Nos últimos anos, este Observatório publicou diversos artigos a respeito da pertinência de se exigir ou não um diploma de graduação específico aos profissionais do jornalismo (para um exemplo recente, ver “Em defesa do diploma de jornalista”).
No que segue, gostaria de chamar a atenção do leitor para um problema algo parecido: a formação acadêmica dos meteorologistas. Desde 2009, alguns profissionais da área têm discutido entre si uma proposta que altera a regulamentação da profissão de meteorologista. Curiosamente, porém, a questão ainda não foi devidamente tratada (ao menos até o momento) pela imprensa. É uma falta que soa como omissão: afinal, temas e assuntos meteorológicos aparecem com destaque no noticiário todos os dias.
A experiência prática nos mostra que o tempo atmosférico muda com o tempo cronológico. “Tempo atmosférico” (ou simplesmente “tempo”) é expressão usada em alusão às condições atmosféricas vigentes em uma dada região durante um período de tempo cronológico relativamente curto – horas, dias ou semanas, por exemplo. Tal expressão não deve ser confundida com o termo “clima”. Este último é usado para se referir a uma síntese das condições atmosféricas vigentes em determinada região durante períodos prolongados de tempo cronológico – anos, décadas ou séculos, por exemplo.
O estudo do tempo atmosférico é tarefa da meteorologia, a ciência que lida com a estrutura física, a dinâmica e a composição química da atmosfera. O estudo do clima é tarefa da climatologia, uma ciência que se ocupa em descrever e explicar os diferentes padrões de tempo atmosférico observados em nosso planeta. Saber quais são as chances de que haja chuva no próximo fim de semana, por exemplo, é um problema de meteorologia; saber se o verão em determinado lugar é úmido ou seco (e conhecer as razões disso) é uma questão de climatologia. Em termos acadêmicos, a climatologia costuma ser tratada como uma subárea da meteorologia.
O PL 5.872/2009
Existem relativamente poucos meteorologistas graduados no país. Parte da explicação para isso tem a ver com o reduzido número de cursos de graduação em funcionamento – entre as poucas universidades que oferecem cursos de graduação em Meteorologia (ou equivalente) estão a Universidade do Estado do Amazonas, as universidades federais de Alagoas, Campina Grande (PB), Pará, Pelotas (RS), Rio de Janeiro, Santa Maria (RS) e a USP. A profissão foi regulamentada em 1980 e, desde então, os profissionais da área estão subordinados ao Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea).
Na opinião de alguns profissionais, no entanto, o exercício da profissão de meteorologista carece de uma melhor definição, havendo proposta legislativa (PL 5.872, de 2009) para que se crie o título de engenheiro meteorologista. (Para mais detalhes, visite o fórum de discussãoiniciado pela Sociedade Brasileira de Meteorologia aqui. A notícia mais recente que consegui localizar a respeito da situação do referido PL no Congresso Nacional falava em “arquivamento” – ver aqui.)
A origem do problema, ao que parece, tem a ver com o fato de que, entre concluintes de outros cursos de graduação, além do de Meteorologia, têm sido reconhecidos e atuam como meteorologistas. É o caso de engenheiros agrícolas, geógrafos, agrônomos e físicos que decidiram se especializar na área. De acordo com os termos da Lei no. 6.835, de 14/10/1980, que dispõe sobre o exercício da profissão, esses profissionais (e alguns outros) poderiam atuar como meteorologistas.
Questão melindrosa
A ideia seria reverter a situação. De acordo com a PL 5.872, seriam doravante reconhecidos como engenheiros meteorologistas apenas e tão somente aqueles profissionais que tivessem concluído o curso de graduação em Engenharia Meteorológica, a nova designação a ser dada aos cursos de Meteorologia. A expressão “engenheiro meteorologista” seria então reservada aos concluintes do novo curso, de sorte que o termo “meteorologista” passaria a ter uma significação meramente informal, abrangendo todo e qualquer estudioso ou pesquisador da meteorologia. Por exemplo, os futuros graduados em Física ou Engenharia Agrícola que viessem a se especializar em Meteorologia poderiam ser tratados como meteorologistas, mas não seriam reconhecidos como engenheiros meteorologistas e, portanto, não poderiam exercer a profissão.
Em resumo, “engenheiro meteorologista” seria o novo nome da profissão, enquanto “meteorologista” permaneceria como uma qualificação a ser atribuída a um conjunto mais amplo e heterogêneo de estudiosos e pesquisadores. Deixando de lado certos aspectos formais (por exemplo, se a designação “engenheiro meteorologista” seria ou não a mais apropriada), penso que algo parecido ocorre em outras carreiras profissionais. Veja o caso da genética, uma subárea da biologia. Físicos ou agrônomos que se especializam em genética podem ser tratados como geneticistas, mas não como biólogos. Entre nós, a designação de “biólogo” depende da posse de um diploma de graduação específico; por sua vez, “geneticista” é um termo mais informal, usado para designar estudiosos ou pesquisadores da genética, os quais podem ser biólogos ou não.
(Espero que os colegas meteorologistas não se sintam ofendidos por alguém de outra área se manifestar publicamente a respeito de um problema que aparentemente é “interno”. Não acho que seja esse o caso, mas me manifesto aqui por outros motivos. Em primeiro lugar porque sou um admirador da meteorologia e um crítico da posição secundária que a disciplina ocupa hoje nos currículos escolares. Em segundo lugar porque participei de discussões a respeito da regulamentação da minha própria profissão, 30 anos atrás, e sei como essa luta é difícil e melindrosa.)
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[Felipe A. P. L. Costa é biólogo e autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003)]