‘No final dos anos 70, o empresário Adolpho Bloch transfere para o Rio a sua Rádio Federal, então sediada em Niterói.
Pouquíssimos ainda se lembram disso. Essa mudança, aparentemente simples, ocorrida em 15 de julho de 1980, foi responsável por um importante capítulo na história do Rádio no Brasil.
Decidindo rebatizá-la com o nome da sua famosa revista semanal, Bloch inaugurava a Rádio Manchete AM (ZYJ 478 – 760Khz).
Bem estruturada e possuindo um time invejável de comunicadores, conquistou rapidamente grande audiência (até então dividida entre Globo e Tupi), tornando-se uma das mais importantes emissoras cariocas.
Verdadeira escola para muitos profissionais, consagrou nomes como Paulo Bob, Alexandre Ferreira*, Edmo Luiz, Kleber Sayão*, Marcos Fraga, Selma Vieira, Evil Mendonça, Jair Lemos*, Silvio Campos, Lady Labonde, Mário Belisário*, Jota Abud*, Wagner Montes* e muitos outros.
Como diretores, por lá passaram Carlos Sigelmann, Eduardo Andrews, Clever Pereira* e Rodolfo Paul.
A área técnica contou com a dedicação dos cascudos Sérgio Scapelli, Francisco de Assis, Ézio*, Rui Taveira*, Paulo Roberto Palácio* entre outros.
Mas um personagem, em especial, virou sinônimo da emissora: Roberto Canazio. Falando a este repórter, contou que ‘os 25 anos da Rádio Manchete AM coincidem com os meus 25 anos de carreira’. Disse também que o diretor à época (Eduardo Andrews) apostou nele para ocupar o chamado horário nobre (9 às 12h). Essa decisão, ousada, acabou bem-sucedida…
Sobre qual o seu melhor momento na Manchete, Canazio disse que, na verdade, o que realmente ficou marcado foram os 20 anos que passou na Bloch, a partir de 1979 (quando chegou para inaugurar o canal FM).
Em 1987, Cidinha Campos é contratada, com enorme repercussão, pois estava no auge do sucesso na Tupi e acabara de ser eleita deputada federal pelo Rio. Nesse tempo, a Manchete suplantava a Tamoio, ocupando um confortável terceiro lugar na preferência do ouvinte.
Na década de 90, os graves problemas financeiro-administrativos da TV Manchete e nas revistas Bloch atingem em cheio a rádio. Infelizmente, tudo desmorona em outubro de 1999.
Com a falência das Empresas Bloch, a RM fica ‘à deriva’. O dono da concessão, Pedro Jack Kapeller (sobrinho do patriarca Adolpho), começa a analisar propostas de arrendamento. Uma delas, assinada pelo empresário Jair Marchesini, parecia uma boa solução para manter a rádio (e os empregos dos poucos funcionários que ‘sobreviveram’) no ar.
Conhecido pelo programa de TV Câmera Aberta, ele trazia planos de colocar a estação no topo da audiência em pouquíssimo tempo.
Ainda em outubro daquele ano, os estúdios trocam a Rua do Russell 804 pelo 39º andar do edifício Conde Pereira Carneiro, na Avenida Rio Branco 110. Nascia a Manchete CCI (sigla da produtora Central de Comunicação e Imagem, pertencente a Marchesini).
O Jornalismo, revigorado, tinha a experiência de Marcelo Figueiredo e Cezar Severo (remanescentes da ‘antiga’ Manchete). Somando-se a eles, profissionais vindos de outras emissoras e este modesto escriba. Na chefia de reportagem, Tarcísio Baltar.
A ‘nova’ emissora ganhava uma equipe de esportes, liderada por Cezar Rizzo.
Roberto Canazio permaneceu no grupo de comunicadores (chegando a ser coordenador, função inédita em sua carreira), que tinha ainda Mário Belisário, Cirilo Reis, Evil Mendonça, Edmo Luiz, Sargentelli (de volta ao Rádio após muitos anos) e a modelo Enoli Lara, que faria à noite um programa abordando a sexualidade.
Mas essa (ótima) equipe não bastou para manter o trabalho que prestavam aos novos donos. A esperança naufragou vertiginosamente.
Sem investir na qualidade técnica (principalmente o som, que era muito ruim durante o dia e quase inaudível à noite), Marchesini vai, aos poucos, priorizando seus negócios na TV.
O contrato acaba em outubro de 2000, gerando vários processos na Justiça do Trabalho. Rebaixada à condição de fantasma (ausência de locutores, no jargão do meio), passa a transmitir apenas música, gerada pelo transmissor em São Gonçalo, município vizinho à capital fluminense.
A situação parecia irreversível, permanecendo inalterada até 2002, quando há uma nova tentativa de ‘ressuscitar’ a Manchete, agora sediada em um grupo de salas na rua da Assembléia.
Novos jornalistas foram contratados (Caio Álex e Geórgia Christine à frente), Wagner Montes e Cidinha Campos estão de volta, trazendo ainda Mário Esteves, Sérgio Ricardo, André Rodrigues, o ator Francisco Cuoco (fazendo sua estréia no Rádio) e o repórter esportivo Marcus Vinícius, com um projeto de cobertura especializada no clube de futebol Flamengo. O coordenador era novamente o veterano Clever Pereira.
Tudo isso não durou um ano… Os planos fracassam, mais uma vez.
Hoje, três anos depois e passados 25 daquela festejada inauguração, quem ama o Rádio sintoniza o canal 760 com tristeza e enorme sensação de impotência.
Controladora das rádios Tamoio e Capital (que transmitem a mesma ‘programação’ na mesma freqüência – o que é ilegal, mas não há punição), a Manchete passou ao portfólio da ‘igreja’ Deus é Amor, que a arrendou.
Sem notícia, sem comunicadores, sem entretenimento, mas com gritaria e lavagem cerebral de sobra…
Temos apenas disposição e muita vontade de trabalhar (não temos malas, pois não cobramo$ nem recebemo$ dízimo), e só isso não impede a invasão do nosso mercado de trabalho por oportunistas, afastando os profissionais competentes e criando obstáculos quase intransponíveis aos que tentam conseguir um espaço, por menor que seja.
Por outro lado, é bom saber que (ainda) existem pessoas, assim como eu, eternamente utópicas-otimistas-teimosas, querendo mudar esse panorama desolador.
Não é impossível mudarmos as leis que regulam a radiodifusão para inverter esse panorama (Aproveitando essa onda anti-corrupção que toma conta do País).
Podemos redigir e encaminhar Projetos de Lei de Iniciativa Popular, fazer a cobrança permanente dos deputados federais e senadores (através do e-mail, fax ou carta), sem falar na Grande Rede (viva a Internet!) cujos blogs (uma revolução dentro da revolução digital) tornaram-se instrumento fundamental na crítica, análise e acompanhamento do que acontece no dia-a-dia (vide os recentes atentados em Londres).
Apenas não esqueçam: o computador é um aliado, e não o futuro túmulo da octogenária caixinha falante.
Mesmo com toda a cretinice e boçalidade reinantes (amém, Chico Buarque!), o Rádio bem produzido e de qualidade não irá morrer, nunca!
Depende apenas de nós.
*Profissionais ainda na ativa, em outras emissoras.’
RACISTA, EU?
‘Cartuns de Pestana analisam o racismo’, copyright Folha de S. Paulo, 18/7/05
‘Um policial pára um carro dirigido por um negro que, de dentro do automóvel, põe as duas mãos para o alto. ‘Só queria uma informação’, diz o policial. ‘Desculpe-me, é a força do hábito’, responde o negro. O diálogo, em forma de cartum, ilustra a capa e prenuncia o conteúdo do segundo volume do livro ‘Racista, Eu? De Jeito Nenhum!’, que o cartunista Maurício Pestana lança neste mês pela editora Gênero.
Se, como dizia o grupo O Rappa, todo camburão tem um pouco de navio negreiro, Pestana é o ilustrador desta realidade. Nascido em Santo André (SP), com passagem por diversos veículos de imprensa, como ‘O Pasquim’ e a revista ‘Isto É’, o cartunista é um estudioso do envolvimento e da representação dos negros nas artes gráficas -ou da falta de representação, já que no Brasil, país com enorme população negra, os personagens e desenhistas são majoritariamente brancos.
‘A falta de negros como profissionais do desenho explica em parte porque eles são pouco retratados nos quadrinhos: o desenho se parece com o desenhista’, explica Pestana. Entre os motivos pelos quais o percentual de cartunistas e ilustradores negros é tão reduzido, Pestana cita as dificuldades econômicas que empurram os jovens pobres para outros trabalhos, tomando o tempo necessário para o aperfeiçoamento nas artes gráficas.
Segundo ele, a situação constrói uma cadeia viciosa: com poucos negros desenhando, há poucos negros desenhados e muitos estereótipos na hora de representá-los. ‘Na situação atual, os desenhistas têm uma vivência do outro. É preciso que tenhamos artistas negros, roteiristas negros para contar sua própria história’, diz.
Ele explica as diferenças de representação citando seu próprio exemplo. ‘Quando eu desenho um negro nos quadrinhos, eles nunca saem da mesma cor, ao contrário do que acontece quando o desenhista é branco.’’
MISÉRIA EM PAUTA
‘Você engole ou vale apurar?’, copyright Revista Imprensa, 7/05
‘O movimento de responsabilidade social das empresas tem ganhado mais críticos. Os filmes ‘The Corporation’ e ‘Quanto Vale ou É Por Kilo?’, e o livro ‘Atores e poderes na nova ordem global: assimetrias, instabilidades e imperativos de legitimação’, engrossam a onda dos que batem pesado no que muitos julgam, simplesmente, como marketing da miséria. A nova filantropia age como partido político ou como uma companhia religiosa, é imbuída de ideologia, crenças, valores e um sentimento de missão, é conduzida por um exército de militantes, oriundos da velha esquerda marxista-leninista ou da universidade. É um movimento, que já tem uma máquina gigantesca de propaganda e comunicação tocada por profissionais de propaganda, jornalismo e de relações públicas, que alimenta, sem parar, colunas do jornalismo de massa e mídias próprias. Como os políticos ou pastores e padres, esses crentes da corporate social responsability agem com fervor missionário, que lembra jesuítas a ensinar o catecismo em latim para indígenas pelados.
Puxando o cordão dos que desconfiam desse discurso fervoroso, que se pretende único, o filme canadense ‘The Corporation’, de Mark Achbar e Jennifer Abbot, crítica o comportamento amoral, e sem nenhum sentimento de culpa, de empresas globais (tidas por aqui como campeãs da responsabilidade social). Esse comportamento corporativo impõe seus interesses sobre os das sociedades onde atuam, com a ajuda dos podres poderes e de relações não-públicas. Para sustentar este ponto de vista, o filme baseado no livro ‘The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power’, de Joel Bakan, entrevista gente como o pai da Administração moderna, Peter Drucker, Anita Roddick, presidente da ‘Body Shop’, empresa que é uma espécie de Vaticano da nova filantropia. O economista Milton Freidman, um dos entrevistados, faz uma declaração para lá de antológica: ‘pedir responsabilidade social a uma corporação faz tanto sentido quanto pedi-la a um edifício’. O filme do brasileiro Sérgio Bianchi, ‘Quanto Vale ou É por Quilo?’, enfoca as organizações não-governamentais que, na visão do cineasta, são meros aparelhos de exploração dos pobres. Uma frase que anuncia o filme reforça esta tese: ‘mais valem pobres na mão do que pobres roubando’. Já o livro do professor Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, vê as ações de responsabilidade social corporativa na necessidade de legitimação das ações de empresas, que têm estruturas econômicas maiores de que muitos países integrantes do ranking dos 100 maiores economias mundiais. Em seu livro, Dupas cita David Herderson, que já foi economista-chefe da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico): ‘lembra que a ‘boa cidadania empresarial’ não é gratuita, e que seu custo adicional acaba sendo pago por toda a sociedade via aumento de preços’.
Em um ambiente público em que ações governamentais como o Programa ‘Fome Zero’ nem decolaram e ficaram apenas no plano do discurso de personalidades como o presidente Lula e seus assessores Frei Betto e Oded Grajew , o ceticismo da sociedade, em relação aos discursos salvadores, só tem aumentado. Expressões como responsabilidade social começa a integrar o universo das palavras-ônibus, expressão criada pelo sociólogo Pierre Bordieu, para designar palavras que abrigam tudo, independentemente da credibilidade de seus enunciadores. Diante de palavras e expressões vazias, o jornalista tem uma excelente oportunidade de resgatar uma das principais atribuições da profissão: a dúvida.’