Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Padronização por baixo não é exclusividade das redações

Pensava-se que só pessoas tinham crises de identidade. Mas não. Ao elaborar um projeto — acertadamente vetado pelo governo — com o intuito de ampliar a exigência do diploma de jornalista para diagramadores, comentaristas, revisores, narradores, cronistas, analistas, ilustradores e outros mais, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) parece estar sofrendo do mal. E não é de hoje. Os sintomas vêm sendo notados pelo menos desde que propôs a criação do Conselho Federal de Jornalismo, que teria poderes para controlar a imprensa e punir jornalistas.

A cada surto, porém, o diploma de jornalista vira alvo de críticas severas. Li recentemente um artigo em que o autor afirmava que sua obrigatoriedade criou uma reserva de mercado, causando a padronização por baixo das redações e a queda da média de inteligência de seus freqüentadores e de seus produtos. Fora a pretensão e a deselegância com os colegas diplomados, é mais ou menos como culpar a azeitona das empadinhas servidas na festa pelo mal-estar coletivo no dia seguinte. Mas a tese inspira algumas reflexões e um ou dois comentários.

Em primeiro lugar, é ridículo falar em reserva de mercado. Para toda atividade profissional – como o jornalismo atual – existe um mercado de trabalho, não uma reserva. E o que dizer de economistas, cientistas políticos, médicos, atletas, cineastas e outros profissionais não-jornalistas que escrevem, comentam e fazem reportagens em todos os meios de comunicação? O que é bom e desejável. O direito à informação qualificada deve estar acima de qualquer lei. E se houve uma padronização por baixo das redações e de seus produtos não é exclusividade do jornalismo.

O Brasil vem sendo padronizado por baixo há décadas por uma mentalidade política colonialista que impediu a construção de um país único e justo e transformou o Estado em fonte de enriquecimento pessoal, e não de emancipação popular por meio de ações sociais, culturais e, sobretudo, educacionais sérias e de abrangência nacional. Pelas razões acima, é natural que a vulgaridade e os valores superficiais da cultura de massa norte-americana tenham encontrado aqui terra fértil para disseminar-se e agravar o quadro de alienação dos nossos jovens.

A importância da educação

A imprensa, especialmente a escrita, é uma das vítimas do desprezo histórico que os governos no Brasil têm pela educação. Some-se a isto a concorrência da internet. Não restou alternativa às empresas jornalísticas senão investirem em programas de incentivo à leitura, como o ‘Jornal e Educação’, para formar novos leitores. Na busca por novos mercados, contudo, criaram para as classes D e E jornais caça-níqueis, que prestariam melhor serviço se oferecessem também ao seu público conteúdo formador de opinião em assuntos que afetam de fato a sua realidade.

Os detratores do diploma de jornalista citam os Estados Unidos como exemplo de país que não o exige para o exercício do ofício. Mesmo que adotássemos o inglês como língua, o dólar como moeda e o protestantismo como religião majoritária, em mais nada nos pareceríamos com eles. Ensina-se jornalismo lá pelo menos desde 1908. Primeiro na universidade; depois no ensino médio. Praticamente não existe hoje uma escola secundária norte-americana que não tenha seu próprio jornal. Muitas dispõem ainda de estações de TV em circuito fechado em que os alunos começam a praticar.

Apesar de o diploma não ser obrigatório, cerca de 90% dos jornalistas que trabalham em jornais ou emissoras de rádio e TV nos Estados Unidos são formados em Jornalismo. Ao todo, 350 universidades norte-americanas oferecem graduação em Jornalismo. Portanto, o diploma no Brasil deve ser visto não pelo que em tese representa, mas pelo que efetivamente simboliza: a importância da educação. Quando tivermos ensino e escolas básicas de qualidade e índices educacionais de Primeiro Mundo talvez seja o momento de o assunto voltar a ser debatido.

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Professor de Jornalismo na Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro