Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O voto e os riscos à democracia

A falta de segurança das urnas eletrônicas é um assunto que vem sendo, desde há algum tempo, explorado por acadêmicos e pesquisadores brasileiros e internacionais. Em recente pesquisa apresentada em congressos internacionais [Rodrigues Filho, Jose; Gomes. Natanael P. E-Voting in Brazil – Exacerbating Alienation and the Digital Divide. Proceedings of the 6th European Conference on e-Government, Marburg, Germany, 2006 (http://www.academic-conferences.org/eceg/eceg2006/eceg06-abstracts.pdf) e Rodrigues Filho, Jose; Alexander, Cynthia C; Batista, Luciano C. ‘E-Voting in Brazil – The Risks to Democracy’. 2nd International Workshop on E-Voting, Proceedings: Electronic Voting 2006, Bregenz, Austria, 2006 (http://www.e-voting.cc/topics/Resources/)], outras questões referentes ao voto eletrônico no Brasil foram levantadas e merecem ser consideradas, uma vez que tratam da alienação, divisão digital e dos enfoques de mercado e da participação dos eleitores no desenvolvimento de um sistema de votação eletrônica, conforme resumo abaixo:

1. Alienação – Com a implementação do voto eletrônico (e-voting) tanto as eleições como os processos eleitorais não são mais controlados pelos eleitores, visto que tanto eles como os seus votos se tornam propriedades daqueles que dirigem os processos eleitorais. Neste caso, o fabricante das máquinas de votar ou multinacionais controlam o sistema como um todo, sendo o eleitor alienado do processo eleitoral. A eleição se torna um fenômeno externo inacessível ao eleitor que não pode mais participar da fiscalização e controle de seu voto.

A transparência, como um princípio básico da democracia, é eliminada, uma vez que não há uma contagem de votos transparente. O mito da eleição como um meio de dar poder ao eleitor é, também, eliminado e o eleitor não é só alienado do processo eleitoral como de seu próprio voto. Políticos americanos, preocupados com as urnas eletrônicas, já argumentam que quem controla as máquinas de votar pode controlar quem ganha os votos.

2. Enfoque de mercado – Quando o acesso a uma tecnologia como urnas eletrônicas é criado pelas forças do mercado ou atores corporativos e não pela sociedade, a democracia está em risco. Tudo indica que o Brasil não tenha as condições econômicas de manter o voto eletrônico e o projeto de urnas eletrônicas não foi uma demanda da sociedade. Quando a introdução de uma tecnologia se dá através da discussão por trás de portas fechadas, com atores corporativos comemorando faturamentos excessivos, e não como resultado de trabalhos de pesquisa e discussão com a sociedade, a democracia também está em riscos.

O voto eletrônico não deve ser considerado como uma prioridade para pessoas que necessitam de alimentos, serviços de saúde e água potável, principalmente quando não contribuí para o empowerment e eliminação de corrupção e fraudes. Sem um mercado para os sistemas de voto eletrônico nos países desenvolvidos e democracias tradicionais, os atores corporativos se voltam para os países em desenvolvimento, como o Brasil. Sendo assim, parece caber resistência ao voto eletrônico. Portanto, no momento, torna-se imperativo identificar e avaliar os riscos das urnas eletrônicas para a democracia. A práxis do voto eletrônico deve abranger questões de equidade, justiça e inclusão social.

3. Enfoque centrado no eleitor – À medida que os campos da Interação Homem-Computador (Human Computer Interaction – HCI) e do Trabalho Cooperativo Apoiado por Computador (Computer-Supported Cooperative Work – CSCW) avançam, as oportunidades de participação no desenvolvimento de sistemas de informação aumentam consideravelmente. No desenvolvimento de um sistema de votação eletrônica, a participação do eleitor ou cidadão é de fundamental importância no processo de diálogo. Neste caso é possível ter diferentes vozes de todas as partes interessadas.

Há uma necessidade de tocar na humanização do sistema de votação eletrônica, de modo que se possa desenvolvê-lo através de um enfoque sócio-político mais elaborado, expandindo o conceito de usuário centrado (user-centered) para um enfoque centrado no cidadão ou eleitor. Neste enfoque de empowerment, as pessoas são vistas como sujeitos e não como objetos, usuários ou clientes. Deve-se evitar um enfoque que signifique o uso e o abuso do usuário do sistema (eleitor). A história do voto eletrônico no Brasil e as relações de poder nele embutidas não foram ainda contadas.

4. Divisão digital – A retórica da divisão digital não leva em consideração questões políticas e de inclusão social. Refere-se apenas às questões de participação na economia digital. Se reformularmos a conceituação da divisão digital, o problema de ‘acesso’ – como o coração da equidade digital – começa a emergir. Há necessidade de se pensar de forma mais reflexiva sobre o discurso dominante da divisão digital e o seu papel em reciclar velhas iniqüidades.

A urna eletrônica não é uma tecnologia com o potencial de transformar vidas, ampliar a democracia e o engajamento dos cidadãos. É uma tecnologia utilizada a cada dois anos, pelo eleitor, durante cerca de dois minutos. Neste caso, tudo indica que o investimento em urnas eletrônicas atende muito bem aos interesses dos atores corporativos, mas amplia a divisão digital e outras divisões existentes na nossa sociedade. Investimentos que venham aumentar a interconectividade da internet em lugares públicos como escolas e bibliotecas e o aumento de investimentos em outros programas sociais podem significativamente ajudar muito mais as camadas sociais mais pobres e ampliar o processo democrático.

No momento, os investimentos em urnas eletrônicas são maiores do que em outros programas sociais. Por exemplo, hoje se gasta mais com as urnas eletrônicas do que com o programa nacional de controle e prevenção de câncer; mais do que o programa de geração de emprego e renda etc., etc. Não há dúvidas de que num futuro próximo surjam as possibilidades de adoção de urna eletrônica segura, bem como de outras iniciativas da democracia e do governo eletrônico. Contudo, precisamos de mais resultados empíricos e a construção de teorias tanto para apoiar como refutar o que está sendo comentado.

Sistema não-auditável

Uma vez que o voto eletrônico não vem sendo utilizado extensivamente nas democracias tradicionais, sendo cada vez mais crescentes os movimentos de resistência, por temer a sua insegurança, é preciso avaliar o uso do voto eletrônico no Brasil e desvendar como ele foi introduzido no país de cima para baixo.

A Inglaterra, depois de vários anos de pesquisa, parece ter abandonado a idéia de voto eletrônico. Ademais, há noticias de que na Europa se inicie uma campanha contra a sua utilização, a exemplo do que recentemente aconteceu na Holanda.

A grande crítica que se faz ao voto eletrônico, do ponto de vista técnico, é que se trata de um sistema que não é ainda auditável. Não podemos esquecer o que disse o senador democrata dos Estados Unidos, Rush Holt: ‘Um sistema de votação que não é auditável contém as sementes da destruição da democracia’.

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Ex-pesquisador na Universidade de Harvard e professor da Universidade Federal da Paraíba; desenvolve pesquisa sobre governo eletrônico e democracia eletrônica no Brasil