Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A economia, os fatos e as subjetividades

 

As questões dos juros e do câmbio voltam a saltitar diante dos olhos dos leitores de jornais brasileiros nestes dias. Em seu discurso referente ao Dia do Trabalhador, a presidente da República se dirigiu aos bancos privados, cobrando mais contenção em sua sede de lucros, e obteve manchetes da imprensa.

Nas páginas interiores dos jornais, a manifestação presidencial é desviada para opiniões divergentes, predominando a visão segundo a qual um discurso é apenas um discurso – a realidade é a do mercado. Portanto, devemos concluir que a opinião da presidente é apenas uma opinião, e o que vai definir os juros é a competição (ou a falta dela) entre os bancos.

Nesta quarta-feira, dia 2, os jornais destacam a intenção do governo de mexer na remuneração das cadernetas de poupança e a decisão de reduzir o imposto de renda incidente sobre a taxa de Participação nos Lucros e Resultados das empresas. Reduzir ou eliminar o imposto sobre a PLR é uma demanda antiga dos sindicalistas, que não consideram justa a taxação sobre o esforço adicional para aumentar a produtividade das empresas.

Mas, como alerta a imprensa, mexer na poupança é tarefa espinhosa, principalmente em ano eleitoral. No entanto, os especialistas ouvidos pelos jornais afirmam que, sem mudanças na remuneração do meio mais tradicional e popular de salvar economias, pouco se pode fazer para combater os juros elevados.

A mensagem da imprensa nem sempre é explícita, mas busca sempre parecer objetiva. Para cumprir o papel que espera de si mesmo, o jornalismo precisa fugir das subjetividades, ou pelo menos dar ao público a impressão de que se esforça para oferecer respostas objetivas às questões da contemporaneidade.

Mas, curiosamente, a complexidade do nosso tempo tem como uma de suas características o fato de que, quanto mais sabemos, mais abertos temos que ser às dúvidas. No entanto, a leitura diária do noticiário e do opiniário passa a impressão de que o discurso da imprensa é feito de certezas absolutas. Estranha, portanto, que o jornalismo, como exercício institucional ou socialmente institucionalizado de comunicação, procure escapar continuamente à prova de verdade de suas afirmações.

Perseguindo a verdade

O falecido professor e pesquisador de Linguística Antonio Sodré Cancela Cardoso, autor de um instigante estudo intitulado “(O) culto idioma”, costumava alertar seus alunos para o fato de que o jornalista deve perseguir a verdade, “mas não para espancá-la”.

A leitura de alguns textos de economia passa a impressão de que seus autores perseguem a verdade nos indicadores, mas buscam sempre ancorar sua interpretação em “fontes” que assegurem uma interpretação compatível com uma verdade preexistente.

O suposto conhecimento da “fonte” – avalizado pelo próprio jornalista ao selecionar entre as muitas alternativas de saberes – é considerado suficiente para a imposição de uma “verdade mediada”. Mas nada além dessa afirmação assegura que a verdade esteja incluída nesse círculo de poder arbitrário.

Deve-se, então, supor que o jornalismo só encontra a verdade quando renega suas crenças?

Não. O que se afirma aqui é que, assim como o conhecimento científico, o reconhecimento da realidade – essência da busca jornalística – exige o questionamento crítico, não a confirmação de pressupostos. Essa realidade percebida nasce em parte da agenda pública, ou seja, dos temas que vão circular pelos meios de comunicação.

Até o advento da Internet, essa agenda dependia basicamente de iniciativas da imprensa tradicional, ao iniciar ou dar curso a notícias sobre este ou aquele acontecimento. Assim, um determinado assunto vem a público ou permanece sob o foco das atenções durante determinado período – e essa permanência sempre dependeu das escolhas da imprensa.

No cenário atual, muitas questões podem passar a ocupar o tempo das pessoas sem que a imprensa tradicional se dê conta delas. Observe-se, por exemplo, como o tema do mercado de carbono circulou durante mais de dois anos em sites especializados sem que os jornais tomassem conhecimento. Esse mercado deve atingir neste ano o total de US$ 70 bilhões e só muito recentemente a imprensa passou a acompanhar seu desenvolvimento.

A abertura para o novo e o desconhecido talvez seja o principal desafio do jornalismo atual, num ambiente onde o leitor pode instantaneamente encontrar nas mídias digitais fontes de saberes que o ajudem a interpretar os fatos sem depender das mídias tradicionais.