Artigo do advogado especializado em liberdade de imprensa James Goodale para The New York Review of Books [7/8/05] condena o relatório da comissão instituída para investigar a reportagem do programa 60 Minutes Wednesday em que George W. Bush foi acusado de receber tratamento privilegiado quando serviu a Guarda Nacional Aérea do Texas, nos anos 70. A matéria, apresentada por Dan Rather poucos meses antes da eleição presidencial, baseava-se em documentos cuja autenticidade até hoje não se pode comprovar.
O relatório foi produzido por uma equipe comandada pelo ex-procurador-geral Dick Thornburgh e pelo ex-presidente da AP, Louis Boccardi, e condena a forma precipitada como o material foi levado ao ar. No entanto, segundo Goodale, é ‘falho’, e ‘não deveria ser aceito de forma acrítica como o fizeram a imprensa e os comentaristas de televisão’.
Relatório problemático
O autor aponta uma lista de problemas que comprometem seriamente a credibilidade do documento, a começar pelo fato de que a comissão foi incapaz de verificar se os documentos supostamente escritos pelo superior de Bush na época, o tenente-coronel Jerry Killian, e apresentados na CBS, são realmente falsos como os partidários do presidente alardeiam. E, se não forem, para que serviu a investigação?
Além disso, ficou minimizado o fato de que parte das alegações da reportagem do 60 Minutes são verdadeiras. Bush de fato não fez um exame médico a que todos os pilotos se submetem e Killian ficou contrariado quando ele decidiu transferir-se do Texas para o Alabama, pois muito já havia sido investido em seu treinamento. O major-general Bobby Hodges, com quem a produtora da reportagem, Mary Mapes, confirmou estes fatos, posteriormente opinou que os documentos apresentados pela CBS eram falsos, mas nunca desmentiu que o presidente recebeu tratamento privilegiado.
A comissão ataca ainda os peritos que avaliaram os papéis recebidos por Mary. Dos quatro especialistas consultados pela produção do programa, dois disseram que as assinaturas contidas neles seriam autênticas. Das outras duas peritas, uma disse que as firmas não conferiam e outra respondeu que não poderia tirar nenhuma conclusão pois os documentos eram apenas cópias. Os dois que atestaram sua autenticidade até hoje não mudaram de opinião. Um deles afirma que está sendo difamado pela comissão e o outro nunca foi ouvido por ela. Como, então, os investigadores podem condenar o trabalho de um perito sem dar-lhe chance de explicar em que fundamentou suas conclusões? E, além disso, se a comissão tem capacidade de determinar que os quatro peritos não eram qualificados para avaliar os documentos, por que não conseguiu seus próprios especialistas para examiná-los e descobrir se são verdadeiros ou falsos?
Os investigadores criticam também que a produtora Mary Mapes não tenha conseguido rastrear a origem dos documentos, que lhe foram entregues pelo tenente-coronel Bill Burkett. Ele mentiu sobre de quem os havia conseguido e exigiu que, em troca de entregá-los, fosse colocado em contato com a cúpula da campanha do presidenciável democrata John Kerry. Mary foi amplamente criticada por ligar ao Partido Democrata para atender a solicitação de Burkett, mas o fez apenas para conseguir as cópias, não entregando-as aos rivais políticos de Bush, como se criticou. Os democratas, assim como os republicanos, só ficaram sabendo do teor do material que a CBS tinha em seu poder quando a reportagem foi ao ar.
Para montar o quebra-cabeça dos documentos que lhe entregou o tenente-coronel, a produtora os cruzou com outros que conseguira do governo através da Lei de Liberdade de Informação. A comissão admite que ao menos três dos papéis entregues por Burkett se encaixavam perfeitamente com o material conseguido anteriormente pela jornalista, que já investigava essa história havia anos. Ela entregou a Thornburgh e Boccardi um texto de quarenta páginas em que explica suas conclusões, mas, por algum motivo, eles resolveram não incluí-lo nas mais de 700 páginas de anexos de seu relatório e rebateram os argumentos de Mary com base nos argumentos de três oficiais que serviram junto com Bush. Não informaram Rather e a produtora de que entraram em contato com esses militares, negando-lhes a possibilidade de argumentar que se tratam de apoiadores ou até mesmo amigos de Bush.
Segundo Goodale, um dos principais problemas do relatório, assinado por Boccardi, Thornburgh e sete outros advogados do escritório deste, é que está escrito em linguajar jurídico. Se tivesse sido escrito majoritariamente por jornalistas (destas nove pessoas, apenas Boccardi é profissional de imprensa), teria saído melhor. ‘Fico tentado a dizer que esse relatório tem tantas falhas quanto o próprio conclui haverem existido na reportagem que Dan Rather exibiu na CBS’.