Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sabedoria dentro da livraria

‘Sabedoria é a santidade dos ateus’, escreve André Comte-Sponville em seu Dicionário Filosófico (Martins Fontes, 2003).

Sejamos ateus práticos ou teóricos, crentes praticantes ou praticamente descrentes, somos todos convidados, em razão da nossa racionalidade, a ter uma postura existencial que supere o mero contato com a avalanche de sensações e informações, caminho que nos empurra para a vala comum da mediocridade.

A nossa ‘santidade’ (sanidade), consiste em alargar o coração e o pensamento para além dos limites cuidadosamente estabelecidos pelos manipuladores do sentimento e da inteligência, manipuladores que pela propaganda comercial, ideológica, religiosa ou política fazem com que façamos o que não preferimos fazer.

Ser feliz, diz o pensador Julián Marías, é preferir aquilo que preferimos. O sábio prefere o que prefere, e o faz na medida em que tem consciência de preferir o melhor. Sua preferência pelo preferível nasce de uma vida interior cuja pureza está distante, ao mesmo tempo, da ingenuidade e da malícia.

A malícia do manipulador sobre a ingenuidade do manipulado, eis a fórmula de tantas manifestações midiáticas. O homo communicans, na definição de Philippe Breton, é o homem sem interioridade. Tanto o algoz que manipula como sua vítima carecem do distanciamento que nos faria sobrevoar os apelos, as chamadas, e captar a única coisa necessária: nossa dignidade.

Um exemplo recente, minúsculo. A Editora Globo acaba de lançar um livro: O Gênio e as Rosas, e outros contos. Eis como o lançamento é anunciado: ‘Dois grandes nomes da cultura brasileira, Paulo Coelho e Mauricio de Souza, apresentam histórias do Ocidente e do Oriente ilustradas com a Turma da Mônica’.

O que pensar a respeito?

Uma voz dirá: ‘Ora, o que há de errado? Os dois homens são conhecidos e se uniram para fazer um trabalho que garante a sobrevivência da editora e o emprego de seus funcionários!’

Uma segunda voz, porém, mostrará que a expressão ‘cultura brasileira’ foi seqüestrada aqui, e pagará o resgate todo aquele que engolir esta mensagem.

Mas Paulo Coelho entrou na Academia Brasileira de Letras em disputa com o cientista político Hélio Jaguaribe! E, conforme afirmou Tarcísio Padilha, a vitória de Paulo Coelho ‘sinaliza para uma literatura nova’!

Portanto, com sua licença, eu vou comprar o novo livro de Paulo Coelho, sim.

Só espero que o coelhinho da Mônica me acerte em cheio antes de eu chegar à caixa.

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Doutor em Educação pela USP e escritor