‘Se eles partissem para uma luta, o juiz seria um oftalmologista. De um lado, um repórter levemente estrábico, vindo de Itanhandu (Minas Gerais). No outro canto, um entrevistador veterano, direto de Ituverava (interior de São Paulo), que ostenta inseparáveis óculos de armação vermelha. O Repórter Vesgo (Rodrigo Scarpa, 23) e Ernesto Varela (Marcelo Tas, 44), no entanto, descarregam a agressividade em outros alvos.
Um dos principais responsáveis pelo sucesso do ‘Pânico na TV’ -uma das maiores audiências da ‘Rede TV!’-, Vesgo atualiza, com outro foco, o gênero criado por Varela nos anos 80, que pode ser definido como ‘repórter cara-de-pau’. Enquanto este fazia perguntas desconcertantes a políticos durante o período das Diretas Já, com a produtora Olhar Eletrônico, Vesgo vive na era das pseudocelebridades e tem como ‘missão’ ridicularizar a busca insana de anônimos pela fama, em clima de pegadinhas. Ironicamente, Scarpa também está se tornando uma celebridade.
Vesgo protagonizou seu momento máximo recentemente: levou um safanão do ator Victor Fasano como resposta à saudação: ‘Victor, faz anos que não te vejo!’. Sinal dos tempos: quando Varela fez sua mais famosa pergunta, ao então candidato à Presidência Paulo Maluf, ‘É verdade que o senhor é ladrão?’, a resposta foi um profundo silêncio.
Scarpa, que nasceu no mesmo 1980 da Olhar Eletrônico, diz que não entende nada de política. Tas, que incorporou Varela pela primeira vez aos 23 anos (idade atual de Scarpa), diz que o Vesgo é, sim, um personagem que faz contestações políticas. No encontro que a Folha promoveu, no Maksoud Plaza, em São Paulo, entre as duas gerações de ‘repórteres cara-de-pau’, Tas, Scarpa, Varela e Vesgo falam sobre as semelhanças entre o vazio de certos políticos e as celebridades instantâneas.
VARELA X VESGO
Marcelo Tas – O Vesgo é muito criativo, ousado, e é disso que a televisão precisa. Ela anda muito careta, e acho o trabalho dele e do pessoal do ‘Pânico’ provocador, inquieto: o público gosta disso. Não é à toa que eles estão indo aos píncaros da glória. Isso mostra o contrário do que todos acreditam -que o público quer baixaria.
Rodrigo Scarpa – Tenho só 23 anos, então conheci o Ernesto Varela só depois que me vi fazendo o papel de Repórter Vesgo. Procurei na internet ‘repórter cara-de-pau’, e aí veio o Varela. Achei bacana, comecei a ver os vídeos dele, a cara-de-pau que ele tinha para chegar nos políticos, no Maluf.
INOVAÇÃO NA TV
Tas – No início dos anos 80, o Varela fez um grande barulho porque a TV era ainda mais quadradinha. Junto, tinha a Olhar Eletrônico, um grupo de criadores muito forte. A intenção era revolucionar a TV mundial. Acredito que somos referência até hoje porque fizemos uma coisa muito antes do tempo. Era muito radical em termos de linguagem.
Scarpa – No começo, eu deveria ser um repórter sério. Na minha primeira reportagem, aparecia com uma família, que iria falar sobre o programa. Fiquei me sentindo mal por estar fazendo uma coisa quadrada. Fui lá e lambi a cara da entrevistada. Meus editores ficaram espantados: ‘Pô, mas você é louco, por que você fez isso?’. Eu estava lá engasgado naquele padrão. Daí, comecei a ir às festas e senti uma intuição. Queria fazer um trabalho diferente, distante dos programas de fofocas.
HERANÇA POLÍTICA
Tas – O Vesgo é herdeiro do Varela. Quer dizer, não sei se herdeiro é o termo certo, e também não me considero inventor desse gênero. Pessoas inquietas e que não se conformam com o padrão televisivo sempre existiram, são todos os que quebram com a linguagem e o conteúdo. O Vesgo está fazendo esse papel, que o Varela ainda cumpre.
Scarpa – O Varela era muito mais politizado do que o Vesgo. Tenho mais a ver com celebridades…
Tas – …mas eu acho o Vesgo politizado. Nos anos 80, os políticos eram as pessoas que você precisava quebrar, era preciso quebrar aquele código. Por que esses caras só falam as mesmas coisas? As celebridades de hoje são os malufs da minha época.
Scarpa – Os políticos só falam sobre projetos, o discurso é o mesmo. Eles são celebridades vazias, não transmitem nada.
Tas – O Vesgo mostra o vazio desses discursos. Vejo uma semelhança nesse aspecto. O poder, hoje, está com as celebridades, mais do que ele está com os políticos. Os políticos se aliam às celebridades para posar em fotos.
BUSCA PELA FAMA
Scarpa – ‘Big Brother’, ‘Casa dos Artistas’… Hoje é moda, todos querem ser celebridade. Tem gente que faz de tudo para aparecer. As pessoas que são celebridades de fato não se irritam com o Vesgo. Sempre encontro os mesmos arroz-de-festa.
Tas – Quem é o maior arroz-de-festa da atualidade?
Scarpa – Antonela [Avellaneda], a ‘ex-BBB’! (risos)
Tas – E quem é o destaque masculino? (risos)
Scarpa – O destaque vai para… Caetano Zonaro [‘BBB 1’].
Tas – Nossa, esse nem chegou à minha cultura televisiva! (risos)
Scarpa – (risos) … à minha também não! Fico conhecendo essas pessoas nas festas. Via essas pessoas posando para fotos, e eu perguntava: ‘Vem cá, quem é você?’.
VARELA NO MUNDO ATUAL
Tas – A relação da mídia com os políticos mudou muito. Mas o discurso vazio continua o mesmo. A missão de destruir, de denunciar, de revelar o discurso vazio está com o Vesgo. Eu, como sou um senhor maduro, próximo da aposentadoria, percebo que o interesse do Varela é mais entender a história do Brasil. Recebo vários convites para falar em universidades. Comecei a trabalhar numa época em que não havia esperanças, uma coisa muito árida, regime militar, gente não deixando que as eleições diretas acontecessem. O início do Varela foi muito isso: questionar: ‘Por que o sr. não deixa ter eleições diretas?’, ‘É verdade que o sr. é um ladrão?’ -essa pergunta continua sem resposta até hoje. O Brasil vive um período político maduro, temos algumas pessoas decentes no poder. Hoje, o Varela é mais aquele professor do que o aluno rebelde.
SACUDIDA NA TV
Scarpa – A TV precisa de uma sacudida; o ‘Pânico’ ri da própria televisão, da própria Rede TV!.
Scarpa – Essa é a grande virtude da TV brasileira; ela ri de si mesma. As melhores TVs mundiais são aquelas que fazem isso. A TV inglesa é assim. Talvez seja a única que é mais radical do que a brasileira. Poderíamos ir um pouco além, ainda existe uma caretice.
VIDA PERIGOSA
Scarpa – Levei uns tabefes do Victor Fasano. Ele mirou na minha cara, mas tive um reflexo e pegou na minha orelha. Isso só porque cheguei e disse: ‘Victor, faz anos que não te vejo’ (risos).
Tas – (risos) Só por causa disso? Por causa de um trocadilho?
Scarpa – Não sei… Ele foi cruel, doeu. Mas isso revela muito dele. As pessoas agem de acordo com aquilo que elas realmente são.
Tas – O mundo das celebridades é mais perigoso que o mundo dos políticos… Em termos de perigo físico, o mais perto que cheguei foi com o Nabi Abi Chedid [ex-presidente da CBF]. Eu queria falar de política porque o Brasil estava vivendo um momento de eleições, e ele não deixava os jogadores falarem sobre política. Ele disse que só falava sobre esportes. Daí perguntei qual seria sua próxima jogada. Ele ficou realmente muito… nervoso. Essa era uma característica do Varela: jogar no limite. O Varela não é agressivo e não faz perguntas que não tenham um fundamento.
Scarpa – Acho a mesma coisa do Vesgo. Ele não é agressivo. Toda pergunta vem de uma verdade.
Tas – Quando isso acontece, você ganha força. Fica mais difícil para o cara ter uma saída. Porque aquela pergunta é real. No caso do Maluf, reconheço que ele sempre foi extremamente corajoso, ele sempre me concedeu entrevistas. Até hoje ele me concede entrevistas. Ele não foge do pau.
AGRESSIVIDADE
Tas – Não acho que agressividade seja um defeito. Ela até pode ser boa. O Varela tem uma coisa mais ingênua. Ele é um recém-formado em jornalismo que está tentando fazer reportagem.
Scarpa – Somos um tipo de porta-voz do povão. O povo quer saber certas coisas, e não tem ninguém que faça essas perguntas.
VARELA ENTREVISTA VESGO
Ernesto Varela – O ‘Pânico’ já foi assediado pela Marlene Mattos?
Repórter Vesgo – Já (risos)…
Varela – Sexualmente?
Vesgo – (risos)Sexualmente não. Essa experiência eu não tive a felicidade de realizar. Ela queria nos levar para lá [Bandeirantes], foi uma proposta bacana, mas quem negocia é o Tutinha [Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho], o dono da Jovem Pan.
VESGO ENTREVISTA VARELA
Vesgo – Você já levou porrada de político ao perguntar: ‘Faz anos que você não ganha uma eleição?’.
Varela – (risos) Não… Talvez eles tivessem vontade, mas não chegaram a me dar um soco.
Vesgo – Nos anos 80 havia políticos-celebridades instantâneas?
Varela – Milhares… É só pegar o horário eleitoral: eles aparecem como se fossem Kikos Marinhos, aqueles bichinhos que proliferavam de uma hora para outra na água e depois desapareciam. O Enéas é um deles. E aquele cara do aerotrem? Para onde vão esses caras depois que eles perdem a eleição? O que esses caras fazem durante esse período de quatro anos? Deveríamos investigar…
Vesgo – Você acha que eu copio você?
Tas- Sou muito mais bonito (risos)! Tomamos vertentes diferentes, mas temos coisas em comum, como a surpresa. Os telespectadores nunca sabem o que vamos fazer. Tenho certeza que você não me copia, assim como acho que poderiam existir várias outras iniciativas com esse tipo de rebeldia.’
MUNDO CÃO EM BAIXA
‘Jornalismo ‘mundo cão’ perde espaço na TV’, copyright Folha de S. Paulo, 12/7/04
‘Filhotes da era ‘Aqui Agora’ _o telejornal policial do SBT_ estão mesmo em crise. Depois de o ‘Brasil Urgente’ (Band) perder 50 minutos para a série infantil ‘Cavaleiros do Zodíaco’, é a vez de o ‘Cidade Alerta’ (Record) ser cortado. A partir de agosto, será reduzido em uma hora, a metade de sua duração. E há planos de tirá-lo definitivamente do ar.
Com isso, a Record pretende iniciar uma ‘plástica’ em sua imagem. Quer vender uma nova cara, a de ‘TV de qualidade’.
Das 17h30 (hoje início do ‘Cidade Alerta’) às 18h30, irá ao ar um novo telejornal, com Paulo Henrique Amorim e Janine Borba. No mês passado, o jornalista deixou o ‘Edição de Notícias’ (à 0h) e era cotado para o matutino ‘Fala Brasil’. Mas a Record avaliou que seu nome seria útil na ‘operação pró-credibilidade’. Marcelo Rezende deixa o ‘Cidade Alerta’ e fica um tempo fora do ar para descolar sua imagem do policial. Depois, deverá apresentar um programa de jornalismo investigativo.
A Record percebe uma alteração na postura de anunciantes, que, preocupados com a opinião dos consumidores, buscam cada vez mais se afastar de programas sensacionalistas.
Além disso, o ‘mundo cão’ não é mais fenômeno de audiência. As românticas novelas das seis da Globo se recuperaram no Ibope, com até 40 de média. ‘Cidade Alerta’ registra em torno de sete, e o ‘Brasil Urgente’, de três.’
TV PAGA
‘Cardápio da TV paga vai ganhar mais um canal de filme brasileiro’, copyright Cidade Biz, 9/7/04
‘Será lançado em breve mais um canal voltado para televisão por assinatura cujo conteúdo será principalmente de filmes e documentários brasileiros, ou dedicados ao conteúdo audiovisual nacional.
O funcionamento já teria, segundo nota do MM Online sido autorizado pelo Ministério da Cultura e irá concorrer diretamente com o Canal Brasil, que integra o sistema Globosat.
De acordo com legislação federal, as operadoras de TV paga são obrigadas a oferecerem em seus line ups um canal com produções audiovisuais nacionais e este torna-se uma opção ao Canal Brasil, que por enquanto é o único do gênero no país.
A responsável pelo novo canal é a Conceito A.’
MEMÓRIA / MÁRIO DA CUNHA
‘Mário da Cunha, jornalista, 71’, copyright O Globo, 13/07/04
‘O jornalista Mário da Cunha, que trabalhou por 20 anos no ‘Estado de S. Paulo’, foi um ferrenho defensor da liberdade de imprensa. Ele chefiou a sucursal Rio do ‘Estadão’ no regime militar e com coragem e criatividade driblou a censura na redação.
Para noticiar a prisão de opositores do regime sem chamar a atenção dos censores, ele enviava à redação-sede, em São Paulo, relatório diário das pessoas detidas no Estado do Rio, sem informar o motivo da prisão. O jornalista Villas-Bôas Corrêa, na época diretor da sucursal, conta que na lista havia presos políticos e criminosos comuns.
– As pessoas nos procuravam para que noticiássemos prisões políticas. A sucursal tinha a orientação de não tomar conhecimento da censura. A matéria ia para São Paulo e lá o censor decidia se cortava ou não. A sucursal agiu com bravura e Mário da Cunha foi exemplar. Salvamos algumas vidas – disse ele.
Mário da Cunha trabalhou ainda no ‘Jornal do Commercio’, no ‘Correio da Manhã’, na TV Globo, na Radiobrás e na ‘Folha Dirigida’. Na campanha das Diretas Já, foi assessor de Ulysses Guimarães. Há 12 anos editava o jornal ‘Terceiro Tempo’, criado por ele e dirigido aos aposentados.
Mário da Cunha morreu ontem, aos 71 anos, de complicações de um acidente vascular cerebral. Foi enterrado ontem mesmo no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju.’