Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Esse monstro chamado imprensa

De quem é a voz saída dos jornais, rádios e televisões? Jornalista, entrevistado, empresário, político, personagem, todos estão aptos a falar. No entanto, que voz é essa? Dúvida tamanha. Fala-se em imprensa como algo consolidado, instituição das maiores, chegam a ponto de colocá-la como quarto poder. Cobra-se da imprensa uma liturgia fervorosa, um apartidarismo, a ausência total de preconceitos, de defeitos, de vícios. Ainda estamos em tempos nos quais dizemos que algo é verdadeiro depois de sair no jornal. Mais: no Jornal Nacional. E quem são essas pessoas com poder suficiente para intermediar o que é ou não verdade? Que faculdade na vida é capaz de lhes ensinar tal proeza?

Eis a imensa questão que assola as linhas dos jornais e os segundos das televisões e rádios. Imprensa. Esse conjunto de coisas que concorrem entre si. De perto, cada elemento desse imenso grupo parece tão peculiar, cheio de idiossincrasias e tão odioso aos demais. Tem sua própria característica, que teima em chamar de linha editorial – embora muitos nem pensem nisso. Mas o que ocorre é sempre uma tentativa de descobrir o que o outro já sabe ou esconder o que se sabe do outro, para, ao final, deixar todo mundo sabendo. Sim, esse monstro chamado imprensa possui manias cativadas desde seus primórdios e das quais nunca mais conseguiu se curar.

Essas peculiaridades dos elementos do grupo aparecem quanto mais se aproximam. Em uma redação de qualquer um deles, é bem visível: a disputa. Não se sabe, ao certo, se isso é fomentado pela grandiosa aura do que chamam imprensa fora da imprensa ou por uma questão humana e bem comum ao capitalismo. Mas é proibido aos olhos de fora. Há que ser benevolente e caridoso todos estes que adentram uma redação. Cruz igual devem carregar os médicos em suas unidades de saúde: fazer sempre o bem, nunca falhar, atender a todos sem presunção. E ai daquele que resolver favorecer alguém em troca do dinheiro. Capitalismo, amigo, só é válido para os demais: ninguém mandou querer.

O lado de quem manda

Mas, de médicos, não sei falar: podem ser santos e estudaram bastante, é o que dizem os defensores. Já nesse imenso monstro chamado imprensa, devemos jogar pedra e achincalhar. O que é justo, porque bem fez e faz e fará por onde. Incorrigível, esse ser. Além de tudo, esse pessoal que se engalfinha em redações e se protege em coletivas e depois se engalfinha em coletivas e se protege em público tem uma grande falta de sensibilidade ao outro e, ao mesmo tempo, o outro tende a endeusá-lo e cobrá-lo da mesma forma que se faz com os deuses. Passa a ser de sua obrigação corrigir as mazelas do mundo e é de sua culpa as injustiças e a roubalheira. Os juízes, bem sabem, nada temem e fingem nem saber.

Ficou para o monstro chamado imprensa esse papel de defender e, não defendendo, tornou-se monstro. Não há a quem culpar, pois foi a própria imprensa, em seus primórdios, quem se colocou como herói, quem se diz herói e sabedor da verdade. Há quem diga que se um jornalista contar tudo o que sabe o mundo se torna uma verdadeira guerra. Há quem diga que ele não conta porque se vendeu. Pode ser, como também é mais verdade que o empresário, seu patrão, tenha se vendido e, com um salário parco, compre o silêncio de seus empregados. O que torna esse ser jornalista ainda mais imbecil aos olhos capitalistas dos demais: se vende por pouco.

Esse salário se torna menor ainda quando é esse jornalista que se coloca e é colocado como o grande símbolo desse monstro chamado imprensa. Esse monstro que devora e abraça, comove e magoa. Contraditório, como dois lados. Porque é essa a lei que a imprensa promulgou e que cobram dela: atender a dois lados. Mesmo que as coisas sempre tenham muito mais de dois lados. No entanto, esse ser (de indivíduo mesmo) chamado jornalista é obrigado e se obriga (esse negócio de dois lados cansa) a ouvir apenas um lado: o de quem manda. E, capitalismo novamente, quem manda é quem paga. Eis que o seu patrão e o patrão do seu patrão e o patrão dele.

Qual é mesmo o trabalho da imprensa?

Que se achincalhe, então, esse monstro chamado imprensa. Pois responsável é por tudo aquilo que colheu ao longo dos seus anos, por tudo aquilo que prometeu e fizeram entender que ele fosse capaz. Esquece-se que há seres humanos ali, bem capazes de se vender por um parco salário. Até porque, eles não merecem. Até porque, fazem isso em troca das mazelas, da audiência, do vender jornal, de engalfinhar com outros jornalistas na ânsia de descobrir o que eles sabem e o que não sabem ainda. Pois jornalistas são, afinal, o símbolo e o simbólico desse monstro chamado imprensa, pensado e repensado por suas promessas infundadas de ser correto, justo e ouvir todos os lados.

Pode até ser que o jornalista, seus entrevistados e seus patrões falem nas linhas dos jornais e nos segundos de rádios e televisões. Mas a voz da imprensa, o som grave desse monstro do submundo, não se conhece. É ninguém e todo mundo (olha os dois lados aí) que grita. Os culpados somos nós, sempre: cada elemento que compartilha das benesses de se dizer imprensa. Há de nos fazer bem os xingamentos, de nos dizer por aí que não temos legitimidade, não representamos o que prometemos representar e nem sabemos fazer o nosso trabalho. Afinal, qual é mesmo o trabalho da imprensa? Eis coisa da qual não se sabe: que monstro é esse, que tanto bate e assopra? Nós merecemos.

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[Vandré Abreu é jornalista, Goiânia, GO]