Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Thiago Uberreich

‘Domingo, dia de clássico paulista entre São Paulo e Corinthians, no Morumbi. As ondas do rádio se incumbem de levar aos ouvintes os detalhes de mais uma rodada do futebol. Na Rádio Record (AM 1.000 kHz), o narrador Fiori Giglioti cumpre uma rotina de meio século de carreira. O bordão é sempre o mesmo: ‘Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo’. Mas, durante um merchandising e outro, o experiente locutor menciona a Igreja Universal do Reino de Deus, proprietária da emissora. Esse é apenas um exemplo de como a religião tomou conta do dial do rádio. Basta ligá-lo, fazer uma pequena busca, para logo encontrar uma programação religiosa.

O rádio é, antes de tudo, um veículo democrático que atinge todas as camadas da população. É uma ótima ferramenta para difundir as idéias das igrejas e conseguir o maior número de adeptos. O professor Luiz Santoro, doutor do departamento de jornalismo da USP e especialista em rádio, explica que o meio é perfeito em razão da sonoridade. ‘Os cultos dependem do áudio e o rádio se adapta perfeitamente a isso’, diz Santoro. A pesquisadora de rádio Sônia Virgínia Moreira, professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que a migração das rádios para as mãos de grupos religiosos começou nos anos 80. ‘Pelo alto poder financeiro, esses grupos começaram a alugar horários nas rádios que, por dificuldades financeiras, sempre cederam espaço. O aumento da audiência fez com que os religiosos obtivessem votos para chegar a uma cadeira no Congresso Nacional. Como deputados ou senadores, sempre fica mais fácil conseguir a concessão de uma emissora de rádio, passando de locatários a proprietários’, lembra Sônia. A professora acha difícil estimar a audiência e o número de emissoras no País que estão nas mãos dos grupos religiosos: ‘É impossível, isso porque ainda existem as rádios piratas e as comunitárias’.

Entre as emissoras paulistanas que estão em FM, ao menos 22% têm programação exclusivamente dedicada à religião. No AM, o número é ainda maior: cerca de 40%. Somando AM e FM, chega-se a uma estimativa de 30%. Mas o cenário é muito mais complexo. Nessa estatística, ficam de fora as rádios que não se dedicam 24 horas por dia à religião. É o caso da própria Record AM, que, como a TV Record, tem uma grade diversificada e abre espaço para a religião em alguns horários, principalmente de madrugada. Outra emissora é a Rádio Globo (1100 AM) que possui uma das maiores audiências da capital, de acordo com o Ibope (mais de 100 mil ouvintes por minuto). O padre Marcelo Rossi tem um programa de segunda à sexta-feira, das 9 às 10 horas. Ele comanda também aos domingos a Santa Missa, das 5h50 às 7horas.

Antonio Celso Pinelli, presidente da União de Radiodifusão Católica Brasileira, acredita que a Igreja Católica acordou tarde para difundir suas idéias pelo rádio, ao contrário das evangélicas. ‘O brasileiro não vive sem rádio, é o que chega mais rápido. É um veículo mais prático’, afirma Pinelli. Freqüentadores das igrejas evangélicas encaram o rádio como um ‘companheiro divino’. A operadora de telemarketing Perla Gomes Leal é freqüentadora da Igreja Batista e ouve cerca de uma hora de rádio por dia: ‘Ouço a Nossa Rádio (FM 91,3 MHz) e a Manchete Gospel (FM 88,5 MHz). A programação é bem diversificada com música e pregações’. A dona de casa Cidelsina Lima da Silva ouve no rádio as músicas que acompanha nos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus: ‘É muito bom, eu canto em casa as mesmas músicas que eu ouço no culto’. Procuradas pela reportagem, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer em Cristo, consideradas as duas maiores evangélicas do país, não quiseram fazer comentários, nem informar quantas emissoras de rádio possuem pelo País.’



Keila Jimenez e Taíssa Stivanin

‘Na fé teleguiada, cultos e rebanhos se multiplicam’, copyright O Estado de S. Paulo, 17/04/05

‘Em 2000, a TV brasileira exibia, em média, nove horas de programas religiosos por dia. Hoje, a fé consome uma fatia que ultrapassa as 20 horas de programação diária. Além do salto em volume de exposição, a religião na TV ganhou alcance de público. Inicialmente acostumados a horário ingratos – entre 5 horas e 8 horas da manhã, período mais barato para locar horário na TV -, os templos eletrônicos estão atualmente na faixa nobre e disputam espaço com programas jornalísticos, talk-shows e novelas.

O caso mais clássico é o da Bandeirantes, rede comercial aberta que vendeu a faixa das 21 às 22 horas ao Show da Fé, da Igreja Internacional da Graça de Deus, cujo chefe do rebanho é o bispo e showman R.R. Soares. Publicitários e executivos de TV calculam que Soares injete na Band, por mês, algo em torno de R$ 2,5 milhões pela vaga na faixa nobre. Se o programa fosse de madrugada, o custo seria cerca de R$ 150 mil. E, se a Band tivesse de vender os intervalos comerciais dessa faixa para qualquer outra atração, faturaria perto de R$ 500 mil.

Isso explica por que a rede dos Saad se dispõe a interromper a programação no ponto mais crucial para sua audiência noturna: além de afastar a platéia que a emissora consegue reunir no Jornal da Band e na novelinha Floribella, R.R. Soares não atrai um número suficiente de fiéis para engordar o Ibope da rede – mas não custa lembrar que um ponto de audiência na Grande São Paulo, patamar que Soares às vezes chega a alcançar, já significa muito: são 49,5 mil domicílios, só nessa região, sintonizados no seu culto.

A TV Gazeta, que há tempos vem rifando seus horários entre programas de televendas e religiosos, fechou um negócio milionário em 2003 com a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, dono da Record. Exibe programas evangélicos das 6 às 8 horas e das 20 às 22 horas. Com isso, alega que fecha suas finanças no azul. A CNT está em situação parecida.

O aumento do espaço dedicado à igreja de Edir Macedo na concorrência foi se desenhando à medida que a Record botava em prática a estratégia de desvincular sua imagem da Igreja Universal. De alguns anos para cá, programas religiosos na Record só vão ao ar na faixa da madrugada – são cerca de 4 horas diárias. Mas, para não desprezar os fiéis que abastecem seus templos, Macedo vê vantagens em pagar por um bom horário na Gazeta e também despeja atrações do gênero em sua outra emissora, a Rede Mulher (29 – UHF), de alcance bem inferior ao da Record.

Mesmo buscando maior crédito no mercado publicitário e tentando se livrar do estigma de ‘TV do bispo’, a Record não se rende a outros credos. A nova versão de Escrava Isaura, produzida pela emissora, teve raras referências à umbanda. A Record foi, entre as TVs comerciais abertas brasileiras, a que menos noticiou a morte do Papa João Paulo II.’



MEDICINA, MÍDIA & FRAUDE
Salvador Nogueira

‘Empresa alega engano em caso de fraude’, copyright Folha de S. Paulo, 16/04/05

‘A empresa de comunicação que serviu de intermediária entre a companhia farmacêutica britânica AstraZeneca e a médica americana Adriane Fugh-Berman no caso que levou à denúncia de uso de ‘ghostwriters’ (autores-fantasmas) em estudos científicos diz que tudo não passou de um engano. O editor da revista científica em que a denúncia foi publicada, no entanto, descarta a hipótese.

Adriane Fugh-Berman, uma pesquisadora da Universidade Georgetown, nos EUA, diz que foi contatada pela Rx Communications, trabalhando em nome da AstraZeneca, em meados do ano passado. No contato inicial, a empresa teria tentado recrutá-la para assinar um estudo que Fugh-Berman não escreveu, ocultando uma ligação entre os resultados e interesses da indústria farmacêutica. Ela recusou a proposta.

Meses depois, foi convidada pelo ‘Journal of General Internal Medicine’ para dar um parecer sobre um artigo. Constatou que era o mesmo que havia sido oferecido a ela. O ‘JGIM’ decidiu não publicá-lo e, em vez disso, saiu com um artigo de Fugh-Berman recontando todo o caso.

Anteontem, a AstraZeneca negou que o artigo em questão, que falava sobre interações entre ervas e um medicamento anticoagulante chamado warfarin, tenha sido fruto de ‘ghostwriting’, embora confirme que ‘a maioria das companhias farmacêuticas, incluindo a AstraZeneca, usa escritores profissionais para auxiliar no desenvolvimento de manuscritos’.

A Rx Communications agora também apresentou suas justificativas. ‘Podemos confirmar que nenhum dos artigos mencionados pela dra. Fugh-Berman foi escrito sob falsa identidade’, disse à Folha Ruth Whittington, porta-voz da empresa de comunicação. ‘Por engano, enviamos uma versão de um artigo de um autor nosso para a dra. Fugh-Berman. Já pedimos desculpas por esse erro há alguns meses, e a explicação de como isso foi acontecer foi dada à dra. Fugh-Berman, ao ‘JGIM’, ao autor e à AstraZeneca.’

A AstraZeneca, embora tenha sido supostamente informada do engano pela Rx Communications meses atrás, não mencionou nada disso em sua primeira reação à denúncia de Fugh-Berman.

Mesmo assim, a Rx mantém sua versão. ‘Nós refutamos as alegações no artigo [de Adriane Fugh-Berman] e tanto o jornal [esta Folha] quanto a dra. Fugh-Berman publicam esses comentários por sua conta e risco’, declarou Whittington, por e-mail.

Editor contra-ataca

William Tierney, editor do ‘JGIM’, confirmou que a Rx Communications havia mencionado o engano, depois que a revista científica contatou a autora que terminou por concordar em assinar o estudo, depois que Fugh-Berman recusou-se.

No entanto, ele diz ter razões para crer que não houve engano algum. ‘Nós não acreditamos nisso na época e eu ainda não acredito, por três motivos’, disse o editor à Folha. ‘Primeiro, o manuscrito era da área de especialidade dela [Fugh-Berman]. Quanta coincidência é preciso para enviar por engano esse manuscrito em particular? Segundo, ela nunca enviou outro manuscrito. Se a Rx cometeu um erro, por que eles não enviaram o artigo correto quando ela disse que não ia aceitar seu ‘autora’ do primeiro? Terceiro, temos evidências (mas não provas, pois o manuscrito não foi preservado) de que esse mesmo manuscrito foi oferecido a pelo menos um e possivelmente dois outros acadêmicos para serem o ‘autor’. Eles na verdade tentaram mandar o artigo para várias revistas científicas diferentes recrutando vários ‘autores’. A Rx Communications está mentindo.’

Tierney não pára por aí.

‘Eles também dizem que não houve autoria-fantasma. Ah, é mesmo? A autora do manuscrito original submetido ao ‘JGIM’ admitiu livremente que recebeu um manuscrito-rascunho com citações da literatura revisado pela Rx Communications, que ela então editou e ampliou. É fato que a pessoa ou as pessoas trabalhando para a Rx Communications que redigiram o manuscrito original não foram listadas como co-autoras, nem nos agradecimentos. Isso é, pela minha definição, autoria fantasma. Finalmente, a relação financeira entre esse autor fantasma e a companhia farmacêutica que financiou o artigo de revisão não estava indicada no manuscrito, como é exigido pela política da nossa revista.’’



TODA MÍDIA
Nelson de Sá

‘Elogios dos ricos ‘, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/05

‘No Jornal Nacional de sábado, em manchete, no que foi destaque por todo lado, da Jovem Pan aos sites:

– Política econômica recebe elogios dos países ricos e Palocci pede mudanças no FMI.

Ainda inebriado pelos ‘elogios dos ricos’, o ministro ‘voltou a falar em mudanças no FMI’ e no ‘lançamento de títulos’ para financiar o combate à pobreza ‘no mundo inteiro’, ontem na Globo News.

Mas ‘reconheceu que esse tipo de mudança leva tempo’.

No site do ‘Wall Street Journal’, o destaque da reunião do G-7, dos ‘países mais ricos’, foi para críticas à Argentina.

Aliás, disse o ‘WSJ’, ‘o G-7 inundou de elogios o vizinho para jogar com a intensa rivalidade entre Argentina e Brasil’. Os países ricos querem que o ‘vizinho do sul’ reabra a negociação com os credores.

Em seu favor, registre-se que o Palocci, segundo a Globo, defendeu ‘posição mais construtiva’ na discussão sobre a dívida argentina -o que levou o G-7 a não ‘endurecer ainda mais’.

O encontro de Palocci com o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, segundo ‘O Globo’, ‘foi de arrebentar o coração’, de tanto elogio. Um texto ontem no ‘New York Times’, traduzido no UOL, ajuda a compreender:

– Muitas discussões sobre o preço do petróleo, a inflação puxada pelas matérias-primas e o crescente déficit dos EUA abrem e fecham com os BRICs.

A saber, Brasil, Rússia, Índia e China, ‘países que produzem e consomem quantidades prodigiosas de matérias-primas’.

Mas não, os quatro não são os culpados, para os EUA:

– O enfoque [nos BRICs] obscurece economias sólidas, antigos parceiros americanos. Claramente, o crescimento lento do Japão e da Europa prejudica as exportações dos EUA.

SENHOR GRAFITE

Na transmissão do jogo do São Paulo, ontem à tarde, lá estavam a faixa contra o racismo e o atacante Grafite sendo entrevistado por um repórter negro da Globo. No Fantástico, depois, uma curta entrevista com Desábato, o zagueiro argentino. Ele disse que chorou na cela ao ser ‘tratado como um delinqüente’:

– Eu não havia roubado, não havia matado, agredido ninguém. [Não tenho] nada contra o senhor Grafite.

A apresentadora Glória Maria fechou o bloco relatando, com um sorriso, que o Quilmes, clube de Desábato, havia sido goleado ontem pelo River Plate. Na arquibancada, a imagem de uma nova faixa da torcida, com os dizeres:

– Grafite macaco?

E segue o debate na web. Marcelo Tas, no blog do UOL, opinou que Grafite, ao ‘acusar o argentino de racismo, passou do ponto’ -e acabou inundado por 300 mensagens de, segundo ele, ‘apedrejamento’. Já Paulo Markun, no blog do Terra, saudou que ‘desta vez a atitude racista deu cadeia’. No site Carta Maior, a procuradora Flávia Piovesan, professora de direito na PUC-SP, foi além:

– O caso de Grafite revela imenso impacto pedagógico no combate ao racismo. Contudo, a diligente resposta dada pelos agentes públicos, que aplicaram devidamente a lei, não compõe a regra, mas a exceção -explicada tanto pelo perfil da vítima como pelo espetáculo televisivo.

O próximo

Diversos jornais americanos, como o ‘Miami Herald’ e o ‘Seattle Times’, publicaram ontem a mesma longa reportagem, de um enviado ao Brasil, chamando a atenção para as ameaças ao padre francês Henri des Roziers, na Amazônia:

– Depois do assassinato a sangue frio da freira americana Dorothy Stang, o padre surgiu como o próximo alvo dos grandes donos de terras, sequiosos em destruir a floresta tropical e abrir pastos para o gado.

Oba-oba

Do blogueiro tucano Eduardo Graeff, depois que o Brasil ‘saiu do páreo pela OMC’:

– Sabe a diferença entre oba-oba e liderança? Lula ainda não.

Mas ele ganhou nova chance de provar que a política externa não é só ‘oba-oba’. O ‘Financial Times’ noticiou o esforço chileno, no ‘páreo’ pela OEA.

Hoje, o presidente Ricardo Lagos almoça com Lula para pedir que convença o Paraguai a votar no candidato chileno -e não no mexicano, pró-americano.

ESPERANÇA

Segundo o JN de sábado, ‘a maior chacina do Rio completou duas semanas, e a esperança de justiça é o que conforta os parentes dos 29 mortos’. No caso, a esperança em um projeto de lei, que levarão ao Congresso nos próximos dias, que ‘responsabilize os comandos dos batalhões por crimes cometidos por policiais militares’.

E já tem mais. Segundo o Jornal da Band, em manchete, e as agências Itar-Tass e Novosti, nos sites em inglês, ‘policial é suspeito de matar um turista russo no Rio’.’