O papa João Paulo II era a grande personalidade que Barbara Walters, Katie Couric, Larry King e todos os outros inquisidores de celebridades dos EUA nunca conseguiram entrevistar. Mas, enquanto evitava a chance de refletir publicamente sobre si próprio, o papa não desprezava a mídia e se interessava pelo jornalismo.
Este foi um papa que escrevia freqüentemente sobre a mídia – e com o tipo de argumentação detalhada que seria mais esperada do jornalista Ben Bagdikian do que de um ex-arcebispo de Cracóvia. João Paulo II era, com certeza, o único sucessor de Pedro que deixou uma encíclica que poderia endossar a proibição da propriedade cruzada de empresas de mídia imposta pela Comissão Federal de Comunicações americana.
‘A solução para problemas como a comercialização irregular e a privatização não está no controle estatal da mídia, mas em um maior senso de responsabilidade e em uma maior regulamentação, de acordo com os critérios de serviço público’, ele escreveu no documento de Instrução Pastoral ‘Aetatis Novae’.
Na frase imediatamente abaixo desta anterior, no entanto, João Paulo alerta que a ‘intervenção governamental [na mídia] continua a ser um instrumento de opressão e exclusão’.
A tensão entre liberdade individual e responsabilidade da mídia era um tema constantemente explorado pelo papa. Para ele, a liberdade individual de expressão era não apenas um direito natural do homem, mas também, como dito na encíclica ‘Communio et Progressio’, ‘uma função social’ desempenhada pelas pessoas que falam livremente.
Comunicadores imperfeitos
Em 1999, no Dia Mundial das Comunicações Sociais, João Paulo II enalteceu os jornalistas, chamando-os de ‘testemunhas da verdade sobre a vida, sobre a dignidade humana, sobre o verdadeiro significado de nossa liberdade e interdependência mútua’.
Ao mesmo tempo, ele tinha plena consciência das falhas dos jornalistas e da imprensa em geral. O Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, criado para coordenar as ações de comunicação da Igreja, lamentou, na declaração ‘Ética nas Comunicações’, publicada em 2000, que o uso de ‘estereótipos – baseados em raça, etnia, sexo, idade e outros fatores, incluindo religião – seja absurdamente comum na mídia’.
O Conselho condenou a tendência da mídia em classificar a qualidade de seu trabalho em meros números e em se concentrar no lucro financeiro. Em uma passagem do documento que tem ainda mais relevância nos dias de hoje – quando a indústria da imprensa investe cada vez mais em publicações segmentadas – o Conselho Pontifício dizia que ‘a exploração dos nichos é legítima, até certo ponto’.
‘Mas a diversificação e a especialização – que levam a mídia a se estruturar para atender segmentos cada vez menores do público, identificados por fatores econômicos e padrões de consumo – não devem ser exageradas’, escreveu o Conselho. Os leitores foram lembrados de que João Paulo, na encíclica ‘Redemptoris Missio’, pedia que a mídia fosse um ‘fórum para a troca de idéias e informações, unindo pessoas e grupos, fomentando solidariedade e paz.’
João Paulo foi o primeiro papa na era da internet – e o primeiro a alertar para suas desvantagens: ‘a perda do valor da informação, a homogeneização de mensagens, reduzidas a informação pura, e o desencorajamento das relações pessoais’.
Políticas exemplares
O papa encorajava os católicos a serem críticos da mídia e também seus entusiastas. No documento Familiaris Consortio, ele declarou que os pais devem ensinar seus filhos a se tornarem leitores com discernimento e espectadores da mídia.
E ainda que certos bispos dos EUA – envolvidos em um escândalo de pedofilia, há alguns anos – pudessem resistir a esta recomendação, o Conselho Pontifício de João Paulo declarava que as políticas de comunicação da Igreja devem ser ‘exemplares, refletindo os mais altos padrões de veracidade’.
‘Aqueles que representam a Igreja devem ser honestos e diretos em suas relações com os jornalistas’, declarou o Conselho.
João Paulo tinha pensamentos conflitantes sobre o cruzamento da imprensa com a religião. Não causa surpresa saber que o papa mais midiático da história dizia que ‘a vida religiosa de muitas pessoas é enriquecida pela mídia’ quando ela, por exemplo, noticiava suas viagens às mais diversas regiões do planeta. O Conselho Pontifício repreendia líderes religiosos por ‘tomarem um ponto de vista julgador e negativo da mídia, falhando em entender que os aspectos básicos do bom jornalismo, como objetividade e equilíbrio, poderiam evitar que os interesses institucionais da religião recebessem tratamento diferenciado’.
Por outro lado, o Conselho também lamentava a inclinação dos jornalistas em ignorar ou marginalizar idéias religiosas, ‘tratando religião de forma incompreensível, talvez até desprezando-a, como um objeto de curiosidade que não merece tanta atenção’.
Escolhas indefensáveis
Acima de tudo, este papa reivindicava que a mídia e seus profissionais levassem suas responsabilidades a sério. ‘Diante de graves injustiças, simplesmente dizer que seu trabalho é reportar os fatos como eles são não é o bastante para os comunicadores’, escreveu o Conselho. ‘Isto é, sem dúvida, o seu trabalho. Mas alguns casos de sofrimento humano são ignorados pela mídia, enquanto outros são noticiados; à medida que isso reflete as decisões tomadas pelos comunicadores, reflete também escolhas indefensáveis.’
Em ‘Communio et Progressio’, João Paulo II chamou Cristo de ‘o comunicador perfeito’, e citou o alerta de Cristo, contido do Evangelho de São Mateus (12:37), para todos nós, comunicadores imperfeitos:
‘Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado.’