Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vivienne Parry

‘A reunião anual da Sociedade Européia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês) será na próxima semana em Berlim. Não preciso consultar minha bola de cristal; posso com toda a confiança prever as manchetes: ‘Cruzamento de ser humano com ovelha’?

Talvez. ‘Bebê para mulher de 65 anos com transplante de útero’ ou ‘Cientistas anunciam nascimento virgem’? Nenhuma manchete é fantasiosa demais para a ESHRE. Dado ao fato de que virgens só dão à luz meninas, ‘Oficial: Jesus era uma mulher’ pode estar apenas a pouca distância.

É bastante lamentável porque o programa prevê centenas de apresentações de ciência de primeira linha em três dias cheios de atividades. Provavelmente não seremos informados sobre isso e, em vez disso, obteremos uma dose completa de sensacionalismo. Inevitavelmente, a mídia será culpada e enxovalhada.

Houve pedidos, notavelmente por parte do especialista britânico em reprodução Robert Winston, para excluir a imprensa do ESHRE. O professor Winston pertence à linha de frente da medicina reprodutiva. Deve ser mortificante ter sua área da ciência constantemente desvirtuada por hordas raelianas em busca de atenção e mercadores de enriquecimento rápido atraídos para a ciência reprodutiva radical como espermatozóides na corrida para o óvulo.

O motivo dele é compreensível, mas deixar de fora a imprensa não é o caminho a seguir. Uma apreciável parcela da população britânica – e não apenas a que acredita que Diana foi morta pela contra-inteligência britânica – está convencida de que cientistas malucos estão clonando secretamente Saddam numa louca tentativa de dominar o mundo ou engravidando mães de aluguel idosas com bebês de grife.

Mesmo o fato de oferecer detalhes técnicos impossíveis (no caso da clonagem de Saddam: primeiro encontre várias centenas de mulheres, promova uma criação idêntica num local remoto e espere 30 anos) não acaba com as suspeitas. Se uma reunião na qual os maiores especialistas mundiais discutem a reprodução for fechada para a imprensa, será ainda mais difícil assegurar a um público cético que tais coisas não estão acontecendo. A confiança é conquistada pela transparência e não pelo sigilo.

Mas a mídia não é a única culpada. A ciência entra em conluio porque a publicidade é importante, especialmente aquela gerada por jornalistas britânicos conhecidos que vão à ESHRE. Sem publicidade para você e sua clínica não haverá um fluxo de casais desesperados prontos a pagar por um fio de esperança de ter um filho. Nem os possíveis grandes doadores para pesquisa aprendem o caminho para sua clínica em vez daquela outra na mesma rua. A tentação de ‘badalar’ um evento é irresistível.’



MÍDIA & NÚMEROS
José Luiz Pastore Mello

‘A mídia e o sorteio da Mega Sena’, copyright Folha de S. Paulo, 24/06/04

‘No início do mês, um felizardo apostador do Rio de Janeiro acertou sozinho o prêmio principal da Mega Sena, ganhando R$ 46,6 milhões, o terceiro maior prêmio já pago desde a criação da loteria, em 1996. Na ocasião, um jornal sensacionalista de São Paulo publicou a seguinte manchete: ‘Não bastasse a Mega Sena, sortudo carioca também acerta 12 quinas e 15 quadras’.

Uma vez que o acertador apostou um único volante com oito números (informação contida no corpo da notícia), será que é correto interpretar, como sugere a manchete, que, além da sorte no acerto da Sena, o apostador também teve sorte de acertar 12 quinas e 15 quadras? Infelizmente temos que informar aos redatores da chamativa manchete que a resposta é ‘não’! Podemos, sim, dizer que o apostador é um grande sortudo por ter acertado a Sena, mas, uma vez tendo acertado o prêmio principal, o fato de ter acertado 12 quinas e 15 quadras deixa de ser questão de sorte e passa a ser uma certeza matemática.

Para analisar o problema sem o uso de fórmulas combinatórias, imaginemos que o apostador tenha marcado os números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 no volante e que os seis números sorteados no concurso tenham sido 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Das 28 possibilidades de combinação de seis dos oito números apostados, apenas uma delas possui os seis números sorteados, que corresponde ao volante com o prêmio principal da Mega Sena.

Note que, das 28 combinações apostadas, várias possuem a quina, como 1, 2, 3, 4, 5 e 7 ou 1, 2, 3, 4, 6 e 8. Outras possuem a quadra, como as combinações 1, 2, 3, 4, 7 e 8 e, ainda, 1, 2, 3, 6, 7, 8. Para calcular o total de apostas com quinas, temos que multiplicar o total de combinações cinco a cinco dos números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 (seis possibilidades) pelo total de combinações um a um dos números 7 e 8 (duas possibilidades). Concluímos, portanto, que 12 das 28 combinações apostadas contêm uma quina.

Para o cálculo das quadras, multiplicamos o total de combinações quatro a quatro dos números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 (15 possibilidades) pelo número de combinações dois a dois dos números 7 e 8 (apenas uma possibilidade). Conclui-se que, por ter apostado oito números em um volante e ter acertado a Sena, necessariamente o ganhador precisa ter acertado 15 quadras e 12 quinas, fato esse que não depende mais da sorte.’