‘Nas muitas voltas que o mundo dá, esbarrei em São Luís – onde fui assistir ao deslumbrante espetáculo de abertura do segundo ano do Vale Festejar, com o desfile de arrepiar de conjuntos folclóricos que cultuam a tradição do bumba-meu-boi – no maranhense Eduardo de Carvalho Lago, exuberante contador de casos, memória de anjo que nos fez recuar quatro décadas, recordando a viagem a Cuba com o então candidato Jânio Quadros. Sem mais rodeio, caiu no conhecido episódio do sumiço da pistola de Fidel Castro, quando da recepção do então embaixador do Brasil, Vasco Leitão da Cunha.
Na barulheira das danças, das matracas, dos pandeiros e tambores, entre milhares de convidados, na amplitude do fantástico cenário do Convento das Mercês, restaurado com cuidadoso respeito à sua importância histórica, adiamos para o dia seguinte o acerto das nossas lembranças.
Voltamos a Havana e à alucinação da campanha janista, que pertence à embolorada memória do folclore político. Eduardo Lago teve participação ativa no caso do desaparecimento do revólver do jovem e vitorioso chefe da revolução cubana. Desfia o encadeado testemunho do incidente menor, enriquecido pelas mais fantasiosas versões. Para completar o depoimento, enviou-me um texto do famoso advogado Saulo Ramos, íntimo de Jânio, coincidente com o relato do maranhense contador de casos.
Enxugando os excesso, a ponta do enredo ata-se ao atraso de horas de Fidel Castro à recepção na embaixada brasileira. Che Guevara fazia as honras do comando revolucionário, centro da roda de jornalistas e convidados. Fidel chegou afobado do encontro com o embaixador da dissolvida URSS, no uniforme de guerrilheiro e com uma pistola no coldre. Para desfazer-se da arma e para outras urgências, trancou-se no lavabo do embaixador e colocou a arma em cima da caixa de descarga. Saiu batendo a porta e ocupou o lugar na mesa para a longa entrevistas aos jornalistas brasileiros.
Entre comes e bebes, a conversa varou a noite. Fidel foi dos últimos a retirar-se. Por volta das cinco horas da manhã, retornou num jipe, com um ajudante de ordens, acordou o embaixador e dirigiu-se ao banheiro à procura do cinto e da arma de estimação. Nem coldre nem pistola. Sumiram. Fidel perde a calma, insiste na busca. A criadagem é acordada. Ninguém vira ou tinha notícia da pistola que, segundo Fidel, o acompanhava desde Sierra Maestra, uma mascote que era parte da sua vida.
Daqui por diante as novidades se sucedem no emaranhado novelo das versões. À embaixada compareceram, horas depois, o comandante Raulito Diaz Argueille, chefe do Birô de Investigações, e o capitão Chino Figueiredo, do serviço secreto, reclamando a lista com os nomes de todos os que compareceram à recepção e deixando claro que Fidel exigia a devolução da arma no prazo de 24 horas. Prontamente atendidos, retiraram-se. Para voltar várias vezes, na insistente repetição das mesmas perguntas.
Dois dias depois, Eduardo Lago recebeu, na chancelaria, a vista de um servidor categorizado do governo cubano do seu círculo de relações e que despejou de um jato, com mil pedidos de sigilo, a confissão do segredo que o angustiava. Presente à festa, excedera-se no uísque e nas alturas nevoentas da bebedeira trancou-se no banheiro do embaixador. Deu com a pistola e o cinturão e não pensou duas vezes: suspendeu a guayabera (o blusão bordado de uso cubano), fechou o cinturão com o coldre e a arma por baixo e foi para casa curtir o porre. Ao acordar, estremunhado, deu-se conta da estupidez que cometera. E entrou no pânico do desespero ao descobrir quem era o dono da arma. Recorreu ao amigo para a devolução, confiando-lhe o volumoso embrulho com novos juramentos de sigilo. Jogou a parada da sua vida.
Os qüiproquós se sucedem como em comédia de pastelão. O embaixador Vasco Leitão da Cunha surpreendeu-se ao constatar que o fetiche de Fidel Castro era um parabélum russo, com uma plaqueta de ouro e nela gravado, com data recente, o oferecimento: ao ‘herói do povo cubano, a amizade de Anastas Mikoyan’.
Devolvida a arma em embrulho para presente, Fidel Castro fechou o bico, a censura à imprensa sepultou o burlesco episódio e seu desfecho de opereta no túmulo onde as ditaduras enterram as suas mancadas.
Por aqui, lá uma vez ou outra, o caso é lembrado quando se remexe na cova da biografia de Jânio, nas datas redondas da sua renúncia. E pingam as versões colhidas nas fontes possíveis.
Na prosa castigada de Saulo Ramos sou agraciado com a autoria da ‘versão ridícula’ que atribuiu ao repórter Tico-Tico, falecido há alguns anos, a autoria do furto da pistola de Fidel.
Não sei onde Saulo Ramos catou o cascalho de tão estapafúrdia tolice. Na rica garimpagem das tramas sigilosas da visita de Jânio ao interminável mandato que Fidel Castro iniciava, depois de derrubar a ditadura do sargento Batista, o sumiço da pistola não passou da categoria de uma cortina pitoresca na comédia que se fingia de séria. Se escrevi alguma linha, foi na toada da gozação. E jamais atribuí, ou soube que disso tenham suspeitado, ao destemperado Tico-Tico o surrupio da arma de Fidel na aloucada mania do furo.
Não tenho nada a desmentir ou a retificar. E o doutor Saulo, francamente, já está na idade de dar-se ao respeito e não embarcar na canoa furada das versões ridículas.’
VIOLÊNCIA CONTRA JORNALISTAS
‘Editor da versão russa da ‘Forbes’ é assassinado’, copyright Folha de S. Paulo, 10/7/04
‘O americano Paul Klebnikov, editor da versão russa da ‘Forbes’, foi assassinado ontem, em Moscou, com quatro tiros disparados em frente ao escritório da revista. Segundo uma estação de rádio, cápsulas de dois calibres diferentes foram encontradas.
Alexander Gordeyev, responsável pela edição russa da ‘Newsweek’, que funciona no mesmo prédio que a ‘Forbes’, disse que socorreu Klebnikov e lhe perguntou se sabia quem eram os responsáveis. ‘Paul disse que não sabia, que não tinha notado nada de suspeito nos últimos dias’, afirmou Gordeyev à agência de notícias Interfax.
Em 2000, Klebnikov escreveu um livro em que acusava Boris Berezovsky (multimilionário empresário da mídia que fugiu da Rússia após romper com o presidente Vladimir Putin) de ter desviado centenas de milhões de dólares do país.’
O Globo
‘Jornalista seqüestrado vai ser lembrado em missa’, copyright O Globo, 10/7/04
‘Uma missa pela paz e contra a violência será celebrada segunda-feira, na Igreja de São José, na Lagoa, a pedido de parentes e amigos do jornalista e empresário Ivandel Godinho, que está seqüestrado há de oito meses. Ivandel, que é dono de uma empresa de assessoria de imprensa, foi retirado por bandidos de um táxi na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, no dia 22 de outubro do ano passado, e levado numa moto. Horas depois, o jornalista chegou a ligar para a família. Foi a última vez que ele falou com os parentes.
A missa, marcada para as 12h, será ainda em memória do jornalista Leonardo Blaz Cicoti, assassinado em São Paulo no último dia 3. Ele foi rendido em frente à sua casa, em São Bernardo do Campo, e levado em seu carro.’