Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jogo do não dizer não é exclusividade dos candidatos

Após o início do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) na TV e no rádio, a imprensa brasileira começou a publicar uma série de notícias, reportagens e artigos sobre as estratégias dos candidatos nestes programas. Quase sempre, a tendência é a de criticar os profissionais da área do marketing (pejorativamente chamados de marqueteiros) ao destacar o que foi omitido e as intenções de cada uma das ações. É interessante e elogiável que os jornalistas façam este trabalho. No entanto, gostaria de chamar a atenção para outra questão, já tantas vezes enfatizada, de alguma forma, neste Observatório, especialmente por Alberto Dines. Pergunto: por que toda esta carga crítica sobre o HGPE também não é aplicada em análises sobre o jornalismo?

Quando a imprensa prioriza a crítica ao HGPE, no fundo, está tentando dizer que o conteúdo jornalístico é sempre melhor e mais credível do que o veiculado pelos partidos e candidatos. E mais: advoga que o eleitor vai encontrar, apenas no jornalismo, as informações necessárias para definir seu voto.

Ora, um dos aspectos mais interessantes do HGPE é que ele constitui um espaço para que o candidato diga o que quiser. Os jornalistas produzem os seus textos em função dos chamados critérios de noticiabilidade ou por outros interesses políticos e econômicos das suas organizações. Em geral, isso significa dizer que o jornalismo constrói as imagens sobre a política quase sempre a partir do extraordinário. O ordinário, ou seja, as ações que cada político desenvolveu durante o mandato, quase nunca atendem a critérios e interesses da imprensa.

No jornalismo também

Ao examinar a análise do horário eleitoral feita pela jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, o que estamos dizendo fica evidente. Diz ela, na edição de sexta-feira (18/8):

‘Dessa sobreposição de vetos resultam programas pouco espetaculosos e algo semelhantes em forma e conteúdo (a biografia, o desfile de realizações, o manifesto do candidato), para impaciência do jornalismo, que quer temperatura, e da oposição, que deposita esperança em um ataque frontal a Lula e/ou no resgate dos escândalos de seu governo. Os marqueteiros, porém, estão em outra. Dos dois lados, miram um público que não lê jornais nem mesmo vê os programas do início ao fim ou todos os dias’.

A jornalista, no texto intitulado ‘O jogo de não dizer’, primeiro critica os programas do horário gratuito por omitirem determinadas questões e depois informa que o ‘jornalismo quer temperatura’, ou seja, exatamente aquilo que é extraordinário no campo da política. Se o eleitor tiver apenas informações sobre o extraordinário, poderá ele ter condições plenas de escolher seu candidato? Como poderá saber o que o político realizou? Por estas questões, o horário eleitoral, quase sempre duramente criticado, precisa também ser elogiado.

Já o jornalismo precisa ser mais criticado e analisado, inclusive para que o leitor/telespectador/ouvinte entenda seus mecanismos de funcionamento. Hoje, o eleitor tem acesso a várias discussões sobre os mecanismos do horário eleitoral e pouquíssimos dados sobre os mecanismos do jornalismo. O ‘jogo de não dizer’ também é, intencionalmente ou não, jogado pela imprensa.

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Professor universitário, pesquisador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult/UFBA), autor da tese de doutorado ‘Os estudos sobre mídia e eleições presidenciais no Brasil pós-ditadura’