‘Um minúsculo chip embutido nas paredes da Capela Sistina pode violar a privacidade das votações dos cardeais que estarão escolhendo o próximo papa. Por mais rigorosas que sejam as providências para preservar o sigilo e a confidencialidade das votações, haverá o risco de auxiliares e serviçais – só retirados da capela na hora das votações – instalarem lá um dispositivo quase imperceptível, grudado num móvel, como se fosse selo ou adesivo, embutido na parede ou numa caneta distribuída aos votantes. Esses chips espiões poderão transmitir tudo o que for dito na hora do voto, até 200 metros, em freqüências elevadas, como 2,4 gigahertz, sintonizadas numa rede Wi-Fi.
Pelas regras, só os cardeais poderão permanecer na capela no momento da votação. Mesmo assim, para garantir sigilo total, seria necessário que sistemas ultra-sofisticados de detecção de transmissões de sinais de rádio fossem instalados e pudessem ser monitorados, sem interrupção, em busca de eventuais dispositivos instalados por terceiros. Outro risco pode estar em um simples celular, dotado de recursos especiais de espionagem, capaz de filmar, com áudio de qualidade, e de transmitir tudo para qualquer ponto da Itália ou do mundo. Assim, mesmo com todas as regras de segurança adotadas, a tecnologia moderna e a ousadia de um hacker eventualmente infiltrado podem pôr em risco a privacidade desejada na eleição do novo papa.’
Ives Gandra da Silva Martins
‘Os papas e o Opus Dei’, copyright Folha de S. Paulo, 10/04/05
‘O Opus Dei ama e defende a liberdade de seus fiéis em todas as questões que a igreja deixa à livre discussão dos católicos
A cobertura da mídia sobre o falecimento do papa João Paulo 2º e dos eventos subseqüentes pode-se qualificar, sem exagero, de fantástica. Poucas vezes tantos milhões de pessoas puderam acompanhar tão de perto e por tão longo tempo um acontecimento relacionado com uma personalidade mundial como foi João Paulo 2º.
Chega a ser assombrosa a técnica, o profissionalismo, o espírito de iniciativa e a criatividade dessa infatigável cobertura. É natural que, no meio dessa pirotecnia contínua de imagens, notícias e comentários, não faltem, ao lado de luzes esplêndidas, fogos cruzados e também os inevitáveis mísseis de fumaça apontados contra a memória e a pessoa de um papa que ingentes multidões católicas e não-católicas, cristãs e não-cristãs amam e veneram como um homem excepcional, assim como contra a igreja que ele presidiu, em nome de Cristo, nesta terra.
Dentro dessa pirotecnia têm aparecido, aqui e além, alusões e comentários sobre o Opus Dei e as suas relações com o papa, alguns deles acertados, outros confusos ou pitorescos e vários nitidamente sectários, fruto de uma ideologia preconceituosa contra a autêntica doutrina católica, ideologia que tudo deforma por ‘parti pris’.
Conhecendo intimamente o Opus Dei, de há mais de 40 anos, posso compreender que alguns não simpatizem com a obra fundada em 1928 por São Josemaría Escrivá, ainda que, evidentemente, sejam muitos mais os que, conhecendo-a bem, estimam-na. O que, no entanto, se me torna mais difícil de compreender é a falsificação da imagem dessa obra católica, aprovada definitivamente pelo papa Pio 12 e abençoada por João 23 e Paulo 6º, que a qualificou de ‘manifestação da perene juventude da igreja’, e João Paulo 1º, antes de que Karol Wojtyla fosse elevado ao pontificado (é bem fácil comprovar essas afirmações consultando a correspondente documentação, registrada em biografias abundantes sobre São Josemaría Escrivá). A pretensa ‘exclusividade’ das simpatias de João Paulo 2º por essa obra, que certamente estimava, é, no mínimo, uma tergiversação.
Também se me torna, em parte, incompreensível a interpretação que às vezes se dá ao estatuto jurídico do Opus Dei como prelazia pessoal. Digo ‘em parte’ porque entendo bem que haja ignorância do direito da igreja, mesmo em alguns meios católicos, mas é muito difícil não pensar que também nesse ponto a distorção premeditada é muito útil para fins ideológicos demolidores.
Uma simples e honesta aproximação do direito da igreja evidencia o seguinte panorama: primeiro, as prelazias pessoais foram criadas pelo Concílio Vaticano 2º, mediante o decreto ‘Presbyterorum Ordinis’, de 7/12/65, nº 10 (‘Podem ser erigidos com utilidade (…) prelazias pessoais ou outras instituições…’). Foi exatamente o papa Paulo 6º quem as regulamentou juridicamente, com o motu próprio ‘Ecclesiae Sanctae’, I, nº 4; e que a normativa jurídica estabelecida por Paulo 6º foi a que passou ‘ipsis litteris’ ao novo Código de Direto Canônico de 1983, cânones 294-297. Quando, em 1982, João Paulo 2º, dando término a um estudo jurídico incentivado por Paulo 6º e João Paulo 1º (também há suficiente documentação a respeito), erigiu o Opus Dei a prelazia pessoal, outra coisa não fez senão aplicar as normas existentes antes da sua eleição. Não criou norma nova.
Ainda como homem de direito, eu perguntaria: de onde tiram certos articulistas a idéia de que uma prelazia pessoal é uma espécie de diocese independente, ou, como alguns chegam a afirmar com incrível deformidade de visão, uma ‘igreja dentro da igreja’?
Em primeiro lugar, o adjetivo ‘pessoal’ não significa -nem nunca significou- que as prelazias pessoais sejam entidades vinculadas só ‘pessoalmente’ ao papa, mas entidades ‘não-territoriais’, ou seja, não cingidas apenas a um território geográfico, mas destinadas a determinadas pessoas, independentemente do território em que residem. Em segundo lugar, a normativa jurídica das prelazias pessoais estabelece taxativamente que tais prelazias só poderão exercer as suas tarefas pastorais numa diocese com o prévio consentimento do bispo diocesano e em união com ele (cânon 297 do ‘Código de Direito Canônico’). Em terceiro lugar, os estatutos da prelazia do Opus Dei (nº 177) exigem que, antes de se erigir qualquer novo centro da prelazia, conte-se previamente com a vênia escrita do bispo local.
Ainda que eu não goste do dito virgiliano ‘Ab uno disce omnes’, não posso deixar de cogitar que, se a ‘interpretação’ sobre o caráter de prelazia do Opus Dei está prenhe de deformações tão grosseiras, como não pensar que o mesmo tipo de distorções e preconceitos impregne tudo quanto os mesmos autores dizem do trabalho do Opus Dei e das suas relações com o Vaticano?
Para quem conhece e vivencia o Opus Dei, acima da pirotecnia fica a verdade: o Opus Dei é uma entidade da Igreja Católica, amada e aprovada por todos os papas que a conheceram, cuja única finalidade é procurar o ideal da vida e de serviço cristão no meio do mundo, mediante a santificação do trabalho profissional, da família e dos deveres cotidianos. O Opus Dei tem como membros e trabalha com pessoas de todas as classes sociais; o Opus Dei ama e defende a liberdade de seus fiéis em todas as questões que a igreja deixa à livre discussão dos católicos.
E, finalmente, no Opus Dei vive-se seriamente a fé católica que vê no papa o sucessor de Pedro, o vice-Cristo na terra e, como tal, um homem digno de ser amado e venerado, seja ele quem for. Assim foi com os papas que acompanharam o itinerário do Opus Dei até agora, e assim será com todos os que vierem depois.
Ives Gandra da Silva Martins, 70, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, é presidente da Academia Paulista de Letras.’
José Paulo Lanyi
‘‘Veja’ não sabe lidar com o pop’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/04/05
‘Estava passando pela 23 de Maio quando deparei com o outdoor. Nele, o papa e a sua expressão deformada pela dor. Era a chamada da ‘Veja’ para os derradeiros momentos do calvário de João Paulo II. ‘Mau gosto’ foi o meu pensamento mais comedido. Lembrei-me, em seguida, da mesma revista nos tempos de Mino Carta, o seu ilustre fundador. Comparei, foi inevitável. ‘Há tempos a ‘Veja’ não é mais aquela’. A conclusão fora tão imediata quanto óbvia. Tempos diferentes, equipes diferentes, conceitos diferentes. Pensei, então, em escrever este artigo. Considerei o respeito que devo aos profissionais que trabalham duro, o melhor que podem, acredito, por uma revista à altura das suas tradições. Mas não poderia me eximir de uma análise.
‘A ‘Veja’ não é mais aquela…’. Em busca de uma coerência, minha mente trocou um pop pelo outro. Saiu o João, entrou o Franscisco, o Buarque de Hollanda. Coisa recente, mas que fica na cabeça. Ainda não assimilara aquele texto pró-paparazzi. ‘Veja’ defendendo ‘Contigo!’. Uma espécie de ‘cross media’ das encucações ético-praianas. O mercado (leitor é secundário hoje em dia) precisa de explicações que justifiquem o que quer que seja. Bom para a ‘Contigo!’, bom para a ‘Veja’. Quanto mais dinheiro nos cofres da Abril, melhor para todo mundo.
Rosto deformado vende revista? Há quem pense que sim. Ninguém compõe uma capa sem considerar o potencial de venda. Um papa agonizante vende muito, um papa agonizante, em ‘close-up’, vende muito mais. É a tese. Temos aí um caso típico em que uma imagem vale menos do que mil palavras. Estas vieram em socorro do que se poderia chamar de bom jornalismo – o papa sacrificou-se e, heróico, referendou um princípio basilar: ser cristão é sofrer direitinho até a redenção.
Adotou-se uma linha, nenhum problema no norte. Há aí uma coerência, temos uma doutrina e um expoente, um executivo dessa doutrina. Um líder que viveu em conformidade com aquilo que pregava. Ainda que essa escolha editorial seja apenas uma entre tantas possíveis (dada a complexidade das questões da Igreja e das próprias motivações humanas), considero-a legítima.
Mas a opção pela imagem foi oportunista.
Curiosa é a reação espontânea do público. No mesmo dia, encontrei-me com um amigo meu. Logo de cara, perguntou-me se eu havia visto aquela capa. Endereçou-lhe dois ou três impropérios e disse-me que os leitores estavam protestando contra a revista no próprio fim de semana, na seção de cartas dos jornais (!).
Poucos dias depois, entre uma e outra cerveja na Vila Madalena, um grupo de jornalistas deploraria a iniciativa da publicação da Abril. O tom era de ‘desprezo conjuntural’. Um deles fora repórter e subeditor da revista, nos tempos áureos. Decepção, uma vez mais.
Primeiro o Chico, agora o papa. ‘Veja’ não sabe lidar com o pop. Na alegria do idílio ou na tristeza do ocaso, entrega-se ao oba-oba. A trilha bem poderia ser a inebriante ‘Cidade Maravilhosa’, uma orgia libertadora nos moldes de uma ‘Bonitinha, mas Ordinária’. ‘Veja’ confunde independência com iconoclastia de secos e molhados. Isso vende, é sensacional.’