‘O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony vai receber uma pensão mensal e vitalícia de R$ 23 mil, valor correspondente ao salário que estaria recebendo como editor-chefe de uma publicação nacional. O escritor teve que abandonar suas funções no extinto jornal Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, em 1965, por fazer críticas a atos do governo, na época.
O processo de Cony foi julgado com prioridade, semana passada, pela comissão de anistia do Ministério da Justiça, por ele ter 78 anos.
Cony, colunista da Folha de S. Paulo, entrou com o processo na comissão no ano passado. Alegou pelo menos dois motivos especiais para ter seu caso analisado com rapidez.
Além da idade – um dos critérios para este tipo de julgamento – Cony tem problemas de saúde, outra alternativa para que o processo passe à frente de outros.
Antes dele, outros dois jornalistas já haviam sido beneficiados com a anistia. O primeiro foi Márcio Moreira Alves, que teve seu mandato de deputado cassado depois de fazer um discurso na Câmara contra o Ato Institucional número 5, editado pelo governo militar. Depois de Moreira Alves foi a vez de Flávio Tavares, um dos planejadores do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, na década de 70.
No ano passado, o governo federal calculava em R$ 4 bilhões o volume de recursos de que precisaria para saldar todas as indenizações, tanto as que haviam sido aprovadas, quanto as que ainda estão pendentes de julgamento.
Há, no entanto, problemas de orçamento para pagar de imediato todas as indenizações, segundo fontes do governo que pedem anonimato.
Ordem – O ex-preso político e também jornalista Celso Lungaretti, 53 anos, protocolou representação no Ministério Público Federal para reclamar que o Ministério da Justiça não estaria respeitando os critérios para análise dos pedidos de pensão definidos em portaria interministerial. Ele deu entrada em seu pedido de pensão em outubro de 2001 e até hoje o julgamento de seu caso não foi marcado. Segundo Lungaretti, o primeiro critério definido pela portaria é o do desemprego, em seguida vêm idade avançada e doença. ‘Estou desempregado desde dezembro, com dívidas e pensões judiciais em atraso’, disse o ex-preso político. ‘Mudaram os critérios’, reclama. ‘As pessoas estão morrendo sem receber.’’
Marcelo Carneiro
‘Rumo à ‘estação INSS’’, copyright Veja, 5/07/04
‘Karl Marx até acharia normal. Afinal, ele viveu por muitos anos dos estipêndios que o amigo Friedrich Engels arrancava da mais-valia dos operários das fábricas do pai. Mas Vladimir Lenin ficaria chocado. O líder russo era um idealista, aquele tipo de pessoa que esquece as considerações práticas da vida para se deixar guiar por uma causa. É de imaginar o desgosto de Lenin ao saber que seus discípulos no Brasil inventaram uma forma de revolução segura e com aposentadoria garantida. É exatamente isso que está ocorrendo no Brasil. Lenin, vindo do exílio, desembarcou na Estação Finlândia, em Moscou, para dar início à insurgência bolchevique. No Brasil os caminhos revolucionários levaram à Estação INSS. Milhares de militantes esquerdistas que queriam derrubar a ditadura militar – e instalar outra ditadura em seu lugar – estão cobrando um pagamento vitalício pelos sacrifícios pessoais que fizeram pela causa. No total, essas indenizações podem chegar a 4 bilhões de reais. Pedir pagamento público vitalício por ter sido comunista é uma ofensa à memória das centenas de militantes que foram mortos em combate ou nos cárceres da ditadura. É também uma conta cara para o povo. Não é difícil saber de onde o dinheiro virá: do bolso dos brasileiros.
Pessoas que foram torturadas ou perderam seus empregos públicos apenas por discordar das idéias dos ditadores e viram suas carreiras serem cortadas por razões políticas são merecedoras de reparação financeira. Mas essa noção foi amplamente distorcida no Brasil. A comissão federal que decide pela justeza das indenizações já recebeu 43.000 pedidos. E eles continuam chegando. Obviamente, a maioria é de pessoas a quem a ditadura não causou maiores males. Na semana passada, veio a público uma história exemplar. O jornalista Carlos Heitor Cony, que ao longo das últimas quatro décadas construiu uma sólida carreira como escritor e hoje é colunista do jornal Folha de S. Paulo, teve aprovado um pedido de indenização que lhe garantirá uma pensão de 19.000 reais. Para chegar a esse cálculo, a comissão valeu-se da Lei nº 10559, de 13 de novembro de 2002. Pelo texto, há dois tipos de indenização. No primeiro, a pessoa pode receber o correspondente a trinta salários mínimos por ano de suposta perseguição política, até o limite máximo de 100.000 reais. No segundo tipo, o indenizado recebe um valor mensal correspondente ao ‘posto, cargo, graduação ou emprego’ que ocuparia se estivesse em atividade. No caso de Cony, a comissão avaliou que, não fosse por sua militância, ele poderia ter ocupado altos postos de direção do Correio da Manhã, de onde saiu por pressão política. É um espanto. O Correio da Manhã fechou as portas nove anos depois da demissão de Cony. ‘É justo que o Brasil faça um ajuste de contas com a sua história, mas essas indenizações são um abuso’, diz a cientista política Lúcia Hipólito.’
Comunique-se
‘Comissão de Anistia aprova pensão de R$ 19 mil para Cony’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/6/04
‘A Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça, aprovou o pagamento de uma pensão mensal e vitalícia ao escritor Carlos Heitor Cony, no valor de R$ 23 mil. Esse valor, no entanto, será reduzido para R$ 19 mil, devido à limitação da pensão baseada no vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em 2003, outros jornalistas, como Márcio Moreira Alves e Flávio Tavares, que fez parte do grupo de presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, seqüestrado em 1968, tiverem direito a indenizações e pensões semelhantes.
O valor conseguido por Cony foi calculado baseado no salário pago a um editor-chefe, cargo que a comissão entendeu que o jornalista estaria ocupando caso não tivesse sido afastado do jornal Correio da Manhã, em fevereiro de 1965, por criticar o AI-2.
O processo do jornalista levou pouco tempo para tramitar na Comissão de Anistia. Foi protocolado em outubro de 2003 e teve prioridade pedida em maio deste ano. Foi aprovado na 1ª Câmara da Comissão em 21/07.
Para conseguir que o processo fosse julgado nessa velocidade, Cony usou duas das três condições necessárias para agilizar a aprovação do caso: a idade (já que está com 78 anos) e problemas de saúde. O terceiro fator é a ordem de protocolo do processo, mas, no caso do jornalista, esse número é alto (31.858 entre cerca de 45mil) se comparado com os que tramitam nas câmaras.
O presidente da Comissão de Anistia, Marcelo Lavenère, afirmou que não houve favorecimento, mas admitiu que há outras pessoas doentes e sem condições financeiras que continuam aguardando na fila. ‘Não é só porque ele se trata de um jornalista famoso, que exerce sua profissão e que tem condição razoável de vida que não será votado. Não houve qualquer privilégio. Cumpri a lei’, finalizou Lavenère.’
AUTONOMIA DO MP
‘Risco no Supremo’, Editorial, copyright O Globo, 5/07/04
‘A história do Ministério Público se divide em antes e depois da Constituição de 1988, quando procuradores e promotores ganharam independência institucional – e a partir daí conquistaram espaço na vida pública do país. Em meio a polêmicas.
A mais recente tramita no Supremo Tribunal Federal na forma de um processo em que o deputado do PL maranhense Remi Trinta defende-se acusando.
Enquadrado pelo MP como suposto fraudador em operações com recursos do Ministério da Saúde, o deputado reagiu com o argumento de que procuradores e promotores não têm prerrogativa legal para conduzir investigações criminais, à margem da polícia. O julgamento, se confirmar os votos já dados pelos ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio Mello, reduzirá o campo de manobra do MP.
Será um erro. É indiscutível que alguns representantes do MP chegam a se comportar como se fizessem parte de um Estado paralelo, à margem da ética e das leis. Mas – também se deve reconhecer – desde que conquistaram autonomia, procuradores e promotores têm sido fundamentais no combate à corrupção e na luta da sociedade para que classe social e poder não sejam salvo- conduto para a impunidade.
Os desvios podem ser corrigidos com a criação de mecanismos de controle externo, iguais aos propostos para o Poder Judiciário.
Outra coisa é tirar do MP a arma da investigação própria. Na prática, significa tornar a sociedade refém do monopólio de investigação da polícia, um braço do Poder Executivo, e portanto sem autonomia.’