Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Ser honesto não basta: é preciso parecer

O que é mais importante para a população: um jogo de futebol ou informações sobre uma epidemia de dengue? Esta pergunta decorre da forma como os dois jornais mais lidos no Rio de Janeiro, O Globo e Extra, trataram estes dois temas nas suas primeiras páginas, na edição de 25 de abril de 2012. É importante destacar que estes veículos detêm mais de 70% dos leitores deste tipo de mídia. Por mais incrível que pareça, a epidemia de dengue na cidade do Rio de Janeiro, que já atingiu mais de 50 mil pessoas, resultando até agora em 12 mortes, foi considerada um tema menor, comparativamente ao resultado da partida de futebol entre os times do Barcelona, da Espanha, e o Chelsea, da Inglaterra, e relegada ao pé das primeiras páginas destes veículos.

Ao contrário do jornal O Dia, que teve como manchete principal, na mesma data, o crescimento dos casos da doença e os falecimentos na cidade. Como a competência e a experiência jornalísticas dos editores de O Globo e do Extra são inquestionáveis, é natural que os leitores sejam levados a pensar que fatos poderiam ter influenciado na valoração equivocada dos assuntos.

Na edição do jornal O Globo do dia seguinte (26/4), a leitura do editorial sobre a epidemia de dengue e de matéria sobre a realização de grandes obras, na cidade do Rio, pela empreiteira Delta – investigada pela Polícia Federal como envolvida em possíveis “malfeitos” e alvo de uma CPI, no Congresso Nacional –, faz surgir indícios quanto aos motivos do equívoco do dia anterior. Os textos omitem o nome do prefeito Eduardo Paes, que é citado em outras matérias amenas na mesma edição, ao mesmo tempo em que minimizam os problemas nas áreas de saúde pública e de obras. Num caso, destacando a quantidade mais baixa de casos e a menor letalidade da doença e noutro, com fontes não identificadas da Prefeitura garantindo os prazos das obras.

O comportamento editorial

Naturalmente, este comportamento dá ao leitor o direito de entender que há uma política editorial determinada a “blindar” o já anunciado candidato à reeleição, evitando vincular o nome de Eduardo Paes a eventos com possibilidades potenciais de repercussão eleitoral negativa.

Embora um dos tópicos dos “Princípios Editoriais das Organizações Globo”, divulgado com alarde pela imprensa escrita, falada e televisada, além da internet, afirme que “as Organizações Globo são independentes de governos e os seus veículos devem se esforçar para assim ser percebidos”.

Perfeito. No entanto, o comportamento editorial, principalmente do jornal O Globo, já há algum tempo tem levado os leitores a perceberem de outra forma, além de relembrar Pompeia, a mulher de César, cujo comportamento propiciou ao imperador, segundo o historiador Suetônio, cunhar a frase “não basta ser honesta, é preciso parecer”.

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[Marcus Miranda é jornalista]