Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reinvenção é palavra-chave, defende Economist

A revista britânica Economist pergunta, na capa de sua edição de 24/8/06, ‘quem matou o jornal?’. Em editorial homônimo e em longo artigo intitulado ‘Mais mídia, menos notícias’, a publicação explora o futuro dos impressos – que define como nada promissor –e sua relação com a internet.

Se, por décadas, magnatas da mídia desfrutaram de situações próximas a monopólios, gordas margens de lucro e garantia de retorno de capital, a partir de meados dos anos 1990 eles tiveram que encarar uma onda de mudanças e começar a pensar em um novo modelo de negócios. Impressos em todo o mundo lançaram sítios na internet, mas, até 2002, sua atuação poderia ser considerada tímida ao extremo. Estes jornais online apenas repetiam o conteúdo de suas versões em papel e eram vistos como meios secundários e menos importantes.

Esta percepção teve que mudar. Com raras exceções, 2005 foi um ano terrível para as companhias jornalísticas, que ainda dependem majoritariamente de lucro proveniente da venda dos impressos. Com cada vez mais pessoas buscando notícias na internet, a circulação paga caiu. Os anunciantes, seguindo o público, também vêm abandonando o papel e migram para a rede. Segundo analistas, a previsão é de que um terço dos anúncios dos jornais serão perdidos para plataformas de mídia digital nos próximos dez anos.

De acordo com a Economist, o ‘desaparecimento’ dos jornais é algo com o qual se preocupar, mas não representa motivo para pânico na indústria. As companhias deverão reinventar seu produto na internet e em outras plataformas da chamada nova mídia, como telefones celulares e aparelhos eletrônicos portáteis. A pergunta que fica é: será isso o suficiente para a sobrevivência da indústria?

Tempo de mudança e inovação

Esta transição, já em curso nos últimos anos, leva os jornais a buscar soluções criativas de como utilizar a internet – como o uso de áudio, vídeo, links para outros artigos e artifícios interativos. Se, no começo dos sítios de jornais, acreditava-se que era preciso preservar os melhores jornalistas para a versão impressa, hoje cada vez mais companhias tratam suas páginas online como prioridade. A mudança de postura ocorreu depois que grande parte da indústria notou o crescimento do lucro com anúncios na rede. Em muitas companhias de jornais, a publicidade online tem aumentado pelo menos 30% ao ano. O valor dos anúncios na internet cresceu até 70% na primeira metade de 2006. Além disso, os sítios de jornais têm maior margem de lucro do que as versões impressas porque não possuem gastos com impressão e distribuição.

Ainda assim, um outro problema ronda a migração do papel para o monitor. Segundo Gavin O´Reilly, presidente da Associação Mundial de Jornais, os leitores de impressos valem mais do que os leitores online. Explica-se: quando pega um jornal em papel, o leitor dedica mais tempo a ele, costuma ler página por página, etc. Já o internauta lê o jornal online de forma fragmentada e aleatória. Desta forma, consultorias estimam que os jornais precisam ter entre 20 e 100 leitores online para compensar a perda de um leitor impresso.

Para descobrir como conquistar a atenção dos internautas, as publicações contratam empresas de pesquisa – e normalmente não gostam do resultado entregue. Estas pesquisas descobrem que os leitores querem histórias curtas e notícias que digam respeito ao ambiente próximo a eles: reportagens locais, esportes, entretenimento, previsão do tempo e tráfego. Especialmente na internet, o público quer ler sobre meios de melhorar a vida. Artigos longos e elaborados sobre conflitos internacionais não aparecem como prioridade nos interesses dos leitores. O artigo da Economist diz que muitos jornais tendem a ignorar as pesquisas pelas quais pagaram – ‘a maior parte dos jornalistas, no fim das contas, prefere cobrir o Afeganistão a finanças pessoais’. Algumas companhias, entretanto, começam a ponderar os resultados. O Gannett, maior grupo de jornais do mundo, começou a tornar sua cobertura jornalística mais local, investindo em jornalistas munidos de laptops com internet sem fio que trabalham fora da redação, reportando diretamente da região da notícia que enviam. Com a proliferação das câmeras digitais e telefones celulares munidos destes dispositivos, muitas publicações começaram também a pedir ajuda dos próprios leitores, convocando-os a colaborar com informações e imagens.

O perigo é que todos os esforços implantados na internet ajudem apenas a desacelerar o declínio dos jornais. A maioria das empresas jornalísticas insiste que manter um jornalismo de qualidade e distribuí-lo de novas maneiras é o suficiente para continuar a crescer, mas, como pontua o artigo da Economist, as companhias com as melhores chances são aquelas que conseguirem experimentar modelos de negócios completamente inovadores. Ter sítios excelentes e vender espaços publicitários neles pode não ser o bastante, alerta a revista.

Para cortar custos, economiza-se no jornalismo

Com todos estes fatores, as empresas de jornais acabam com uma equação final bastante complexa nas mãos. Enquanto as pesquisas revelam que o público quer um jornalismo mais próximo a sua comunidade, os jornais se tornam veículos cada vez mais comerciais. Com o objetivo de salvar os títulos, executivos ganham mais poder nas companhias jornalísticas. Dinheiro, e não notícia, passa a ser a palavra-chave para a indústria. Os empregos editoriais já dão sinais de desaparecimento. Segundo dados da Associação de Jornais dos EUA, o número de pessoas empregadas no setor caiu 18% entre 1990 e 2004. Alguns jornais de renome, entre eles o Wall Street Journal, também começaram recentemente a incluir anúncios em sua primeira página. Por enquanto, esta tendência é vista em maior grau nos EUA, mas deve se espalhar em breve pelo resto do mundo.

Para complicar ainda mais a vida dos impressos pagos, não só a internet representa uma ameaça a sua saúde financeira. O mais recente choque para a indústria é o largo sucesso dos diários impressos gratuitos. Distribuídos em grandes centros urbanos, os jornais em formato tablóide fazem enorme sucesso entre os jovens, principalmente na Europa. Segundo dados da Metro International, companhia sueca pioneira na publicação de impressos gratuitos, hoje cerca de 28 milhões de cópias deste tipo são distribuídas diariamente. Os gratuitos conquistaram as pessoas que usam o transporte público para chegar ao trabalho – e aproveitam o tempo de viagem para ler o jornal que pegaram antes de entrar no ônibus ou metrô.

‘O maior inimigo dos jornais pagos é o tempo’, sentencia Pelle Törnberg, executivo-chefe da Metro. Assim como os leitores dos jornais gratuitos aproveitam seu tempo em trânsito, os internautas aproveitam o fato de já estar na frente do computador. Segundo Törnberg, os jornais pagos devem se tornar mais especializados se quiserem sobreviver.

Democracia em risco: a queda do Quarto Poder

Em editorial, a Economist chama atenção para outras preocupações que devem surgir em conseqüência do declínio dos jornais. Os jornais gratuitos investem em uma receita de textos curtos e, para atrair os jovens, trocam matérias sobre política e conflitos internacionais por textos sobre entretenimento e estilo de vida. O papel público da imprensa como ‘Quarto Poder’ estaria enfraquecido com o declínio da imprensa escrita paga? Escolas de jornalismo e centros de estudos do tema preocupam-se com a possibilidade, mas a Economist prevê que o futuro nada promissor dos impressos não será tão danoso para a sociedade como se teme. Afinal, a democracia já sobreviveu à enorme queda de circulação dos jornais na década de 50, com o estrondo da televisão.

A democracia, diz a revista, irá sobreviver mais uma vez. E quem busca por notícias nunca esteve tão bem equipado quanto agora. A internet amplia o leque de informações. Os leitores têm acesso aos jornais do mundo inteiro e sítios que agregam diferentes notícias sobre o assunto que eles procuram. Além disso, uma nova força de blogs e jornalistas-cidadãos promete fiscalizar o poder público e prezar pelo bom funcionamento da sociedade.

As chamadas hard news, as notícias quentes, ainda ficam prejudicadas com o declínio do papel e com os cortes do setor, já que blogueiros não costumam ir a campo e jornalistas-cidadãos costumam se ater a notícias locais. Mas é questão de tempo, diz a Economist, até que se descubram novos jeitos de se reportar online – e com qualidade. A revista dá o exemplo que um grupo sem fins lucrativos, o NewAssignment, que tem planos de combinar o trabalho de amadores com o de profissionais para produzir matérias investigativas na rede.

Segundo a fundação de pesquisa Carnegie Corporation, de Nova York, é provável que, no futuro, veículos jornalísticos de qualidade sejam financiadas por organizações sem fins lucrativos – o que já acontece com algumas respeitadas instituições como o Guardian, o Christian Science Monitor e a National Public Radio. Finalmente, colocadas na balança, as previsões traçadas pela Economist não parecem tão pessimistas assim: os melhores jornais do mundo disponíveis online para todo o mundo; jornalismo independente de qualidade amparado por instituições de caridade; milhares de blogueiros e jornalistas-cidadãos bem-informados preocupados com o bem-estar de sua sociedade. Há uma frase do dramaturgo e ensaísta americano Arthur Miller que dá conta de que ‘um bom jornal é a nação falando com si própria’. Segundo a Economist, a afirmação de mais de 40 anos atrás nunca pareceu tão atual.