‘No fim de semana passado, o presidente Lula se encontrou com as cantoras Emilinha Borba, 80, e Marlene, 79, num gesto que ele próprio caracterizou como saudosista. Tentava ajudar a reavivar o espírito da agora ressurgida Rádio Nacional. Corações mais emotivos e sabedores da memória brasileira lembraram com nostalgia os anos 40 e 50 das notórias rivais Emilinha e Marlene, que disputavam cada novo fã, cada faixa de ‘rainha do rádio’.
Quase ao mesmo tempo em que Lula acarinhava as veteranas, as bandas Charlie Brown Jr. e Los Hermanos se encontravam num aeroporto. Alexandre ‘Chorão’ Abrão, 34, líder do Charlie Brown, lembrou que Marcelo Camelo, 26, dos Hermanos, criticara o fato de ele, Chorão, fazer propaganda de refrigerante na TV. Meteu o crânio e a mão na cara de Camelo.
Rodrigo Amarante, 28, outro hermano, tentou revidar em Chorão, em defesa do amigo. Corações mais emotivos e atônitos com o ocorrido não puderam deixar de amargar no peito uma sensação do tipo ‘cada época tem as rainhas do rádio que merece’.
Estávamos de volta ao país da delicadeza perdida, diria Chico Buarque. Simbolicamente, Chorão agredia ícone maior da nova masculinidade sensível que viceja na MPB -lembre outros homens de gravata florida atuais: Amarante, Marcelo Yuka, Rappin’ Hood, Xis, Domenico, Kassin, Moreno Veloso, Carlinhos Brown (outro agredido recorrente), Mano Brown (disfarçado atrás de estratégica panca de mau) etc.
Pois Chorão Brown inverteu a máxima de ‘Mamãe, Eu Quero’ (1937), crendo que quem não bate não mama. Seja como for, continua parecendo bebê chorão, só porque falaram mal dele por aí. Onde está a liberdade de expressão?, cochicharia Noel Rosa.
A barbárie se manifestou no soco do ‘machão’ ameaçado no ‘maricas’ ameaçador. Transitou no revide de Amarante, que sabe que em mulher não se bate nem com flor, mas esqueceu que em homem também não -mesmo que esse homem seja o Chorão.
Reverberou enfim em Camelo, o agredido. Esse foi até a delegacia, mas desistiu de prestar queixa -a cena se repetiria como caricatura dias depois, na novela global das oito, quando a mocinha quase seqüestrada convenceu o galã salvador a não levá-la à delegacia, para evitar chateação. Jeeesus.
O país sem delicadeza mira-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Ali, denunciar agressão é que parece crime, não a agressão em si. O agredido sente culpa por apanhar, a faca faz parceria com a ferida, e todo mundo faz de conta que não doeu, nem no olho de um nem na mão e no coco do outro.
A assessoria de Camelo diz que um processo será levado adiante. É, ele deve isso aos milhares de adolescentes (meninas e meninos) que o têm como exemplo de masculinidade sensível -e forte.
A assessoria de Chorão divulgou nota lamentando a pancadaria. Suavizou o hematoma, mas não limpou a barra do rapaz -ele não será macho completo sem dizer com todas as letras ‘peço desculpas a Marcelo Camelo’ (o mesmo vale para Amarante em relação a Chorão, aliás).
Chorão deve isso aos milhares de adolescentes (meninos) que o adoram e aprenderam com ele a protestar que o jovem no Brasil nunca é levado a sério. Não será enquanto ‘machões’ e ‘maricas’ não entenderem que não são lá tão diferentes assim.
A nós, enquanto isso não acontecer, restará acompanhar mr. Lula no doce saudosismo pelas antigas rainhas do rádio -que eram frívolas, sim, mas menos que os pugilistas pop de 2004.’
ABERT DESPEDAÇADA
‘Concorrentes se unem para atacar Rede Globo em público’, copyright Agência Carta Maior, 5/7/04
‘Em carta conjunta, executivos da Bandeirantes, do SBT, da Record e da Rede TV! acusam a Globo de abusar do monopólio à frente da Abert. Disputa não passa de mais um sinal da concentração no setor.
Brasília – Até então mais reservada a conversas particulares de gabinete do que transmitida em cadeia nacional, a guerra que vem sendo travada entre as Organizações Globo – conglomerado que detém a maior rede de rádio e televisão do país – e o grupo formado pelas suas quatro principais concorrentes está deixando de ser tema confidencial para se tornar assunto público.
Atiçado pelos recentes negócios que a endividada Globo fechou com a mexicana Telmex (que comprou parte da Net, maior operadora de TV a cabo do país) e pelo interesse manifestado por Gustavo Cisneros, magnata das comunicações da Venezuela que acenou com um fundo de US$ 200 milhões para investir na mídia brasileira, o ‘clube dos quatro’ – Rede Bandeirantes de Televisão, Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), Rádio e Televisão Record S. A. e Rede TV! – já se entrincheirou no seu front: a disputa pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Nesta segunda-feira (5), o vice-presidente executivo da Rede Bandeirantes Antônio Teles, na condição membro suplente das cadeiras reservadas à sociedade civil no Conselho de Comunicação Social (CCS), leu publicamente no Senado Federal carta assinada por João Carlos Saad (Band), Guilherme Stoliar (SBT), Dennis Munhoz (Record) e Amilcare Dalevo Júnior (Rede TV!). Endereçada ao presidente da Abert, Paulo Machado de Carvalho Neto, que também é conselheiro como representante das empresas de radiodifusão, o documento faz críticas abertas à ingerência da Rede Globo na condução da entidade.
‘A força monopolista que se serve descaradamente do poder da radiodifusão para, em nome de nossa coletividade, reforçar a caça de favores e prerrogativas no universo público deve retirar a máscara e abster-se de falar e agir em nosso nome’, afirma a carta lida publicamente por Teles aos demais conselheiros e às câmeras da TV Senado, que transmitiam a reunião do CCS. ‘Nos círculos do poder a entidade carrega, apesar dos esforços e da dinidade do trabalho de seu presidente [Paulo Machado de Carvalho Neto], o estigma do descrédito, fruto da ilegitimidade da representação’, dizem os signatários.
O recente episódio de negociação de financiamento por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (leia também: BNDES reserva R$ 2 bilhões para socorrer empresa com dívidas), segundo os executivos do ‘clube dos quatro’, foi ‘pilotado na escuridão, por interesses dos que imaginam não ter contas a prestar a ninguém’ e ‘produziu na sociedade uma revolta e uma desqualificação que a radiodifusão tão cedo não conseguirá dela se livrar’. Isso, ressaltam eles, sem levar em conta o reflexo do pedido de socorro financeiro aos cofres do governo federal na inviabilização de ‘negociações mais sérias’.
‘Atos individuais do ‘grande monopólio’ [como é chamada a Rede Globo pelos autores da carta] arrastam dúvidas, receios e suspeitas para a maioria digna, honesta e sacrificada de empresários. É inaceitável’, segue o documento, que solicita a convocação de assembléia extraordinária geral dos sócios com o propósito de analisar alteração do estatuto da Abert no que tange à eleição da diretoria. Os executivos querem a separação em duas direções (uma para o setor de rádio e outra composta por empresas de televisão) com eleições distintas. Para a diretoria de TV, eles sugerem a seguinte composição: um representante de cada uma das cinco principais redes e mais dez membros de emissoras afiliadas. Destas últimas, a divisão seria de duas com vinculação para cada ‘cabeça-de-rede’. Datada de 28 de junho, a carta estabelece um prazo de dez dias para que a atual direção da Abert apresente a sua resposta ao pedido.
‘Estatutariamente, não tenho competência para decidir sobre as questões apresentadas, mas não posso concordar com os termos da carta’, respondeu o presidente da Abert, que atende pelo apelido de ‘Paulito’. Depois de conclamar um protesto veemente contra o conteúdo do documento do ‘clube dos quatro’, Machado de Carvalho disse que será convocada uma reunião da entidade, a qual tem como afiliadas cerca de 2 mil das 3.232 emissoras de radiodifusão do país. ‘Não me sinto presidindo uma diretoria ilegítima’.
Por trás da disputa pelo poder dentro da Abert, a declaração de guerra entre as principais redes de TV deve ser encarada como uma fração de um problema bem maior: a concentração dos meios de comunicação do Brasil. Também membro do CCS, Daniel Herz ressaltou que a extensão real da problemática extravasa a simples escolha entre dois modelos: um em que o domínio é exercido pelo monopólio ou outro em que predomina um cartel formado pelas cinco maiores empresas do ramo.
Na carta, os executivos do grupo formado pela Band, pelo SBT, pela Record e pela Rede TV! fazem menção às suas ‘mais de 350 emissoras de TV afiliadas’. ‘Tudo isso só reforça a falta de democratização no setor. Essas trezentas não têm qualquer autonomia. São meras correias de transmissão’, exemplificou Herz. Um dos caminhos sugeridos por Herz para o enfrentamento dessa concentração histórica dos meios de comunicação está no espírito de um projeto de lei da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) – recomendado para a aprovação no Senado após análise feita pelo próprio CCS – que garante espaço para as produções regionais e independentes nas grades de programação dos canais de TV aberta. Em tempo: os representantes das empresas de radiodifusão no Conselho se posicionaram contra a obrigatoriedade das redes transmitirem conteúdo produzido fora de suas bases.’