Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Russio

‘Olá, amigos.

Quem lê esta coluna sabe que eu sempre fui favorável a que os jornalistas esportivos declarassem seus clubes de coração, uma vez que sempre vi o mistério como uma bobagem, algo que não tinha propósito algum a não ser alimentar o imaginário dos torcedores sobre qual seria o time do jornalista fulano de tal.

Na última semana, em um bate-papo com colegas jornalistas, especialmente de TV, percebi que não posso mais chamar de bobagem a opção de um repórter esportivo de não declarar seu time de coração. Ouvi relatos de casos em que repórteres de TV e rádio foram agredidos verbal ou fisicamente por torcedores que imaginavam que eles torciam por um time que, por ventura, havia derrotado o dos torcedores.

Um dos repórteres de TV deu, com muita coerência, um relato dos males que a revelação do time pode trazer. Seguem alguns deles:

1) Muitos torcedores não sabem distinguir os nomes dos repórteres, ou não se preocupam em fazê-lo. É um risco para todos os repórteres de uma determinada emissora que um deles seja identificado com um time. Na hora da frustração, a torcida sabe apenas que ‘o repórter da TV XYZ é corintiano’. E, a partir desse momento, todos os repórteres da TV XYZ passam a correr risco potencial.

2) O time de futebol é, muitaz vezes, a única coisa que faz com que o torcedor se sinta vencedor, vitorioso. Imaginar que um repórter faz uma crítica ao seu time, e associar a crítica à uma improvável (porém comum) paixão clubística acaba identificando o repórter como um rival que quer prejudicar o time do torcedor, e, em última análise, ajudar a que ele deixe de se sentir vitorioso.

Pensando bem sobre o assunto, acabei mudando a minha opinião. Vi que os repórteres esportivos que cobrem futebol mexem com forças que eles não controlam, e que podem se voltar contra eles com extrema facilidade e extrema violência.

Por tudo isso, hoje apóio que colegas jornalistas não revelem seus clubes de coração. Pela segurança, pela isenção ou mesmo que seja apenas (como se fosse pouco) pelo bem coletivo da classe.

*****

Ao mesmo tempo, ouvi histórias de repórteres que foram a jogos com a camisa do clube por baixo da camisa de trabalho, repórteres que beijaram o chão da sede de uma torcida organizada, que foram perseguidos por terem colocado em suas páginas do Orkut símbolos de seus times de coração, que levaram camisas de clubes para dentro de carros de reportagem que acabaram apedrejados, repórteres que foram assaltados enquanto faziam matérias, inclusive ao vivo.

Enfim, há histórias para todos os gostos. Esse negócio de paixão clubística é, realmente, seríssimo. E todos os jornalistas esportivos devem pensar 10 vezes ou mais antes de agirem como torcedores. Porque, em última instância, o jornalista tem na sua imagem e nos seus textos as maiores garantias da sua isenção. Se isso for quebrado, pode ser que não haja um próximo emprego, que já está tão difícil sem que nada disso seja feito.’



FENÔMENO
Ancelmo Gois

‘Palocci que se cuide’, copyright O Globo, 24/7/05

‘Ronaldo Fenômeno disse ao ‘El País’ que, quando parar, vai estudar economia e marketing.

A revista do jornalão espanhol publicou uma grande reportagem (‘Retrato da vida de um ídolo generoso’), enchendo a bola do craque. Que bom.’



CURTO PRAZO
Luis Fernando Veríssimo

‘Hoje, terça’, copyright O Globo, 24/7/05

‘Estou escrevendo isto numa terça-feira. Vou fazer uma viagem, pequena, mas que me obriga a deixar esta matéria pronta. Como se sabe, não há nada que aterrorize mais um jornalista — salvo, em alguns casos, a gramática — do que escrever com antecedência sobre fatos que podem traí-lo, não acontecendo ou acontecendo ao contrário. Como aquele repórter americano designado para escrever sobre a chegada do ‘Titanic’ a Nova York que preferiu deixar o texto que acompanharia as fotos do imponente navio atracando, com foguetes e banda de música, pronto, e ir passar um fim de semana com a namorada — do qual, é claro, nunca mais voltou. Uma história que eu acabei de inventar mas que ilustra bem nosso pavor. Entre o meu hoje (terça-feira) e o seu, leitor, há quase uma semana enfileirada em que, dada a situação brasileira, qualquer coisa pode ter acontecido, e provavelmente aconteceu. Inclusive o naufrágio do governo com poucos sobreviventes. Você não pode deixar de comentar a situação e ao mesmo tempo não sabe como ela será amanhã, o que dirá daqui a cinco ou seis dias. Estamos vivendo (nós que temos que ser pertinentes, e escrever antes) o pesadelo do curto prazo. Ah, escrever com tempo, sobre filósofos ou jardins, para grossas revistas mensais…

Eu poderia recorrer à minha bola de cristal mas ela está com defeito: só mostra o passado. Olho-a e vejo as manifestações contra o Collor que acabaram com o seu impixamento. Sempre achei que o Collor caiu pela empáfia. Não derrubaram um presidente, derrubaram uma pose. Não sei que paralelos podem ser feitos — ou que paralelos surgiram depois da terça-feira em que escrevo — entre Lula e Collor, mas não imagino manifestações com o mesmo tom contra Lula, cuja imagem pública hoje (terça-feira) é mais de desamparo do que qualquer outra atitude. Não dá para ver na minha bola de cristal, mesmo sacudindo-a, quando foi que o clima de então exigiu o desenlace radical da renúncia e o país entrou na lógica do inevitável. Não sei se estamos nesta lógica agora. Outras cenas na bola de cristal têm a ver com a corrupção de então e com os escândalos nunca investigados do passado mais recente, para efeitos de comparação com hoje, mas elas se tornaram irrelevantes diante do clima de derrocada final. A bola de cristal não me ajuda em nada. É o que dá, cristal nacional.

Enfim, consegui escrever uma crônica sem risco. Serve tanto para o ‘Titanic’ chegar ou não chegar.’



COBRAS E LAGARTOS
Marcelo Godoy

‘Repórter desvenda segredos do PCC’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/7/05

‘O preso Idemir Carlos Ambrósio entrou na sala do diretor da prisão. Ia enfrentar José Ismael Pedrosa, um funcionário experiente que fizera sua carreira entre a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté e a Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Pedrosa estava de volta a Taubaté, onde, no Anexo da Custódia, o governo trancafiara os criminosos mais perigosos do Estado. Com seus cabelos branco e sentado atrás da mesa robusta, Pedrosa ouviu o detento dizer: ‘O PCC foi fundado por nove pessoas: oito presos e o senhor.’

Mais conhecido como Sombra, Ambrósio sabia do que falava, pois já havia passado uma temporada naquela cadeia de regras rígidas como o tratamento dado aos prisioneiros. O acaso impediu que Sombra estivesse na reunião de fundação do Primeiro Comando da Capital. É que não lhe deixaram participar do jogo de bola no Anexo da Custódia, o Piranhão, quando seus amigos criaram oficialmente a maior facção criminosa da história de São Paulo.

O diálogo entre diretor e preso descrito no livro Cobras e Lagartos, do jornalista Josmar Jozino, é uma imagem perfeita de como nasceu a organização. Josmar mostra que o PCC teve três aliados importantes em sua criação e em sua conquista dos cárceres paulistas: a corrupção no sistema prisional, os maus-tratos e o massacre de 111 presos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção.

A obra foi buscar nos depoimentos e relatos das mulheres dos líderes do crime organizado, as primeiras-damas, os segredos dos homens que construíram a facção, muitos dos quais foram devorados pela revolução que eles provocaram nas penitenciárias do Estado.

Mas a obra de Jozino não se limita a um relato da vida prisional. Vai além. Ele nos conta o funcionamento do crime organizado nas ruas e como isso influenciou os criminosos comuns, enquanto o PCC ampliava seus negócio não só com o domínio dos pontos de venda drogas, mas também cobrando contribuições em dinheiro dos maiores ladrões e seqüestradores do Estado. Até alguém como Andinho, o seqüestrador que apavorou Campinas, teve de bancar uma festa de primeiras-damas do grupo, além de pagar mesada à facção.

Jozino traz também muita informação inédita. É ali, em seu livro, que se revela que a ordem para a megarrebelião nos presídios paulistas, ocorrida em 2001, partiu da Penitenciária de Piraquara, no Paraná, onde estava Cesar Augusto Roris, o Cesinha, fundador da facção e então um dos chefes do grupo.

CABEÇAS

Cesinha foi o inventor de uma das marcas registradas do grupo: cortar a cabeça dos rivais e exibi-las nas rebeliões. A crueldade, os achaques, as disputas de poder, as sentenças de morte são constantes na história do PCC. O Estado, além de não impedir essas práticas, errou ao tentar esconder até mesmo a existência da facção.

Pouco se fez ainda contra verdadeiros vexames, como a fuga da Casa de Detenção do preso conhecido como Mister M. Tratava-se de um preso que não tinha uma de suas pernas. O problema é que ele escapou pulando a muralha de cerca de sete metros de altura do antigo presídio. Tampouco se explicou como presos transformavam suas celas em duplex nos pavilhões com o dinheiro da venda de drogas.

A polícia reagiu, então, pondo os pés pelas mãos ao organizar infiltrações de presos na facção, que terminaram na morte de 12 deles na Operação Castelinho – 50 policiais militares estão sendo processado na Justiça pela execução dos bandidos.

O que foi vendido como uma vitória da inteligência policial era, na verdade, uma ação pra lá de mal explicada pelo governo, que chegou a acusar o homem que lutou contra o esquadrão da morte, o então vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo (PT), de querer ‘atrapalhar a polícia’, repetindo o bordão usado nos anos 70 pelos que defendia o esquadrão.

Com sua narrativa direta, Jozino nos ajuda a compreender o crime organizado. De fato, ele não pesquisou, apurou, entrevistou e enfrentou até ameaça de morte para terminar num armazém de secos e molhados.’