Atordoados com um desenvolvimento tecnológico que não conseguem acompanhar na mesma velocidade que seus filhos, os pais vêm se abstendo de prepará-los para o universo digital, deixando-os expostos a riscos. O diagnóstico é de Michael Rich, 58, professor do Centro de Mídia e Saúde Infantil da Universidade Harvard e um dos maiores especialistas americanos nas interações de crianças com mídias diversas.
Ele veio ao Rio na última quinta para fazer uma palestra no 1º Encontro Internacional sobre o Uso de Tecnologias da Informação por Crianças e Adolescentes, organizado pela Universidade do Rio de Janeiro (Uerj). “Os pais precisam engolir seu orgulho e se tornar aprendizes dos filhos na parte técnica, para que possam ser seus professores na parte humana”, disse Rich à Folha.
Pai de quatro filhos (os mais novos têm cinco e sete anos), Rich tem um site (cmch.typepad.com/mediatrician) no qual tira dúvidas dos pais. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele falou sobre como busca introduzir dados científicos em uma discussão que ainda é guiada por valores morais.
“O melhor software para crianças está entre as orelhas”
As crianças estão sendo apresentadas à tecnologia cada vez mais cedo. Isso é ruim?
Michael Rich– Não, mas também não é bom. O problema é que os pais dão essas ferramentas para as crianças não porque elas precisem ou saibam usar, mas por causa da pressão social e das próprias crianças. Os filhos dizem “eu quero um iPhone porque todos os meus amigos têm um”. Assim como você pensa em quando deve mostrar para uma criança o que é uma serra elétrica, deveria considerar quando e como vai apresentar a televisão, a internet, os celulares.
Há uma idade certa para as crianças serem apresentadas às mídias?
M.R. – Varia de acordo com cada mídia e cada criança. Escolhemos ferramentas diferentes dependendo da idade, do estágio de desenvolvimento e das necessidades. Temos pesquisas que mostram que, antes dos 30 meses, crianças não aprendem muito por meio de telas. Conseguem assistir e imitar o que veem, mas não identificam aquilo como uma representação de uma realidade tridimensional. O melhor software para as crianças está entre as orelhas delas: é o que se coloca na cabeça delas em termos do que elas são como pessoas e como cidadãos.
“Os pais precisam se permitir ser os aprendizes”
O sr. diria que os pais em geral têm noção dos riscos que a exposição das crianças à tecnologia pode trazer?
M.R. – De modo algum. Eles não têm a menor ideia, muitas vezes porque não querem saber. Eles sentem que as crianças sabem muito mais do que eles, porque são nativos digitais, enquanto os pais são imigrantes digitais, acabaram de chegar, não falam a língua, não entendem o lugar. Os pais estão acostumados a ser os experts da família e sabem que, nesse ambiente, não o são, então decidem não comprar essa briga, apenas dão o laptop, o celular e pensam “desde que eles estejam no quarto, não vão se meter em problemas”, o que é um erro.
Como eles podem se envolver na vida digital de seus filhos e até que ponto devem fazê-lo?
M.R. – Os pais precisam se envolver com a vida digital de seus filhos tanto quanto se envolvem com a vida fora da rede. Um pai não deixaria o filho ir a uma festa em uma casa na qual não sabe se vai haver bebida, drogas, armas. Do mesmo modo, não deveria deixar o filho desacompanhado na internet. Como os pais não se sentem confortáveis na internet como seus filhos, os egos atrapalham. Eles precisam se permitir ser os aprendizes. Precisam sentar e jogar videogame com eles, aprender a parte técnica e, aproveitando essa posição de vulnerabilidade, discutir outros temas.
“Os dois maiores problemas são a obesidade e a ansiedade”
Mas como lidar com o fato de que os jovens sabem esconder dos pais o que fazem na internet?
M.R. – A educação que recebem quando crianças é fundamental, aí se formam os adolescentes que serão. É preciso construir neles respeito por si mesmos e pelos outros. Isso vai se traduzir em comportamentos saudáveis na web. Tentar policiar ou pegá-los em flagrante nunca vai funcionar, eles sempre vão conseguir contornar as regras. Os pais têm de superar a distinção que fazem entre educação, que levam muito a sério, e entretenimento, que tratam como se fosse um momento em que as crianças desligam o cérebro. Fazemos grandes esforços para mandá-los para as melhores escolas e achamos que, quando voltam e ficam jogando “Call of Duty” [um dos mais populares jogos de tiro] por três horas, não estão aprendendo nada, mas estão.
Falando dos problemas da exposição de modo mais específico, quais seriam os mais frequentes?
M.R. – As crianças se metem em problemas porque acham que são anônimas ou não rastreáveis na internet. Fazem coisas naquele ambiente que nunca fariam pessoalmente, porque têm essa ilusão de que ninguém pode identificá-las. De uma perspectiva médica, os dois maiores problemas são a obesidade e a ansiedade. A obesidade é um problema mundial, gerado por estilos de vida pouco ativos e pelo marketing. Do lado da ansiedade, as crianças são cada vez mais pressionadas a fazer mais, conseguir mais, mais rapidamente. Nos EUA, é recorde o número das que recebem medicação psiquiátrica por problemas de déficit de atenção, ansiedade, depressão.
“Leis não resolvem, o que resolve é educar”
Em sua palestra, o sr. disse que os pais não deixam que as crianças fiquem entediadas, e que isso é ruim. Por quê?
M.R. – O cérebro humano busca novidades, sentir e experimentar novas coisas. O problema é que, se formos constantemente estimulados pela televisão, pelos videogames e pela internet, nunca aprendemos a ser reflexivos, criativos, a buscar a novidade dentro de nós. É preciso tédio para chegar lá. Sair de casa também funciona. A natureza é um grande estimulante.
Os pais deveriam proibir que os filhos usassem celulares e internet em algum momento?
M.R. – Conheço gente que determina uma espécie de pausa digital semanal, um dia no qual desliga tudo por 24 horas. E as famílias que fazem isso sentem-se incrivelmente libertas, porque seus membros passam a interagir, conversar uns com os outros, coisas que nunca fariam se estivessem com seus iPhones, laptops ou TVs.
Há alguma mídia que tenha comprovadamente mais efeitos negativos sobre a saúde das crianças?
M.R. – Para problemas específicos há algumas mídias que interferem mais do que outras. Por exemplo, a televisão pode estar mais ligada à obesidade, por conta da imobilidade, e os videogames causam um aumento da ansiedade, porque você fica em um estado de adrenalina constante. Mas isso varia muito entre crianças.
Esse discurso sobre os perigos das mídias pode ser sequestrado pelo discurso político mais conservador?
M.R. – Sem dúvida. Invariavelmente os políticos usam isso a partir de um ponto de vista moral, “as crianças não devem ver pessoas nuas, não devem ver violência”, e a solução deles é restringir, censurar. Não acho que criar leis resolve a questão, o que resolve é educar.
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[Marco Aurélio Canônico, da Folha de S.Paulo]