Nos anos 1950, uma das revistas de maior tiragem no Brasil era a Seleções do Reader’s Digest, mensal, que publicava artigos condensados e, no final, havia sempre alguma nota curiosa. Lembro bem de uma que para definir o senso de privacidade dos ingleses: contava que um cidadão cometeu suicídio depois de ter sido obrigado a responder a um recenseador: ficara inconformado com a invasão em sua vida particular.
Sempre me causou surpresa que os britânicos, com esse instinto de privacidade e com todo o fair play que lhes é característico, aceitassem muito bem os diários chamados Metro, tablóides de pequeno formato adaptados a uma leitura veloz durante as viagens de metrô, que circulam diariamente algo como 5 milhões de exemplares. As notícias são basicamente de escândalos envolvendo pessoas famosas e um dos alvos principais é a família real.
A grande característica desse tipo de imprensa é a total falta de escrúpulos de seus jornalistas. Há poucas semanas, o tablóide News of World, o hebdomadário mais lido na Inglaterra (sai aos domingos), sofreu um bom prejuízo: teve que indenizar em 200 mil libras, por difamação, o político socialista escocês Tommy Sheridan, a quem acusara de participante em orgias múltiplas.
O tablóide tinha antecedentes em seus métodos investigativos. Em julho passado, um tribunal havia libertado três homens acusados de querer comprar material radioativo para fabricar uma bomba suja. Ficou provado que era uma falsa informação veiculada com a cobertura do News of World, inventada pelo famigerado e também falso xeque Mahzer Mahmood, o mais célebre dos ‘jornalistas’ investigativos do tablóide. Certa feita, travestido de rico proprietário de poços de petróleo, Mahmood havia colocado em dificuldades Sofie, a mulher do príncipe Eduardo, e há dois anos tinha noticiado um falso complô para seqüestrar Victória Beckham, mulher do jogador de futebol.
Diretor em dificuldades
Agora, outro golpe. O repórter Clive Goodman, com mais dois cúmplices, foi algemado e preso sob acusação de ter colocado em escuta clandestina os celulares do príncipe Charles e de Camilla Parker-Bowles. Há suspeitas que invadiram a rede telefônica do Palácio de Buckingham.
O alarme partiu de Clarence House, a residência oficial do príncipe, e segundo a Scotland Yard foi aberto um inquérito depois que uma série de suspeitas foram levantadas pelo Departamento de Proteção Real. Segundo fontes junto aos investigadores, as interceptações não se atinham somente às conversações, mas a ‘sms’ e mensagens faladas nas secretárias telefônicas. Assim foram obtidos dados detalhados sobre as viagens do casal. Devido às implicações com a segurança, os trabalhos estão sendo conduzidos pelo departamento antiterrorismo.
Essas investigações seriam o ponto mais baixo nas relações entre a Casa Real e a mídia, mas o país tomaria conhecimento de um jornalismo no nível da falta de escrúpulos. Caso as suspeitas sejam confirmadas, a Casa Real pedirá à polícia o máximo rigor contra os responsáveis – o que poderia atingir, no geral, a liberdade de imprensa. Havia uma tênue relação entre o herdeiro ao trono e a mídia, que foi desfeita com esse incidente.
O porta-voz do News of the World se recusa a informar se Goodman teria agido de forma independente, ou se foi pautado para fazer as interceptações. Seja como seja, sua prisão coloca em dificuldades o diretor do periódico, Andy Coulson, e sobretudo o seu proprietário, o australiano Rupert Murdoch, o magnata máximo da imprensa mundial, que controla mais de 40 jornais, entre eles o The Times na Grã Bretanha e o The New York Post no Estados Unidos.
Será uma briga de cachorros grandes.
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Jornalista