Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Eduardo Ribeiro

‘Há alguns dias fomos surpreendidos com a notícia de que o colega Nirlando Beirão estava de volta à linha de frente do jornalismo, como titular de uma coluna de três páginas na Carta Capital. Felizes, portanto, os leitores da revista dirigida por Mino Carta que terão o privilégio de acompanhar, de agora em diante, o trabalho de um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, que, desde a saída de Playboy, não ocupava um espaço tão nobre na mídia brasileira.

Nirlando é desses profissionais que fazem falta em qualquer equipe e quando chega é garantia de qualidade, de boa informação, de um refinado texto e tudo aquilo que todos nós, leitores, buscamos num veículo de comunicação, qualquer que seja ele.

Poderíamos lembrar de dezenas de colegas do primeiro time que migraram para outras atividades por não mais encontrarem um espaço decente nas redações brasileiras. Temos, para ficar em apenas alguns exemplos, os casos do Ricardo Noblat (ex-Correio Braziliense), do Clayton Netz (ex-Exame), do Ricardo Setti (ex-Playboy e Diretoria da Abril), do Wagner Carelli, que resolveu montar sua editora, a W11 Editores. Sem contar aqueles que estão por aí, vivendo de frilas ou projetos próprios, quem sabe apostando numa reviravolta no mercado editorial para voltar a dar o ar da graça.

Ou seja, tanto quanto outras atividades, também o jornalismo abriu mão de muitos de seus melhores talentos para defender-se de uma aguda crise, com sacrifício brutal de qualidade. E o fez muitas vezes entregando cargos estratégicos para colegas ainda ‘verdes’ ou sem a necessária vivência para a prática de um jornalismo ousado e ao mesmo tempo prudente, corajoso, sem ser irresponsável ou denuncista, olhando o amanhã, sem se esquecer do ontem.

E se já tínhamos uma crise econômica, com queda de publicidade e alto endividamento das empresas, a situação, para os jornais e revistas, diante desta nova realidade, tornou-se ainda mais perversa por conta da brutal queda de circulação. E por que caiu a circulação? Certamente por conta da queda do poder aquisitivo da população, da concorrência dos meios eletrônicos, da diminuição de leitores dos veículos impressos (afinal, morrem todos os dias leitores de veículos impressos e nascem outros já influenciados pela Internet), mas muito também pela queda de qualidade dos produtos, que pararam de ousar, de instigar, de se contrapor às novas mídias com inteligência e astúcia.

Felizmente o pior da crise já passou e estamos vislumbrando um processo tímido de recuperação econômica. A publicidade está voltando a crescer – timidamente mas está -, o endividamento dos veículos está sob controle, as negociações com o Governo e com o BNDES caminham para uma solução, o que quer dizer que estão dadas as condições para a recuperação da mídia impressa.

Se esta análise estiver correta (e aí fica por conta do ponto de vista de cada um e também dos elementos objetivos do mercado), só dependerá dos veículos reconquistar o público e a circulação. Uma das atitudes que vislumbro para isso será repatriar a experiência para dentro das redações, junto com outros investimentos na formação e na qualificação das equipes atuais e futuras (como a volta do estágio, tão necessário para dar, ao profissional que está chegando ao final do curso, a lapidada final, antes de ingressar no mercado de trabalho).

Há muita gente boa que não resistiria a um convite para voltar ao seu habitat natural. Há também colegas experimentados que continuam desempregados, semi-empregados ou vivendo de frilas, que também querem regressar às redações e que seriam decisivos para retemperar as equipes atuais, contribuindo para uma significativa melhora da qualidade editorial. Sem contar outros que decidiram pendurar as chuteiras, decepcionados com os caminhos trilhados pela imprensa brasileira, mas que também adorariam ter uma nova oportunidade para mostrar como continuam afiados e prontos a dar uma contribuição para esse importante resgate.

Enfim, com mais dinheiro e a perspectiva de recuperação, nossos veículos têm a obrigação de investir em inteligência e equipes para virar o jogo. Muitos desses talentos estão hoje fora do jogo. Temos, pois, um precioso know-how dormente e que faz uma falta danada num momento crucial como o que a mídia vive.

É hora, portanto, de repatriá-los. Eles serão importantes tanto na busca dos novos caminhos, como na formação das novas gerações, que voltarão a ter, como outrora, importantes referências profissionais.’



JORNALISMO & PARCIALIDADE
Elaine Tavares

‘A coragem de ser parcial’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 23/06/04

‘E então é assim pessoal. Ó, presta a atenção! Quando tu és uma jornalista e tens uma posição clara, que tu fazes questão de deixar clara – para que teus leitores saibam de onde tu estás falando, de que lugar epistemológico, de que espaço geográfico, de que postura política – é porque tu és parcial. É porque tu és uma péssima profissional, que não aprendeu nas escolas de jornalismo que é preciso ser ‘neutra e imparcial’. E aí chovem as críticas, feitas inclusive, pasmem (!?) por professores de jornalismo. Gente que, não sem interesses determinados e também parciais, insistem nesses conceitos impostores. E pior, há veículos de imprensa que, se apresentando à sociedade como ‘neutros e imparciais’, calam, censuram e impedem que vozes parciais, honestas, corajosas e verdadeiramente anti-sistêmicas, possam circular.

É um paradoxo!! Mas, facilmente entendível. Estou falando do que aconteceu com a escritora Urda Klueger, cronista do jornal Diário Catarinense, em Florianópolis, Santa Catarina. Ela não é jornalista, mas ocupava uma coluna no jornal, justamente uma coluna de opinião, onde, supostamente, ela poderia falar a sua opinião. Os leitores, que não são ignorantes, sabem que, historicamente, uma coluna de opinião é, obviamente, de opinião. Pois ela, dia desses, decidiu falar sobre o massacre, o genocídio, a que está submetido o povo palestino. Contou uma história, falou seu pensar.

Como todo texto polêmico, esse recebeu uma carta de uma leitora, Heloísa Herscovitz, professora do Cursos de Jornalismo da UFSC, praticamente dizendo que ela não poderia externar seu pensamento daquela forma, acusando-a de anti-semitismo e ignorância. A carta foi publicada e Urda voltou a falar do tema na sua coluna, exercendo seu direito ao debate livre e libertário. Pois, essa única carta, provocou uma revolução dentro do jornal e a escritora foi ‘orientada’ a não falar mais sobre o assunto ‘palestinos’. Coisa estranha, né? Só que a Urda nunca foi mulher de agir como cordeiro. Ela disse não! Ela tinha feito um acerto com o jornal de que escreveria o que escreve, carregada de suas convicções. Não iria contemporizar agora. Urda preferiu mandar às favas o DC a abrir mão de seus princípios.

Urda é mulher guerreira, de Blumenau, que desde menininha aprendeu a ver o mundo a partir da vítima. Urda tem a coragem de falar dos negros, dos pobres, dos desgraçados, dos malditos, dos que estão à margem. Urda não se limita a falar de festas, de feijoadas, das viagens da senhora ninguém, que tem gordas contas bancárias. Urda tem idéias, tem princípios, tem sonhos de mundo digno. Urda caminha com os excluídos, com os desvalidos. Urda comunga com eles. Urda fala deles, com eles. Urda é uma dessas loucas, mariazinhas do passo errado, que, quando todos seguem pelo caminho do rebanho, desvia, questiona, subverte.

Urda foi censurada, calada no direito de dizer sua palavra. Urda foi punida por falar do massacre, da vergonha, do terrorismo do Estado de Israel. Na tal carta, a professora de jornalismo diz que Urda não falou dos terroristas que matam pessoas, que só olha um determinado lado. É, Urda, esquecestes mesmo de falar dos homens e mulheres-bomba, que se imolam porque entendem que, às vezes, é melhor morrer que viver na dor. Mas Urda não esqueceu de falar que os palestinos se defendem. Que os palestinos lutam com pedras e estraçalham seus corpos numa desesperada reação. Enquanto Israel ataca com canhões e toda a sorte de armamento de última geração, patrocinado pelos Estados Unidos. Diz a professora, que escreveu para o DC criticando a Urda, que Israel não tem petróleo, por isso, dizer que os EUA têm algo a ver com isso, é bobagem de teorias conspiratórias. A colega não sabe que Israel é a porta de entrada do Oriente Médio? Que ocupa um papel estratégico naquela região? Uma boa jornalista deveria conhecer a geopolítica, mas, enfim… talvez ela seja neutra demais, imparcial demais…

Já Urda, essa louca, sabe. E tem posição sobre isso. Jamais se esconderia por trás de uma capa de neutralidade porque sabe, também, que nada é neutro, nem o sabão OMO. O fato é que foi calada, como são calados todos aqueles que, a despeito de tudo, gritam que o rei está nu. Está certo. As pessoas podem fingir não ver, as pessoas podem acreditar no que quiserem… mas os que vêem não podem ignorar. Urda vê e diz. E que bom que seja assim. Tu que lês o que Urda vê, sabe o que ela defende. Podes discordar até. Agora, e o DC, que se diz neutro, imparcial e democrático? Ele diz que é assim, mas censura, impede a fala, demite. Em quem é melhor a gente confiar? Nos que não escondem sua parcialidade, os que sabemos muito bem o que pensam e no que acreditam ou nos que fingem imparcialidade? É, a gente sabe em quem confiar.

Pois agora é hora de a gente se solidarizar com Urda e dizer a ela que siga firme, com suas convicções, seus princípios, seu compromisso de estar com as vítimas. É de gente assim que precisamos no mundo.’



MÍDIA & JUSTIÇA
Rodrigo Terra

‘Sem silêncio’, copyright O Globo, 24/06/04

‘A expressão publicidade opressiva, criada pelo magistrado americano Oliver Holmes, indica espécie de influência da mídia na formação do convencimento judicial. O Judiciário deve se proteger do arroubo da opinião pública que não tem conhecimento do contexto da ação criminosa, mas que pode prejudicar o trabalho de quem tem a responsabilidade de decidir o caso e distribuir justiça.

Ele identifica como premissa maior inarticulada a sensação de que alguém deva ser punido, mesmo sem se saber por que, contribuindo para contrariar as conquistas fundamentais do Estado de direito, como o direito individual de ser considerado inocente até prova em contrário. A mídia, com o seu poder de penetração, se não for responsável, pode condenar antes do Judiciário e, quiçá, induzi-lo a fazê-lo ainda que injustamente.

Entretanto, a revelação dos fatos colabora para a efetiva responsabilização de quem os praticou e da inibição da sua repetição. Shakespeare já destacava este aspecto da natureza humana quando Hamlet, na dúvida entre ser ou não ser, testa a reação do tio assassino, encenando-lhe o crime que praticara e, ao confrontá-lo com a verdade oculta, quase resolve o dilema que o atormentava.

Realmente, a transparência das instituições é essencial para a democracia, pois a sua fiscalização é a arma de que o contribuinte dispõe para garantir que o poder, que é do povo, somente em seu nome seja exercido. Por isso, a mídia tem uma missão relevante para o aperfeiçoamento institucional e, antes de opressiva, deve ser esclarecedora, praticando a denúncia fundamentada e oferecendo ao público sempre que possível o outro lado da moeda.

A Constituição, atenta às condições necessárias para esta fiscalização, reservou ao MP o poder de defender o regime democrático e municiou-o de poderosos instrumentos. A divulgação do seu trabalho de proteção aos valores fundamentais da sociedade rende resultados admiráveis e algumas vitórias contra o todo-poderoso lobby do poder econômico e da exploração de prestígio.

Apenas para citar dois exemplos, a mobilização da opinião pública nos casos Naya e Celso Daniel permitiu que a apuração dos fatos, pelo MP, contribuísse decisivamente para a realização de justiça. O construtor, quem diria, responde preso a ação penal por diversas fraudes processuais visando a protelar o pagamento de sua dívida com as vítimas do desabamento, enquanto o inquérito que apurava o envolvimento do vulgo Sombra no homicídio do prefeito, precipitadamente arquivado pela polícia, foi reaberto e também preso o principal suspeito, cuja conta corrente registra peculiar movimentação financeira.

Como sustentou Arnaldo Jabor em recente comentário transmitido pela Rádio CBN acerca do assunto, o que os políticos e endinheirados em geral querem mesmo é mais que o silêncio dos inocentes, é o silêncio dos culpados: tramitam pelo Congresso Nacional nada menos que cem projetos de lei visando a reduzir os poderes do MP. Mas, como o STF já cansou de decidir, o direito à privacidade não pode ser invocado para encobrir o crime.

Finalmente, pesquisa do Ibope concluída há pouco demonstra que o MP é a quarta instituição com maior credibilidade no país (58%) e 78% acham que os promotores e os procuradores devem divulgar à população dados a respeito de investigações ou processos em que o Ministério Público esteja atuando, salvo os protegidos por sigilo. Em vez de investir contra a instituição, a sociedade reclama que ela se fortaleça, com a ampliação de seus poderes de requisição e, sobretudo, a escolha pelo voto direto da classe, do procurador-geral de justiça.

RODRIGO TERRA é promotor especializado em direito do consumidor.’