A TV Cultura estreou, na semana passada, uma nova faixa de programas às 22h. Por este motivo, a rede, com sede em São Paulo, e suas emissoras afiliadas passaram a transmitir, desde o dia 5/7, o Observatório da Imprensa com o atraso de meia hora. No lugar do programa de debates apresentado por Alberto Dines, estreou o programa Sr. Brasil, apresentado por Rolando Boldrin.
Há quase sete anos no horário das 22h30, o Observatório continua a ser transmitido ao vivo pela TVE e suas afiliadas. Em artigo neste sítio, o editor-responsável Alberto Dines enfatiza que ‘o fim da simultaneidade sinaliza para uma fratura no projeto de entrosamento entre as duas redes públicas da TV brasileira que, mesmo diferenciadas pelos compromissos estatutários, perseguem o mesmo projeto cultural’.
Telespectadores que acompanham o programa pela TV Cultura e suas afiliadas reagiram à novidade, como pode ser conferido na seção Canal do Leitor deste Observatório. Em nota divulgada no sítio da TV Cultura, o ombudsman da emissora, Osvaldo Martins, disse ter recebido várias reclamações a respeito das mudanças da grade de programação. Segundo ele, no dia seguinte à transmissão do programa em novo horário (6/7), ‘a temperatura subiu com as queixas contra o horário tardio do Observatório da Imprensa, ‘empurrado’ na grade’. Os telespectadores argumentaram que assistir à televisão é um hábito, repetindo o lema adotado pela direção da emissora. O diretor de programação da TV Cultura, Mauro Garcia, concorda com o argumento dos telespectadores e informa que as mudanças serão todas implantadas no mês de julho e em agosto a grade estará estabilizada.
Em editorial, a Folha de S. Paulo [leia abaixo] avalia que a ‘TV Cultura piorou’. De acordo com o jornal, desde que o presidente da Fundação Padre Anchieta, Marcos Mendonça, assumiu o posto, em junho do ano passado, observa-se uma nítida transformação na emissora, que alterou de forma abrupta a participação e o perfil dos anunciantes, com a inclusão de programas cujo único objetivo parece ser incrementar a audiência. O diário levanta ainda a hipótese de que algumas mudanças na programação poderiam ter sido feitas a serviço de interesses políticos. A Folha afirma também que o caráter público da emissora não justifica a competição que ela deseja estabelecer com canais comerciais, pois é importante garantir que seu conteúdo e linguagem não sejam modificados.
Neste sítio está disponível uma lista com as emissoras de TV abertas e os canais por assinatura que continuam retransmitindo o programa às terças-feiras às 22h30 e sua reprise aos sábados, às 20 horas. A Rede Minas de Televisão foi uma das que recusou a oferta da TV Cultura para retransmitir o programa de Boldrin e optou por manter o horário antigo do Observatório.
Editorial da Folha de São Paulo de 10/7/05
‘A TV Cultura piorou
Desde que o presidente da Fundação Padre Anchieta, Marcos Mendonça, assumiu o posto, em junho do ano passado, vem se tornando nítida uma transformação na TV Cultura de São Paulo. Ciosa do uso que fazia de seu espaço publicitário, a emissora alterou de maneira abrupta a participação e o perfil dos anunciantes. Igualmente parcimoniosa na concessão às demandas do grande público, passou a incluir em sua grade programas cujo único objetivo parece ser incrementar audiência. Por fim, surgiram indícios de que a programação poderia ser posta a serviço de interesses políticos.
Essa última hipótese, aventada por especialistas em TV pública, tem origem dupla. A primeira é a criação de um programa de entrevistas liderado pelo secretário de Educação do Estado de São Paulo, Gabriel Chalita. O ‘talk-show’ tinha estréia prevista para junho e teria como convidada da edição inaugural a primeira-dama Lu Alckmin. Na véspera de ir ao ar, foi cancelado. A segunda motivação é o empenho de seus dirigentes em transformá-la em ‘cabeça de rede’ -ou seja, em retransmitir sua programação através das TVs educativas de todos os Estados do país.
Embora a Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura, seja uma entidade de direito privado, que não poderia sofrer ingerência do governo, a dependência de verbas estaduais converte o risco de instrumentalização política num fantasma permanente. Com gastos de R$ 115 milhões previstos para 2005, 80% de seu orçamento é coberto pelo governo estadual.
Por outro lado, o caráter público da emissora não justifica a competição que ela deseja estabelecer com canais comerciais. A aposta em programas que repetem fórmulas testadas em outras redes não faz jus à criatividade já exibida pela emissora. Pior: ecoa a iniciativa da TV aberta, que, na guerra por audiência, têm aviltado sua programação. Se for para reproduzir o padrão das emissoras comerciais, para que uma TV Cultura?
Do mesmo modo, há que se cobrar parcimônia no trato com o material publicitário. Com a abertura para qualquer tipo de anunciante, a emissora passou a faturar R$ 1,5 milhão por mês com propaganda. Há um ano, arrecadava R$ 300 mil, mas restringia o espaço aos ‘apoios culturais’ e outras formas menos ostensivas de patrocínio.
É justificável que a TV busque recursos no mercado, mas é importante garantir que a política comercial não interfira na pauta nem na ‘linguagem’ da emissora. Com a nova linha adotada, pode-se estar criando um círculo vicioso: para obter publicidade, é preciso elevar a audiência, o que aumenta a tentação de mimetizar programas bem-sucedidos nas TVs comerciais, mas inadequados para uma emissora pública.
No início dos anos 1990, os programas infantis produzidos pela Cultura atingiam 12 pontos no Ibope e se tornaram modelo de qualidade na TV. A solução, portanto, está na sua própria história -na capacidade de experimentar novos formatos e apostar em produções de qualidade para cativar nichos específicos.
Render-se à instrumentalização política e a expedientes de canais privados, cujo nível vem decaindo de maneira assustadora, é optar pelo pior caminho e privar o espectador de uma alternativa ao comercialismo das demais emissoras.’