Há um gritante anacronismo no centro da maioria das instalações dedicadas ao atendimento de encomendas da Amazon.com: corredores e mais corredores de livros antigos. A Amazon estoca esses volumes para os muitos clientes que ainda preferem os prazeres tangíveis de ler em papel. Mas a empresa é inflexível quanto ao aumento da eficiência, e tem à mão uma maneira fácil de eliminar algumas dessas prateleiras: a impressão sob encomenda. Com uma impressora de capacidade industrial e um arquivo de livros digitais fornecido pela editora, a Amazon pode facilmente esperar o momento em que um cliente clica na tecla “faça seu pedido” para imprimir um livro. Essa tecnologia é defendida por aqueles que querem enxugar a divisão de livros – e pode se revelar um ponto de conflito no hipertenso mundo editorial.
O setor de livros não está nem um pouco ansioso para abraçar qualquer nova mudança violenta. O lançamento do Kindle, em 2007, e a insistência da Amazon em oferecer um preço acessível ao cliente para os novos lançamentos, de US$ 9,99 por título, desencadearam uma briga em várias frentes. Os esforços das maiores editoras para contornar a estratégia de preço da Amazon atraíram a atenção do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que recentemente abriu um processo antitruste contra a Apple e cinco editoras de livros em torno de seu suposto conluio para elevar os preços dos livros eletrônicos. [Três editoras encerraram o processo com acordo.] A questão da impressão sob encomenda passou a um segundo plano com o desenrolar desse drama em torno dos livros eletrônicos.
Mas executivos das maiores editoras de livros de Nova York, que pediram para não ter seus nomes citados devido ao monitoramento legal a que está sujeito o setor, dizem que a Amazon pede a eles regularmente que autorizem a impressão sob encomenda para seus títulos mais antigos, de venda mais lenta. Até o momento, eles recusaram, movidos pela suspeita de que a Amazon vai empregar sua capacidade de imprimir sob encomenda para inclinar ainda mais em seu favor os fatores econômicos da atividade de publicação de livros.
Pedir às editoras que migrem para a impressão sob encomenda “é, em grande medida, assumir o controle do setor”, diz Mike Shatzkin, fundador da consultoria Idea Logical, que presta serviços a editoras de livros sobre questões digitais. “Acrescenta alguma margem de lucro, mas também enfraquece o restante do mundo editorial.”
Editoras relutantes
A impressão sob encomenda existe há mais de uma década. Em 1997, a maior atacadista de livros dos Estados Unidos, atualmente conhecida como Ingram Content Group, inaugurou uma divisão chamada Lightning Source para atender editoras que quisessem imprimir um número limitado de exemplares de determinados livros. Em 2005, a Amazon adquiriu uma provedora concorrente de impressão sob encomenda, a BookSurge, e começou a oferecer às editoras a opção de complementar seus estoques com exemplares impressos sob encomenda quando os volumes físicos de um título se esgotam. Atualmente chamada CreateSpace, a subsidiária da Amazon atende, principalmente, editoras pequenas e autores que bancam suas próprias edições. A tecnologia aprimorou-se com o passar do tempo, e os livros impressos sob encomenda são atualmente indistinguíveis da maioria dos volumes.
As editoras preocupam-se com a possibilidade de que uma migração generalizada para a impressão sob encomenda possa, a exemplo do surgimento dos livros eletrônicos, abalar seu centenário modelo de negócios. Empresas como a Random House e a Simon & Schuster levaram décadas investindo em cadeias de suprimentos próprias, armazenando livros em depósitos gigantescos e desenvolvendo a infraestrutura de transportes necessária para enviar esses volumes para as lojas em poucos dias. Se a impressão sob encomenda tornar-se uma prática generalizada, as editoras poderão reduzir seus custos fixos e resolver o eterno problema da devolução dos livros não vendidos pelas lojas.
Mas isso, ao mesmo tempo, colocaria em dúvida quase todos os outros aspectos sobre a forma pela qual as grandes editoras operam, uma vez que sua remuneração é baseada na linha de serviços que prestam, desde a orientação editorial até a armazenagem e distribuição. A tecnologia da impressão sob encomenda dificultará para as editoras a tarefa de justificar a manutenção da maior parte do preço de atacado de um livro.
Um dos dirigentes editoriais de Nova York diz que mesmo permitir que títulos sejam impressos sob encomenda pela Amazon, quando há escassez, é desaconselhável, uma vez que poderá estimular a empresa a encomendar menor número de livros impressos. E dispor de um estoque ilimitado dará à Amazon mais uma vantagem em relação a varejistas como a Barnes & Noble, que as editoras querem manter em operação como um contrapeso à onda avassaladora do comércio eletrônico. Outro alto executivo de uma grande editora de Nova York diz que a confiança na Amazon é muito pequena para estudar a possibilidade de introdução desses serviços de impressão sob encomenda.
A Amazon não é a única empresa que tenta conduzir relutantes grandes editoras rumo a um futuro baseado na impressão sob encomenda. No fim da década de 90, o veterano presidente da Random House, Jason Epstein, teve a visão de uma máquina semelhante a um caixa automático capaz de produzir livros difíceis de encontrar. Em 2003, ele criou a empresa On Demand Books para desenvolver a ideia. Atualmente, sua Espresso Book Machine, fabricada pela Xerox ao custo de aproximadamente US$ 100 mil, está disponível em algumas dezenas de livrarias distribuídas pelos Estados Unidos. A máquina leva de quatro a cinco minutos para baixar e imprimir uma brochura de alta qualidade.
Custo de estoque
No último trimestre do ano passado, a HarperCollins Publishers, uma divisão da News Corp., tornou-se a primeira editora de peso a integrar o catálogo da On Demand Books, oferecendo cerca de 5 mil volumes mais antigos. Mas as máquinas ainda dispõem de uma seleção muito restrita de títulos de sucesso, e isso tem limitado seu poder de atração. “O catálogo é enorme, mas é esmagadoramente de domínio público”, diz Dane Neller, principal executivo da On Demand Books, referindo-se a livros mais antigos, que já não são protegidos por direitos exclusivos de publicação. “Essa é uma consequência da relutância das editoras em mudar sua atual cadeia de suprimentos, correndo o risco de tumultuá-la, embora esperemos e acreditemos que isso vá mudar.”
À medida que a transição digital subverte o setor, a resistência à impressão sob encomenda poderá arrefecer. Editoras de menor porte que já se distanciaram da impressão e armazenagem de seus próprios livros dizem que a mudança vale muito a pena. “Em vez de pôr todos os livros em um armazém, você libera fluxo de caixa para investir em pesquisa e desenvolvimento”, diz Laura Baldwin, presidente da editora de livros técnicos O'Reilly Media, que aderiu à impressão sob encomenda no ano passado, desvencilhando-se de US$ 1,6 milhão em custo de estoque. “Você pode investir no futuro técnico da atividade editorial, em vez de acumular livros impressos no armazém.”
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[Brad Stone, da Bloomberg Businessweek]