Em pleno século 21, eu acreditava que já havíamos alcançado um patamar de racionalidade suficiente para nos colocar acima de crendices e obscurantismos. No entanto, ao ler a última edição virtual da revista Caros Amigos, me deparei com uma carta, obra de alguém que se intitula Mario César Serafim, acobertada pelos editores da revista que nega a racionalidade. A carta se propõe ‘moderna’, mas seu conteúdo é antigo… lembra mesmo algumas crenças medievais que culminavam com o uso da fogueira para ‘purificar o herege’. Mas, o que mais chama a atenção é o fato de que o autor da carta recomenda, veementemente, a leitura de uma obra intitulada Os protocolos dos sábios de Sião, que ele caracteriza como ‘reveladora’ (sic).
Não fosse o sr. Serafim alguém que, aparentemente, sofre de delírios persecutórios e apregoa as mais esdrúxulas teorias conspiratórias, eu diria que deve ser responsabilizado por crime de racismo e de anti-semitismo. Mas, ao que tudo indica, não tem muita noção do significado de seus atos, pois seu texto nos faz supor que ele, no mínimo, carece de bom senso, ou mais precisamente, necessita um tratamento especializado. Mas a revista Caros Amigos, por sua vez, ao abrigar a carta que o sr. Serafim obrou no seu site, corrobora suas idéias e se solidariza com o autor. Portanto, estes editores deveriam responder judicialmente por solidariedade ao crime.
Sim, senhores. O livro Protocolo dos sábios de Sião é obra condenada por constituir-se ferramenta de incitação ao racismo e de conteúdo explicitamente anti-semita, conforme parecer do Ministério Público Federal (LF-7716 de 1989 Art-20). Disto têm conhecimento os editores da Caros Amigos. No entanto, preferem fazer-se de desentendidos ou de desinformados, com o intuito de dar maior visibilidade às idéias do sr. Serafim, a pretexto de garantir-lhe liberdade de expressão.
Segundo Umberto Eco, na obra A Passo di Gambero – Guerre calde e populismo mediatico, esta falsificação foi produzida a partir de uma colagem de diversos textos, pelos serviços secretos e pela polícia de, no mínimo, três países. Este é um fato bastante conhecido, mas apesar disso, o livro sempre volta a ser utilizado quando se torna necessário produzir um libelo acusatório contra os judeus.
Prova de democracia
Tais fatos somente corroboram a concepção de Will Eisner (The secret story of the Protocols of the Elders of Zion) de que não é propriamente este livro gerador de anti-semitismo, mas ele é sempre útil quando é preciso buscar um inimigo. É esta necessidade que faz acreditar no que ele apregoa. Portanto, o mais interessante aspecto dos Protocolos, segundo o mesmo Umberto Eco, não é tanto a história de sua produção, mas principalmente a forma como sempre foi usado e recebido. E estamos aqui frente a mais um episódio em que esta obra é usada pelo sr. Serafim. E, pelo visto, bem recebida pela revista Caros Amigos.
Trata-se de mais um caso à moda antiga, em que, na falta de um culpado pelos males do mundo, o sr. Serafim aponta os judeus. Mas nisso conta com a complacência e a solidariedade dos seus Caros Amigos.
Em nome da liberdade de expressão, tão cara aos editores da revista Caros Amigos, solicitei a publicação deste texto como prova da democracia de seu espaço editorial.
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Historiadora, Rio de Janeiro