Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Bartolomei

‘Quando a Globo colocar no ar hoje à noite o primeiro capítulo de ‘Ser ou Não Ser?’, quadro do ‘Fantástico’ que vai abordar o pensamento filosófico, uma audiência qualificada, formada por filósofos, estará de olho no programa. É que a proposta da série, inicialmente com 16 capítulos de oito minutos cada um, é considerada controversa nas universidades. Será possível aproximar a filosofia do popular, num veículo de massa, e obter sucesso?

Para Roberto Romano, 59, professor de ética e filosofia política na Unicamp, é um pouco complicado. ‘Não que o meio não tenha condições nem o público. O problema é que a filosofia exige raciocínios longos e uma lógica dedutiva e indutiva completa. É um objeto difícil de ser exposto’, afirma.

O filósofo acredita que o teatro e o cinema, como formas de arte, sugerem mais pensamentos que a TV. ‘A televisão tem um tempo rápido, mas depende do virtuosismo da professora que vai apresentar o programa. A filosofia é a pesquisa que vai levar à descoberta de coisas, ao pensamento e à crítica’, diz Romano.

O início do primeiro programa -comandado pela psicóloga, mestre e doutora em filosofia Viviane Mosé, 40- mostra a perplexidade diante da novidade por meio de um imigrante que chega a São Paulo. ‘A idéia é falar de filosofia com quem nunca estudou o assunto. Não concordo que a filosofia não seja para todos. Atualmente, as pessoas querem respostas para a vida e, na ausência delas, estão voltando ao pensamento’, diz a filósofa, que ministra aulas de teatro e lidera grupos de estudos no Rio de Janeiro.

O quadro terá poucas citações a nomes e certa influência nietzschiana. Sua continuidade estará no site do programa. ‘Lá, o espectador aprofunda as questões’, afirma Mosé, autora de ‘Nietzsche e a Grande Política da Linguagem’ (ed. Civilização Brasileira).

Diante da possibilidade de falar ‘por cima’ sobre filosofia, a resistência ao programa cresce. José Arthur Giannotti, 75, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, não acredita que o assunto possa ser tratado na TV. ‘Uma coisa é jornalismo filosófico e outra é a reflexão, que implica em ócio, sossego e tempo. Não sou contra, o problema é não confundir uma coisa com outra. Não haverá uma discussão filosófica de conceitos filosóficos, apenas insinuações’, aposta.

Respostas

Demanda há, e todos concordam. Mosé diz ter experiência na popularização da linguagem ao falar de filosofia. ‘Eu falo para a dona Maria. Tenho alunos de idades diferentes, universitários e donas-de-casa’, conta. ‘A gente ia começar o programa falando da mitologia, mas achamos muito difícil. Então, falaremos que o homem construiu mitos, mas quis encontrar na própria natureza um princípio de explicação. Resumimos a filosofia pré-socrática. O homem é homem porque, além de viver, ele se vê vivendo aquilo. Isso é pensamento.’

Para apresentar as idéias, serão utilizados personagens da vida real, como um escultor, um mágico, um fotógrafo, um imigrante, um ator ou uma atriz. A série não vai falar de política nem de religião. ‘Falaremos do universal e das questões humanas.’

Até aqui, a TV tem sido palco para entrevistas e programas em redes educativas (‘Café Filosófico’, da Cultura) e universitárias, que dedicam mais tempo à discussão. A TV paga também ensaia um flerte com a participação da filósofa gaúcha Márcia Tiburi no ‘Saia Justa’ (GNT) e em programas como o ‘GloboNews Painel’.

A proposta de tentar aproximar a linguagem da filosofia do público é ousada, mas tem entusiastas. Tiburi é uma delas (leia texto ao lado), também amparada pela professora Dulce Critelli, 54, da PUC-SP, para quem a iniciativa é louvável. ‘Acho que a filosofia tem de ser mais acessível’, afirma.

O filósofo Leandro Konder, 69, da PUC-RJ, acha que não existe fórmula nem receita para falar de filosofia na TV e vê positivamente a abertura do assunto. ‘Os princípios filosóficos são acessíveis a todos, depende do tratamento dado ao tema’, diz.

O programa não pretende ensinar filosofia academicamente, mas oferecer ao espectador uma iniciação ao tema, incitando à reflexão. É o que garantem Eugenia Moreyra, editora-executiva do programa, e Bruno Bernardes, editor do quadro. ‘É plantar uma sementinha e esperar os resultados’, diz Moreyra, empolgada com o projeto com elogios ao editor, ‘pai’ da idéia.

‘Ser ou Não Ser?’ vai ao ar aos domingos, dentro do ‘Fantástico’. ‘Não vou assistir porque estarei fazendo outras coisas’, afirma Giannotti. Como em determinado ramo da filosofia, será ver para crer. ‘Acho que as pessoas se surpreenderão’, acredita Mosé.

‘É preciso saber ouvir’, diz apresentadora

A mistura de diferentes universos e referências proposta com a nova formação do ‘Saia Justa’, do GNT, é um dos desafios para a filósofa Márcia Tiburi, 35, professora da Unisinos-RS e apresentadora de um programa de filosofia numa TV local de Porto Alegre. Ao lado de Mônica Waldvogel, Luana Piovani e Betty Lago, ela discute, semanalmente, temas polêmicos e acha que, como profissional, seu dever é ouvir antes de falar no programa.

‘Eu entrei porque é um espaço de conversação, e filosofia começa com isso. É preciso construir um diálogo lúcido. A filosofia combate o vazio do pensamento. O programa não é sobre filosofia, mas nele há muito dela’, diz Tiburi, para quem sua entrada na atração não pretende oferecer respostas acadêmicas às discussões.

‘Eu acho que a filosofia é uma coisa que está na vida de todas as pessoas porque pensar é algo comum, todo mundo faz. Não pretendo apenas divulgar a história da filosofia, que é muito interessante, mas construir uma ponte com a academia’, afirma.

Para Tiburi, popularizar a filosofia é o grande desafio da academia. Segundo ela, poucos livros promovem a iniciação ao assunto. Para ela, autora de ‘Filosofia Cinza – A Melancolia e o Corpo nas Dobras da Escrita’ (ed. Escritos), é corajoso promover a simbiose entre a rapidez e a instantaneidade da TV com o pensamento filosófico. ‘Eu admiro as pessoas que fazem isso.’’



O APRENDIZ
Bia Abramo

‘‘O Aprendiz’ indica desigualdade entre sexos’, copyright Folha de S. Paulo, 17/7/05

‘De novo , ‘O Aprendiz’. A segunda temporada difere pouco da primeira em termos de regras e, de novo, vem sendo um sucesso de audiência. Mas há uma espécie de coincidência sobre a qual vale a pena pensar: desta vez, as mulheres vêm sendo rapidamente eliminadas. Em seis episódios, já foram demitidas cinco mulheres. Aparentemente, não quer dizer nada: mas será que não mesmo?

Para tentar responder, antes é preciso pensar um pouco sobre o papel da realidade no ‘reality show’. Embora empreste o nome, esse formato tem pouco a ver com a vida real. Seria mais adequado falar em hiper-realidade, uma vez que os programas estilizam os traços que convêm à lógica do show e, nesse processo, recriam uma aparência distorcida a ponto de se apresentar mais ‘realista’ do que a própria realidade. Ou seja, essa realidade inventada está próxima da ficção.

Assim, num ‘reality’ do tipo ‘Big Brother’, em que os relacionamentos humanos são postos sob essa lente hiperrealista, por mal ou por bem, as relações entre os participantes seguem um script imaginário e coletivo de como aquilo deve ser; os do tipo ‘Extreme Makeover’ (inclusive os mais ‘leves’, como ‘Queer Eye for the Straight Guy’) fazem acontecer a fantasia coletiva e individual de perfeição, mesmo que seja só para se exibir diante da família e dos amigos.

No caso de ‘O Aprendiz’, encena-se a ferocidade competitiva do universo corporativo. É como uma ‘entrevista de emprego’, dizem, em que as situações enfrentadas por candidatos a adentrar o mundo dos executivos de altos salários são reproduzidas tal como se dão no mundo real. O trabalho, que aparentemente é um valor em si mesmo, é considerado um jogo de ‘pega-pra-capar’, em que ‘só os fortes’ sobrevivem. Ninguém tem direito ao trabalho porque este é um direito em si, mas pela performance mais ou menos adequada à cartilha cruel da competição.

Nessa atmosfera, de fato, não se espanta que as mulheres estejam ‘fora do padrão’. Não que as mulheres não possam, eventualmente, jogar esse jogo -tanto o fazem, que a vitoriosa do primeiro episódio foi uma mulher.

Mas o programa, mesmo que de forma não intencional, está tratando do mesmo mercado que confere salários menores para mulheres com o mesmo grau de escolaridade na mesma posição e que considera o trabalho feminino como mais caro, a despeito de evidências em contrário (estudo da OIT aponta que a diferença de custo do trabalho feminino em relação ao masculino é desprezível para os empregadores).

Daí não é surpresa que as mulheres venham sendo ‘postas no seu lugar’, ou seja, para fora (a taxa de desemprego, evidentemente, também é desigual). Brincar com a hiperrealidade tem esse problema. Na tentativa de acertar num alvo, atinge-se outro.’



Bia Moraes

‘‘O Aprendiz’ inspira seleção de jornalistas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/7/05

‘Termina nesta sexta-feira (15/07), em clima de grande expectativa, uma seleção de jornalistas que concorrem ao cargo de editor de uma revista na Editora Quantum, de Curitiba. A novidade é que o processo de seleção – que durou três semanas – foi inspirado no seriado ‘O Aprendiz’. Os concorrentes tiveram que participar de provas práticas durante cinco dias, sendo eliminados paulatinamente aqueles que não alcançavam os resultados propostos. Para a ‘grande final’ de hoje, sobraram apenas duas pessoas.

A gerente de Recursos Humanos da editora, Mariane Salvalaggio, conta que após o anúncio do concurso ‘O Aprendiz Quântico’, cerca de 200 currículos foram enviados para a primeira etapa da seleção. Uma equipe da Quantum passou uma semana analisando os documentos e fazendo a triagem dos que seriam entrevistados pessoalmente. De acordo com Mariane, 80% dos currículos enviados eram de jornalistas, a grande maioria deles com especializações em marketing ou comunicação corporativa. ‘Também tivemos pessoas formadas em Administração, com pós-graduações na área de comunicações ou marketing, e formados nas outras áreas de Comunicação Social (Publicidade ou Relações Públicas’.

A etapa seguinte – para a qual 45 pessoas foram escolhidas, todas pós-graduadas – foi de entrevistas pessoais. Mais uma semana de trabalho. Dessa fase, seis candidatos foram ‘peneirados’ para as provas práticas, que começaram nesta segunda-feira (11/07).

Os seis concorrentes – cinco jornalistas e um formado em Administração – passaram os dias em um hotel da cidade, participando de jogos desde a manhã até o final da tarde, quando eram liberados para ir para casa. No final de cada dia, um dos candidatos era eliminado. ‘Os jogos foram elaborados por uma equipe da editora e simulavam situações reais do dia-a-dia de um jornalista, trabalhando sob a pressão do fechamento, com prazos e tudo o mais’, explica a gerente de RH. ‘Avaliamos o perfil psicológico, as habilidades, a capacidade de trabalhar em equipe, as reações sob pressão, a criatividade, entre outros aspectos’.

Da equipe de avaliação fazem parte, além de Mariane, o diretor e proprietário da Quantum, Raul Candeloro, e a editora-chefe da empresa, Alessandra Assad.

A vaga oferecida é de editor de um novo produto: uma newsletter voltada para o setor de vendas empresariais. A remuneração é de R$ 2.000,00 mensais. O piso salarial de jornalistas no Paraná é de cerca de R$ 1.600,00.

Para a final de hoje, os nervos estão à flor da pele – não só dos dois finalistas, mas também da equipe da Quantum. ‘Não foi difícil só para os candidatos, nós também estamos sentindo bastante’, diz Mariane.

A editora Quantum é especializada em publicações segmentadas, de circulação dirigida. Além de livros, publica as revistas Venda Mais, Crescimento Pessoal e Motivação e Liderança e Supervisão, todas com distribuição nacional.’