Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Regina Lima

 

Que a mídia tem uma forte influência na formação da opinião pública é indiscutível. De acordo com a pesquisadora Juliana de Brum, “a pauta das conversas interpessoais é sugerida pelos jornais, televisão, rádio e internet, propiciando aos receptores a hierarquização dos assuntos que devem ser falados/pensados” [1].

Seguindo essa linha de raciocínio, muitas das informações que pontuam as conversações cotidianas das pessoas são oriundas da mídia. As opiniões dos comentaristas dos diversos veículos da mídia, por exemplo, repercutem na mente das pessoas quando, sozinhas ou juntas, tentam definir sua posição em relação aos temas “quentes” do momento. A própria escalação dos assuntos que devem merecer sua atenção é parcialmente determinada pela mídia. Esse último aspecto ganhou corpo sob forma daquilo que os pesquisadores denominam da hipótese de “agenda-setting” (ou agendamento)[2]. A teoria explica a relação entre a intensa cobertura de um fato pela mídia e a importância desse fato para a sociedade. Acredita-se que o agendamento acontece porque a imprensa é forçada a ser seletiva ao noticiar os fatos. Os profissionais de notícias atuam como gatekeepers (porteiros) da informação, deixando passar algumas e barrando outras, na medida em que escolhem o que noticiar e o que ignorar. O que o público sabe e com o que se importa em dado momento é, em grande parte, um produto do gatekeeping midiático[3].

Os estudos realizados para testar a hipótese do agendamento descobriram que o efeito tem certas particularidades. Uma é que a durabilidade do agendamento é curta. A tendência é para a atenção das pessoas logo se deslocar para novos assuntos. Outra é que o efeito não é uniforme. As pessoas nas quais o agendamento tem maior impacto são: 1) “pessoas que participam de conversas sobre questões levantadas pelos meios de comunicação social” (ao contrário das pessoas mais introvertidas ou cujas conversas giram mais em torno de assuntos pessoais); e 2) pessoas que têm “uma alta necessidade de orientação”, caracterizada pela combinação de “alto interesse e um alto nível de incerteza”, o que as leva a se expor mais à mídia noticiosa. Em terceiro lugar, o efeito varia de acordo com a natureza do assunto. Quando o assunto “não é envolvente”, ou seja, distante da experiência direta da pessoa, o impacto do agendamento é maior.

É relativamente fácil perceber como, em função dessas características, o agendamento é um fenômeno que se presta à exploração pela mídia comercial como uma estratégia para colocar seus produtos no mercado. Ao darem mais destaque a algumas notícias do que a outras – de preferência sobre assuntos “não envolventes” – os veículos da mídia comercial despertam o interesse nesses assuntos das pessoas cujo nível de interesse em geral por notícias é alto e é maior a dependência delas para resolver suas incertezas – provavelmente maior ainda quando se trata de assuntos em que lhes falta experiência direta para servir de orientação. Esse público fica cativo e é induzido a voltar às mesmas fontes em busca de mais informações, gerando uma espécie de retroalimentação. Ao mesmo tempo os assuntos destacados atraem a atenção das pessoas que são mais ativas no compartilhamento das informações obtidas da mídia com seus pares. Em muitos casos essa característica soma às anteriores, gerando um efeito “bola de neve”, que, junto com a retroalimentação, resulta no aumento da procura das notícias divulgadas pelos veículos responsáveis pelo agendamento. Só que as notícias não são os únicos produtos oferecidos. Nas visitas, o público não apenas encontra as últimas notícias, mas se expõe às mensagens publicitárias das empresas que patrocinam os veículos e à linha editorial que muitas vezes reflete afinidades com grupos políticos e econômicos com os quais os veículos têm vínculos.

Alguns dos mesmos elementos que fazem com que o agendamento funcione também contribuem à sua curta duração. Especialmente quando o nível de incerteza é alto e os assuntos não são envolventes (não envolvem a experiência direta), as pessoas tendem a se contentar com respostas fáceis ou chegam logo à conclusão de que o assunto não tem solução e se cansam do assunto em destaque. Então, está na hora de mudar a agenda, encerrando o ciclo de um assunto e abrindo o ciclo de outro. Os ciclos de notícias destacadas passam a integrar a dinâmica de produção dos veículos da mídia comercial e das expectativas do público receptor/consumidor. O agendamento ainda tem outro aspecto, que é o verso da moeda: a exclusão. Alguns assuntos são omitidos; outros são tratados sem destaque, sinalizando ao público que esses assuntos não têm importância.

Enfim, toda essa discussão sobre a hipótese do agenda-setting foi provocada não somente para entender o padrão de procedimentos típico da mídia comercial, mas para questionarmos como é que mídia pública deverá se comportar? Primeiro, é claro que alguns princípios de organização da pauta têm que existir, não só para facilitar a compreensão por parte do público, mas também para orientar as atividades dos profissionais. Dito isso, quais são os princípios que deveriam ser seguidos em lugar do agendamento e os ciclos de notícias que caracterizam a mídia comercial? Enquanto aguardamos o lançamento do Manual de Jornalismo da EBC – que deve acontecer em breve – podemos anotar alguns princípios e práticas alternativos que poderiam ser levados em conta.

Em primeiro lugar, o respeito à diversidade, um princípio reiterado na lei que criou a EBC e nos estatutos que definiram a estrutura e as finalidades da organização. Para tornar efetivo esse princípio, o trabalho de reportagem se obriga a abrir um leque mais amplo de assuntos e dar-lhes um tratamento mais igualitário do que costuma acontecer onde se adota a estratégia de agendamento.

Em segundo lugar, qual a definição dos critérios de inclusão/exclusão na pauta? Embora a Agência Brasil não adote a estratégia do agendamento, os critérios referentes às fontes – quais as que são ou não aceitáveis – têm consequências na escolha dos assuntos que são abordados. Observa-se que persiste uma preferência por fontes oficiais, o que faz com que a pauta sofra uma grande influência da agenda das autoridades, sobretudo do Poder Executivo, mas também dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Esaa preferência, às vezes, resulta em algo parecido com agendamento. Na Coluna da Ouvidoria de 18/11/2011, intitulada “Uma novela chamada corrupção”, tratou-se de uma demanda na qual uma leitora pediu que a Agência Brasil desse tanto destaque às denúncias de corrupção na Assembleia Legislativa de São Paulo [Alesp] quanto às do Ministério do Esporte: “Eu não vi, nos destaques das notícias, a cobertura do escândalo de corrupção por venda de emendas parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo. Por favor, vocês não podem ‘sentar em cima do caso’ e não dar o mesmo destaque que estão dando para as denúncias de corrupção que envolvem o Ministério do Esporte! … Nós aqui em São Paulo somos completamente órfãos de uma mídia de qualidade; somos manipulados pela mídia convencional, de forma que nunca ficamos sabendo das imundícies e irregularidades que acontecem no estado. Vocês não podem omitir isso do público também, por favor!”

A Agência Brasil respondeu: “Como a própria Alesp não acolheu as denúncias e não instalou uma CPI, não havia fato novo que justificasse a continuidade da cobertura. Estamos atentos ao assunto e, assim que houver fatos novos, retomaremos a pauta.” Mas a votação na Alesp já era um fato novo, digna de alguma cobertura – quem votou a favor, quem votou contra, e os possíveis motivos – e o respeito ao corporativismo da Alesp acaba sendo mais ou menos equivalente a respeitar o ditado de colocar a raposa para vigiar o galinheiro. Como essa, outras demandas que chegam à ouvidoria nos impõem a tarefa de, volta e meia, questionar qual o comportamento que deverá ter uma agência pública de notícias.

Uma boa leitura e até a próxima semana

***

[1]FERNANDES,Juliana de Brum. A Hipótese do Agenda Setting: Estudos e Perspectivas. Razón Y Palavra. Primeira Revista Electrônica en América Latina Especializada en Comunicacion. Novembro, 2003.

[2]A Teoria do Agendamento ou Agenda-setting theory, no original, em inglês, é uma teoria de Comunicação formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw na década de 1970. De acordo com este pensamento, a mídia determina a pauta (em inglês, agenda) para a opinião pública ao destacar determinados temas e preterir, ofuscar ou ignorar outros tantos. As ideias iniciais podem ser creditadas ao trabalho desenvolvido por Walter Lippmann, um proeminente jornalista estadunidense. Ainda em 1922, ele propôs a tese de que as pessoas não respondiam diretamente aos fatos do mundo real, mas que viviam em um pseudo-ambiente composto pelas “imagens em nossas cabeças”. A mídia teria papel importante no fornecimento e geração destas imagens e na configuração deste pseudo-ambiente.A premissa básica da teoria em sua forma moderna, entretanto, foi formulada originalmente por Bernard Cohen em 1963: “Na maior parte do tempo, [a imprensa] pode não ter êxito em dizer aos leitores o que pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar” (pág.13) ( fonte wikipédia).

[3] Pesquisa realizada por Davi Silberstein.