história da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907- 1912) entra amanhã com um recurso na Justiça numa ação que move contra a Rede Globo. Mas Manoel Rodrigues Ferreira, autor de A Ferrovia do Diabo (408 páginas, R$ 29,90) não quer indenização, muito menos acusa a minissérie Mad Maria – que terminou na sexta-feira – de plágio. Ele quer, simplesmente, que a História – assim com H maiúsculo – seja contada na TV como aconteceu de verdade. ‘Não se pode romancear a história como estão fazendo e como fez Márcio Souza em Mad Maria (livro de 1981, em que se baseia a minissérie)’, argumenta.

A Ferrovia do Diabo foi lançado em 1960, pela mesma Melhoramentos que o relança agora. É resultado de uma série de 15 reportagens que Ferreira publicou no hoje extinto jornal paulistano Gazeta, em 1957, depois que chegaram às suas mãos misteriosos negativos fotográficos. Vieram por intermédio de um fotógrafo do jornal, que não tinha a menor idéia do que se tratava o material. Eram fotos obviamente de uma estrada de ferro, mas qual? ‘Fiquei vários dias examinando os negativos. Finalmente, ao examinar detalhadamente um negativo, verifiquei que o personagem, provavelmente um indiano, tinha à sua direita ao fundo, um tanto desfocado pela distância, um vagão ferroviário no qual estava escrito EFMM’, lembra Ferreira, hoje com 90 anos. ‘Pesquisei e descobri que era a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.’

As fotos eram de Dana Merrill, fotógrafo contratado pelo concessionário da construção, o americano Percival Farquhar. O nome de Dana Merrill, no entanto, só viria a ser descoberto por Ferreira em 1963. Quando a série de reportagens esteve nas bancas – de 9 a 28 de janeiro de 1957 -, foram publicadas 82 fotos, sem crédito.

‘Procurei o nome do fotógrafo em toda a documentação existente no Brasil, mas não encontrei’, diz o autor. ‘Só soube de Dana Merrill quando recebi o livro The Jungle Route, de Frank W. Kravigny, que trabalhou na Madeira-Mamoré durante a construção.’

Ferreira partiu de um nome – Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – e nada mais. ‘Era incrível que uma história como aquela estivesse adormecida’, conta. A pesquisa começou na Biblioteca Mário de Andrade. ‘Encontrei apenas documentos esparsos, mas mesmo assim me lancei na aventura de contar a história.’

Dezesseis reportagens depois, Ferreira foi convidado pela Melhoramentos para lançar seu material em livro. ‘Para isso, resolvi aprofundar ainda mais a pesquisa’, explica. Escrevia à noite, e muitas vezes, chorava, emocionado com os relatos dos que trabalharam na Madeira-Mamoré. ‘Eu dizia para mim mesmo que é incrível que tudo aquilo tenha acontecido.’

A Ferrovia do Diabo, no entanto, não é um livro que busca a emoção fácil. São fatos e mais fatos, números e dados técnicos costurados pela escrita precisa e extremamente racional de Ferreira – coisa de bom repórter. Por isso mesmo é, sem dúvida, o melhor registro do período – que é fantástico por si só, não pela prosa. ‘Só faço livros para destrinchar a história, uma história que ninguém conhece’, afirma o autor. ‘Gosto de descobrir mistérios da nossa história.’

De pronto, o livro desfaz dois mitos que cercavam a história da Madeira-Mamoré: que para cada dormente da linha – eram 750 mil – uma vida teria se perdido; e que o custo dela teria sido tão elevado que os dormentes poderiam ter sido feitos de ouro. Nada disso. Também, de certa forma, redime Farquhar, que em algumas versões passa por um aproveitador, que veio ao Brasil atrás do ganho fácil.

Mas o título A Ferrovia do Diabo faz jus à história de um grande empreendimento que ficou marcado por revezes, prejuízos incalculáveis e fracassos. Neste contexto, é curioso observar que a minissérie Mad Maria, grande produção destinada a comemorar os 40 anos da TV Globo no melhor estilo tenha obtido audiência inferior à que costuma ser registrada em minisséries da emissora. ‘Não assisti a nenhum capítulo, não vou me aborrecer com tanta besteira’, reclama Ferreira. ‘O que sei, é pela imprensa e por amigos.’

EPOPÉIA

Após várias sondagens e tentativas frustradas, a Madeira-Mamoré foi construída graças ao Tratado de Petrópolis, de 1903, quando o governo brasileiro aceitou construir a estrada de ferro ao longo do trecho encachoeirado do rio. A obra serviria à Bolívia e também ao Brasil. Joaquim Catrambi venceu a licitação da construção, mas vendeu este seu direito ao americano Percival Farquhar, que morava no Brasil, onde já havia realizado várias obras. Trabalharam na construção mais de 20 mil operários – vindos da Espanha, Trinidad, Barbados, Jamaica, Panamá e Colômbia. Centenas morreram, vítimas da insalubridade e de doenças tropicais.

A ferrovia, explica Ferreira em seu livro, foi paga pelo governo brasileiro que, em 1912, contratou a empresa de Farquhar para a operação da Madeira-Mamoré, uma concessão de 60 anos. Mas quando a ferrovia finalmente ficou pronta, o comércio da borracha já não vivia sua melhor fase. Pior, com o crash de Nova York, em 1929, a empresa de Farquhar faliu e devolveu a ferrovia ao governo brasileiro. A Madeira-Mamoré operou precariamente até 1972. Hoje, em vez de ícone do patrimônio histórico nacional, é um retrato do abandono.

De olho nos baixos índices de audiência – média de 25 pontos no Ibope -, a TV Globo mudou o rumo da minissérie, tirando ainda mais a história do primeiro plano e colocando os pares românticos em evidência. Ferreira tentou impedir que Mad Maria fosse levada ao ar logo que soube do início das filmagens. Entrou com uma ação popular em janeiro, com pedido de liminar, sob o argumento de que ‘a minissérie falsifica a verdade histórica com argumentos comerciais’. Não obteve sucesso, tendo apelado até mesmo para o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti. ‘Sem resposta, por enquanto’, lamenta.’



HUMOR NA TV
Leila Reis

‘Brasileiro gosta de rir’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/03/05

‘O brasileiro gosta de rir e essa disposição já fez rodar as engrenagens da indústria do entretenimento desde priscas eras. Houve uma época que o Brasil urbano e rural dedicava o fim de semana a sessões de circo. Os artistas do picadeiro ganharam o rádio e o cinema. Foi assim que tivemos uma época áurea de chanchadas, gênero que deu fama e prestígio à Companhia Atlântida.

Esse culto ao humor, claro, marca a TV desde sua gênese. Mas há épocas que a comédia está mais presente ou menos no vídeo de cada dia. Há quase um ano foi registrado neste mesmo espaço a ascensão do gênero na TV. A boa maré continua. A Globo mantém seis programas em sua grade de programação – Casseta & Planeta, A Grande Família, Turma do Didi, A Diarista, Zorra Total, Sob Nova Direção, além de um quadro no Fantástico.

No SBT, A Praça é Nossa e Meu Cunhado continuam firmes. O Pânico, da Rede TV! continua firme e forte. E por aí vai.

O curioso é que, mesmo estando bem abastecido, esse mercado ainda tem espaço para crescer. Prova é o desempenho do Show do Tom na Record.

O ex-Ribamar do Sai de Baixo e Zorra Total chegou à emissora com a clara intenção de ser uma espécie de Jô Soares. A sensação foi a de que ele queria ser mais do que um humorista.

Em linguagem meio ultrapassada, poderíamos dizer que Tom Cavalcante queria explorar sua porção showman.

Nos seus seis meses de vida, o programa registrou 5, 6 pontos de média no Ibope (na Grande São Paulo), mas vem ganhando força ultimamente conquistando audiências que já batem nos dois dígitos em alguns dias da semana.

Desde fevereiro, suas terças conseguem atingir em torno de 10 pontos de média, colocando a emissora na vice-liderança do horário. E parece que não é por causa do desempenho de Tom como entrevistador, comediante e nem pelas paródias de outros programas da TV – Big Briga (Tom faz o Pedro Bilau) ou Gentalha que Brilha (Tom é Silton Santos).

Tudo leva a crer que o chamariz da audiência é o quadro Festival de Piadas. Na linha do show de talentos, o quadro é um concurso em que comediantes se enfrentam contando piadas. Nesta semana, em que a Record comemorou 11 pontos de média, todos os disputantes eram do Ceará.

Por regionalismo do apresentador (cearense como Renato Aragão e Chico Anysio, que o acolheu aqui no Sul) ou porque o Estado é realmente um celeiro de talentos cômicos ou por mera coincidência, o fato é que os tipos que concorreram entre si foram muito divertidos: Motoca, Belo Beleza, Mexerico eram alguns dos nomes dos artistas que, pelo jogo de cintura, devem ganhar seu sustento fazendo graça no Nordeste.

As piadas eram velhas e quase todas pesavam no mau gosto. As que envolviam personagens homossexuais, então, eram de uma grossura constrangedora. Mas os artistas são bons e podem ser melhor explorados com alguma direção e, claro, uma lapidada na seleção das piadas.

O fato de o público responder bem a esse tipo de iniciativa aponta para algumas hipóteses. O público é muito aberto para o humor porque gosta de rir. E que telespectador é mais receptivo à diversidade do que supõe os programadores, que clonam os programas que alcançam bons ibopes. Dar chance a novos talentos às vezes funciona.’