Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Consultor Jurídico

‘O pedido feito por Paulo Maluf — de suspensão da programação da Rede Globo por 14 horas e a aplicação de multa à emissora — foi julgado improcedente pelo juiz auxiliar da propaganda eleitoral da 1ª Zona Eleitoral, Roberto Maia Filho. O candidato a prefeito de São Paulo usou como base da ação uma reportagem veiculada pela Globo. Ainda cabe recurso.

A notícia tratava das investigações sobre os supostos desvios de verbas de obras públicas e lavagem de dinheiro. Conforme a decisão, ‘o artigo divulgado pela requerida se insere no contexto da análise política, perfeitamente admissível num regime democrático’.

Maia Filho entendeu que a reportagem deu espaço para que fossem esclarecidas as duas versões dos fatos — as acusações do Ministério Público e a defesa de Maluf. Considerou também que ela tratava de um fato verdadeiro, a existência das investigações contra o candidato, de acordo com informações do TRE paulista.

Leia íntegra da decisão:

Processo nº 04/2004

Vistos.

Trata-se de REPRESENTAÇÃO formulada por PAULO SALIM MALUF em face de REDE GLOBO DE TELEVISÃO, em razão de haver esta veiculado, em sua programação de 08/7/2004, às 20:40 horas, matéria contendo opinião contrária ao requerente.

Pede, em razão disso, a suspensão da programação por 14 horas, bem como a aplicação de multa, conforme previsto nos artigos 45, § 2° e 56, da Lei nº 9.504/97.

Notificada, a requerida ofertou defesa. Alega que houve matéria jornalística na qual não foram veiculadas afirmações contrárias ao candidato, tendo sido obedecida a legislação eleitoral.

O Ministério Público opinou pela improcedência.

É o relatório.

D E C I D O.

Conforme bem observado pelo Ministério Público Eleitoral, não assiste razão ao requerente. Não se pode considerar que a matéria divulgada pela requerida conteve opinião contrária ao requerente, violando a lei, a ensejar suspensão da programação e imposição de multa.

Pelo que se nota das transcrições realizadas na peça vestibular, a reportagem se limitou a mencionar algo que a imprensa em geral já há um bom tempo vem divulgando: que se realizam investigações para apurar se houve um suposto desvio de verbas de obras públicas e ainda eventual lavagem de dinheiro, bem como se ocorreu o depósitos de tais valores em contas bancárias no exterior.

Segundo o Ministério Público do Estado, haveria envolvimento do requerente, o que este nega com veemência e, assim, tais investigações prosseguem.

Observa-se, portanto, que tais afirmações contidas na reportagem aqui questionada não têm nenhum caráter ofensivo e revelam as duas diferentes posições (do MPE e do candidato) quanto a um fato verdadeiro (existência das investigações).

Finalmente, o requerente alega que houve quebra do sigilo decretado em processo que tramita numa das Varas da Fazenda Pública, mas isto deve ser apreciado em outra seara, que não a justiça eleitoral.

Não se vê, portanto, nenhuma opinião pessoal contrária ao requerente. Outrossim, só resta considerar que o artigo divulgado pela requerida se insere no contexto de análise política, perfeitamente admissível num regime democrático.

Admitir o contrário equivaleria a engessar demasiadamente a campanha, dando guarida a suscetibilidades exacerbadas em detrimento do livre debate de idéias.

Assim decidiu o E. TRE/SP em julgado relatado pelo Juiz VITO GUGLIELMI (acórdão nº 135.372, processo nº 14.455, julgado em 07.08.2000 por v.u.).

No mesmo diapasão: ‘Qualquer homem público, que se lance à carreira política, há de suportar os debates e as críticas que, certamente, o acompanharão nesta empreitada’ (Relator Des. Viseu Júnior, Processo nº 04/2004 acórdão nº 131.488, processo nº 13.176, classe 2ª, julgado em 22.09.98).

Em igual sentido, tem decidido o E. T.S.E., como se nota nos seguintes arestos: ‘Divulgação de fato jornalístico. Improcedência

do pedido. A informação jornalística que noticia, sem ofensa à honra pessoal de candidato, fato comprovadamente verdadeiro, não se situa no âmbito tutelado pela legislação eleitoral, de modo a assegurar direito de resposta. (Acórdão nº 16.802, de 7.12.2000, Relator Ministro Maurício José Corrêa)’.

‘Constitucional. Eleitoral. Direito de resposta. Liberdade de imprensa. 1. A liberdade de imprensa é valor indissociável da democracia. Sem a liberdade de imprensa fica mais difícil o exercício das demais liberdades. 2. A informação jornalística que difunde, sem ofensa a

honra pessoal de candidato, fato comprovadamente verdadeiro e a opinião editorial que, no campo das idéias, aplaude ou critica posições de partidos ou candidatos sobre temas de natureza institucional, não se confundem com propaganda eleitoral nem com discurso político. Não se situam, portanto, nos espaços tutelados pela Lei Eleitoral de modo a assegurar direito de resposta. 3. Não cabe argüir direito de resposta quando o veículo de comunicação, ao constatar que a informação obtida, como no caso, de repartição do poder público, não é verdadeira e se apressa em desmentí-la, corrigindo-a no mesmo

espaço e com igual destaque. 4. Recurso conhecido e provido.’ (Acórdão nº 105, de 15.9.98, Relator Ministro Edson Vidigal).

Assim sendo, é de rigor a rejeição dos pedidos formulado na peça inaugural.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a REPRESENTAÇÃO formulada por PAULO SALIM MALUF em face de REDE GLOBO DE TELEVISÃO, indeferindo a pretensão deduzida na inicial.

Oportunamente, arquivem-se.

P. R. I. , dando-se ciência ao M.P..

São Paulo, 14 de julho de 2.004.

ROBERTO MAIA FILHO

Juiz Eleitoral’



FENAJ
Portal Imprensa

‘Situação vence eleições na FENAJ’, copyright Portal Imprensa, 15/07/04

‘A FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas – na condição de representante da categoria, reivindica para si os mesmos direitos e prerrogativas de outras representações profissionais, como a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil e o CRM – Conselho Regional de Medicina. Ou seja: quer poder para fiscalizar a profissão, punir maus jornalistas e até caçar diplomas em casos extremos. Até aí, nada de novo, uma vez que essa bandeira há décadas faz parte do cardápio político dos sindicalistas da redação. A grande novidade no front é que o projeto de criação do CNJ – Conselho Nacional dos Jornalistas – já está sendo analisado pela Casa Civil. E falta muito pouco para que seja enviado ao Congresso Nacional. Sergio Murillo, recém eleito presidente da entidade, insiste que, dessa vez, é para valer. Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Sergio Murillo de Andrade, 42, é petista de carteirinha desde a fundação do partido, embora não seja ativista de nenhuma corrente interna. Na eleição que o sagrou presidente, Murillo representou a Chapa 1, da situação, que venceu com folga a Chapa 2, articulada a partir do Sindicato dos Jornalistas de Brasília. Nesta entrevista para IMPRENSA o presidente da FENAJ fala sobre o futuro da categoria, responde as acusações de fraude no processo eleitoral e promete, para breve, um Conselho forte e atuante.

IMPRENSA – Você está confiante que, dessa vez, o Conselho Nacional dos Jornalistas sai do papel?

Sergio Murillo – Com certeza. Essa é nossa bandeira prioritária. O Conselho é uma unanimidade na categoria. O debate está muito amadurecido. Além disso, o projeto para sua criação está bastante adiantado. Saiu do âmbito do Ministério do Trabalho e já está sendo discutido na Casa Civil. O próximo passo é ir para o Congresso Nacional, onde eu acredito que será aprovado.

IMPRENSA – Qual será a função desse Conselho? Muitos jornalistas temem que ele se transforme em uma caça as bruxas…

Murillo – Definir as regras da profissão. Dizer quem é e quem não é jornalista. O Conselho vai fiscalizar o exercício do jornalismo e cumprir um papel que hoje cabe ao Ministério do Trabalho, que não dá conta do recado. Não haverá caças as bruxas. Quem estiver registrado, não terá problema. O Conselho só vai aplicar a lei que já existe. E vai cuidar do cumprimento do código de ética da profissão.

IMPRENSA – Por enquanto, ainda está valendo a sentença da juíza Carla Rister, que permite o exercício da profissão sem diploma. O Conselho anularia esse processo?

Murillo – O Conselho criará outra organização jurídica e, acredito, anulará o efeito da sentença. Mas tenho certeza que antes disso vamos derrubar a sentença na justiça.

IMPRENSA – A oposição acusa sua chapa de Ter ‘fraudado’ o processo eleitoral. Eles entendem que receber apoio logístisco de parlamentares é uma prática irregular. O que dizer sobre isso?

Murillo – Isso é um absurdo. é coisa de gente desesperada porque viu que ia perder a eleição. Se alguns deputados simpatizantes da nossa chapa resolveram distribuir material, isso é com eles. Nossos deputados fizeram isso por conta própria. Se eles querem reclamar, que reclamem nos gabinetes, onde receberão as devidas respostas. Nós tivemos apenas 50 votos em Brasília, em um universo de mais de 2.000.’



JUDICIÁRIO
Revista Imprensa

‘O Judiciário investe na comunicação com a sociedade’, copyright Revista Imprensa, 15/07/04

‘Historicamente reservada e prolixa, a instituição quer melhorar o seu relacionamento com a imprensa e usar cada vez mais o rádio e a TV para se aproximar da população.

Imprensa e Judiciário sempre tiveram relações complicadas, de estranhamento. A imprensa nunca foi capaz de transmitir com clareza para a sociedade como funcionam, no Judiciário, suas virtudes, suas falhas. Este, por sua vez, desde a proclamação da República tem se mantido um tanto à distância da sociedade, como diz o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal.

O Judiciário é um dos pilares da democracia, mas nos últimos tempos tornaram-se cada vez mais comuns as queixas da sociedade a seu respeito, em especial sobre a morosidade com que os processos são julgados. Mais do que isso: espalha-se pelo país a falsa idéia de que a Justiça não funciona e favorece os mais fortes. Fala-se em Reforma do Judiciário, mas a sociedade mal sabe qual é o seu real significado e em que será beneficiada. Há muito ruído na comunicação entre a Justiça e a sociedade. E, por causa desse ruído, muita incompreensão.

Imprensa foi ouvir as figuras mais representativas do Judiciário para debater essas questões. Um dos nossos entrevistados é o recém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Nelson Jobim. Jurista de renome, teve papel decisivo como deputado constituinte em 1988, foi Ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso e por este foi nomeado para a mais alta corte do país. Apesar da simpatia e da prontidão em responder a todas as perguntas, Jobim não consegue esconder uma certa irritação com a postura da imprensa ou, pelo menos, de parte dela. Matéria quente, que dá manchete e ganha destaque na televisão é só aquela que gera conflito, briga e escândalo, alfineta. E os jornalistas, segundo ele, bem que podiam fazer um esforcinho para entender melhor os meandros e a linguagem do Judiciário, a fim de evitar informações distorcidas aqui e ali. Da parte do STF, ele dá garantia de transparência absoluta na relação com a imprensa.

Outro entrevistado, o novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Edson Vidigal, nos fez um relato detalhado sobre os esforços que o Judiciário está empreendendo para se comunicar melhor com o país, relacionado-se com mais eficiência com a imprensa, inclusive.

Percebem-se as mesmas intenções na entrevista do Desembargador Cláudio Baldino Maciel, presidente da Associação dos Magistrados do Brasileiros, a maior do mundo, que tem 16 mil filiados e congrega 16 associações regionais. Finalmente, o juiz Getúlio Corrêa, diretor da Escola Nacional de Magistratura, órgão da AMB voltado para a formação dos membros da instituição, nos dá uma rápida visão da estrutura do Judiciário, sempre útil para os jornalistas que quiserem escrever a respeito do assunto.

Ministro NELSON JOBIM

‘Cada um tem que fazer o seu trabalho’

Nesta entrevista a Taísa Ferreira, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, deixa claro que não se deve esperar dele declarações polêmicas, embates políticos. Segundo ele, quem pode opinar sobre políticas públicas é quem foi votado, eleito. E, na sua opinião, o STF tem que ser notícia, sim, mas não a pessoa do seu presidente.

Ministro Edson Vidigal

‘Vamos dar um grande salto de comunicação’

Recém-escolhido para o cargo, nesta entrevista a Luiz Roberto Serrano, o presidente do Superior Tribunal de Justiça diz que é possível melhorar o relacionamento entre a imprensa e o Judiciário, fala dos investimentos que o STJ está fazendo para se comunicar melhor com o público, se declara a favor da súmula vinculante, desmistifica o controle externo da instituição e defende a liberdade de imprensa.

Desembargador CLÁUDIO BALDINO

‘A matéria jurídica não é fácil, é técnica, árida’

Há dois anos e meio em Brasília, o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, conduz a maior entidade desse tipo no mundo – a AMB tem 56 associações e quase 16 mil juízes filiados. Nesta entrevista a Taísa Ferreira, Baldino insistiu na tese de que é preciso afastar o fantasma do corporativismo, combater o nepotismo e aproximar o Judiciário da sociedade. Insistiu, ainda, na necessidade de um maior entendimento entre juiz e jornalista, que têm, na opinião dele, um bom pé atrás um com o outro.

Juiz GETÚLIO CORRÊA

‘Não há hierarquia no Judiciário’

O Juiz Getúlio Corrêa, diretor presidente da Escola Nacional de Magistratura, ligada à Associação dos

Magistrados do Brasil (AMB), fala nesta entrevista a Sinval de Itacarambi Leão, sobre a competência dos tribunais, dá explicações sobre o seu funcionamento e diz que a imprensa escrita cobre o Judiciário melhor que a TV.’



QUESTÕES VERNÁCULAS
Fernando Jorge

‘Atendendo aos apelos dos jornalistas de O Globo’, copyright Revista Imprensa, 15/07/04

‘‘Por favor, colega Fernando Jorge, atenda aos nossos apelos, faça outra vez a nossa defesa. O clima aqui em O Globo é de indignação por causa dessas críticas injustas. Graças à revista IMPRENSA, à sua coluna, ainda estamos tendo a chance de ver um protesto.’

Este é um trecho de uma das muitas cartas que os redatores de O Globo não param de me enviar. Queixam-se a mim até por telefone. O caso é o seguinte: as críticas ilógicas e absurdas do ombudsman Luiz Garcia aos textos dos seus colegas, publicadas na segunda página do matutino fundado por Irineu Marinho, irritam, humilham, causam revolta, pois ele continua a corrigir dezenas de frases e de expressões corretas, aparecidas em notícias, comentários, artigos e reportagens. Tereza Cruvinel, estrela de primeira grandeza da moderna imprensa brasileira, enviou-me as seguintes palavras:

‘Caro Fernando, obrigada pela valente defesa que fez dos jornalistas de O Globo, ao tomar nossas dores face às investidas do Garcia. Abraço.’

A colega Tereza Cruvinel, cuja coluna é uma das mais lidas do seu jornal, não usou à toa a expressão ‘nossas dores’ e o substantivo feminino ‘investidas’. Mas o ruim, além disso, é que o Luiz Garcia está ensinando o que é errado aos leitores de O Globo. Salientei este fato quando respondi, após pronunciar uma palestra, a várias perguntas dos estudantes de Jornalismo da Universidade de Santo Amaro (Unisa), no dia 29 de abril.

Vou mostrar agora mais erros do Luiz. Enfatizo, as minhas contestações não são de caráter pessoal e o meu espaço aqui na revista IMPRENSA fica à sua disposição, para ele provar que está certo e eu errado.

Garantiu o ombudsman, na edição do dia 1º de maio de 2004 de O Globo, que um dos seus colegas errou, por ter jogado isto no papel:

‘Luiz Carlos expulsou-o..’

Na opinião de Garcia, a forma correta é esta:

‘Luiz Carlos o expulsou…’

A frase não ostentava nenhum erro, senhor Garcia. Tanto podemos colocar o pronome o antes do verbo expulsar (transitivo direto), como depois. Leia este exemplo da página 292 do Dicionário prático de regência verbal do professor Celso Pedro Luft, lançado pela editora Ática:

‘O pai expulsou-o de casa.’

Também na edição do dia 1º e maio de O Globo, o senhor Luiz Garcia reprovou esta frase de outro colega:

‘Apesar… dos prejuízos ao setor…’

Emenda do Luiz: o correto é ‘para o setor’. Pelo amor de Deus, senhor Garcia, a sua correção foi um desastre! Consulte o verbete prejuízo da página 400 do Dicionário prático de regência nominal, do mesmo autor acima citado, e veja estes dois exemplos:

‘Documento mostra prejuízo ao setor lácteo com acordo.’

‘Fora da escola, especialistas denunciam prejuízos ao ensino.’

Afirma o Luiz, condenando a expressão ‘no visual do posto’, que é um vício usar visual como substantivo. E sustenta:

‘Para o dicionário, trata-se de adjetivo’ (Edição de 27-4-2004 de O Globo).

Garcia, por favor, atualize-se, não se mostre anacrônico. A pior maneira de envelhecer é não ficar bem informado, sem acompanhar os fatos, as novidades, as metamorfoses da vida contemporânea. Leia mais, nunca se faça de sabichão quando os seus conhecimentos não forem seguros. Saiba de uma coisa, o Dicionário Houaiss da língua portuguesa já aceitou a palavra visual como substantivo e sinônimo de aparência, de aspecto exterior. Examine o verbete visual, da página 2.872 desse dicionário e anote os dois exemplos que ele fornece:

‘A atriz pintou o cabelo e mudou completamente de visual para o seu novo papel.’

‘Do Corcovado temos o mais belo visual do Rio.’

Vá correndo a uma livraria e compre o referido dicionário, senhor Luiz Garcia. Aliás, compre todos os dicionários da língua portuguesa e os consulte sem parar. Decore estas palavras do escritor Anatole France:

‘Um dictionnaire, c´est tout l´univers par ordre alphabétique.’

Seguro de si como Júlio César ao atravessar o rio Rubicão, que separava a Gália Cisalpina da Itália (Alea jacta est, ‘a sorte está lançada’), o ombusdsman criticou a seguinte frase de um colega:

‘…a relaxar suas exigências para com os países…’ (Edição de 24-4-2004 de O Globo).

De acordo com Luiz, é sempre errado juntar duas preposições e por este motivo eis o que é certo, no seu entender:

‘… a relaxar suas exigências aos países…’

Caramba! É de se tirar o chapéu! Ou como disse Marco Túlio Cícero, o maior dos oradores romanos na Primeira Catilinária:

‘Ubi gentium sumus?’

(‘Em que país estamos?’)

Sim, que país é este, onde sem nenhuma razão um jornalista, num grande jornal, não desiste de apontar erros de português nas frases corretas dos seus colegas? O Brasil é o país do absurdo? Inspirou a Albert Camus (1913-1960), a ‘literatura do absurdo’, da qual L´Étranger (1940) e Le Mythe de Sisyphe (1942), obras de Camus, são exemplos marcantes?

Preste muita atenção, Luiz Garcia, não é sempre errado juntar duas preposições. Apresento-lhe uma prova. Abra o livro Guia de uso do português (Editora Unesp), da professora Maria Helena de Moura Neves, exímia conhecedora do nosso idioma, e leia este verbete na página 574:

‘Para com. Empregam-se estas duas preposições para introduzir complemento de adjetivo ou substantivo que exprimam disposição de ânimo relativamente a uma pessoa ou coisa. À proporção que o rapazola crescia, Paquita redobrava de dedicação PARA COM ele.’

Já se convenceu, Luiz Garcia? Viu como não é sempre errado juntar duas preposições? Adquira o livro da professora Maria Helena de Moura Neves. Talvez, lendo as suas páginas, o colega poderá deixar de cometer tantos erros no idioma do padre Antônio Vieira (1608-1697), cujos vigorosos Sermões, devido à opulência verbal, à propriedade do vocábulário, são jóias magníficas da literatura clássica portuguesa, apesar de neles haver excesso de arrebiques, de alegorias, de metáforas e de trocadilhos.

* * *

Causa-me espanto a audácia do Luiz Garcia. Impavidamente, o ombudsman se atreve a corrigir as frases corretas dos seus colegas. Nada o detém. Luiz é rápido no fabrico de suas críticas insensatas. Às vezes me dá a impressão, sob este aspecto, de exibir a lepidez da velocissima corça de Cerínia, do tamanho de um touro, capturada por Heraclés. Não sei como o Rodolfo Fernandes, diretor da redação e editor responsável de O Globo, aceita esses despropósitos, essa humilhação imposta a tantos bons jornalistas.

Na edição do dia 30 de março do seu jornal, o desacautelado Luiz Garcia condenou à morte estas três palavras de uma notícia:

‘…avaliou ontem que…’

Explicação do Luiz:

‘Já ensinado mil vezes: avalia-se alguma coisa, não ´que´ alguma coisa.’

A língua mudou em nosso país, Luiz, surgiram novas formas de regência verbal e de regência nominal. Leia em voz alta o fim do verbete avaliar, da página 168 do Dicionário de usos de português do Brasil, de Francisco S. Borba, onde há esta frase do romance Cangaceiros, de José Lins do Rego, como exemplo do uso correto do verbo avaliar:

‘Seu Capitão, o senhor não avalia que coração tem aquele homem.’

Tal frase destrói a crítica do inquisidor-mor de O Globo, do Torquemada desse jornal.

Olhe, Luiz Garcia, não precisa me agradecer por lhe ter dado gratuitamente estas lições de português moderno. Apenas peço a você um obséquio: antes de corrigir as frases corretas dos seus colegas, fique atualizado, não se transforme, cada vez mais, num gramaticão ranheta, com o cérebro entupido de dogmas lingüísticos obsoletos.’



Pedro J. Bondaczuk

‘O sino de ouro’, copyright Comunique-se, 15/07/04

‘A atividade do jornalista e, em especial, do homem de letras, às voltas com seus demônios interiores, é dolorosa e frustrante. Muitos escritores comparam a composição dos seus textos às dores de parto. É uma angústia contínua em busca da melhor forma de exprimir idéias, conceitos, descrições e enredos, da maneira mais fiel possível ao que foi imaginado. Luta-se com o estilo, com a linguagem, com o tempo, com as necessidades materiais inerentes à condição humana e sobretudo com o medo do ridículo a que se está sempre exposto.

Muitas vezes matamos uma excelente idéia no nascedouro por não encontrarmos a palavra correta ou a forma adequada de expressão. Em outras ocasiões, elaboramos uma reportagem, ou um artigo, ou uma crônica formalmente perfeitos, claros, ágeis, nervosos, dinâmicos, mas despidos de conteúdo.

Agradam ao leitor desatento, mas são imediatamente esquecidos, por não excitarem sua mente e não tocarem sua emoção. São vazios, ocos, não acrescentam coisa alguma ao jornalismo, à cultura e às letras. Um escritor zeloso (e também um jornalista, claro) ‘luta’, com aquilo que escreve, por horas, dias, meses ou mesmo anos (em casos extremos), até que se dê por satisfeito com o resultado. E quase nunca se dá.

Mário de Andrade chegou a levar mais de vinte anos para dar alguns de seus contos por concluídos. Chegou a refazê-los inteiros um sem número de vezes. Preciosismo? Talvez. A maioria dos escritores não chega a esse requinte. Mas revisa, corta, acrescenta, torna a revisar, modifica, reescreve, desbasta, apara arestas, faz nova revisão, e assim sucessivamente, com duas, três, cinco, dez, cem ou quiçá mil versões. E quando dá o texto por concluído, em geral vencido pelo cansaço, o faz com uma sensação de fracasso e de frustração.

Todos sonhamos com uma obra-prima que nos consagre e nos garanta a ilusória ‘imortalidade’ literária, que raríssimos conseguem. Alguns têm sucesso, embora, enquanto vivos, sequer se dêem conta do êxito, que apenas se consolida post-mortem. Outros julgam ter conseguido, na maioria das vezes iludidos por elogios de néscios ou de hipócritas, que lhes ofuscam a capacidade de autocrítica, e se acomodam.

Há uma citação de Rubem Braga, em seu livro ‘A Borboleta Amarela’, na crônica ‘O sino de ouro’, que costumo repetir e que diz: ‘Cada um de nós, quando criança tem dentro da alma seu sino de ouro que depois, por nossa culpa e miséria e pecado e corrupção, vai virando ferro e chumbo, vai virando pedra e terra e lama e podridão’.

O escritor passa por idêntica situação. Tão logo descobre estar tomado por esta ‘febre’ de criação (se bênção ou maldição, não se sabe), um sino de ouro, de vinte e quatro quilates, vibra em seu interior, aguçando sua sensibilidade. No entanto, esse precioso metal, por culpa da indolência, da vaidade e do orgulho (principalmente), começa a se corromper. ‘Vai virando ferro e chumbo e pedra e terra e lama e podridão’.

Claro que o cronista utiliza essa magnífica metáfora para retratar a degradação moral do homem, que abre mão dos sonhos e ideais da juventude, para correr atrás de fumaça, de ilusão e de banalidades, como riqueza, fama e poder. Mas como o escritor pode se manter íntegro e jamais desistir de perseguir a perfeição? Ela existe? No que consiste? É possível de ser alcançada?

Essas questões foram objetos de preocupação de Mário de Andrade, que as deixou registradas no capítulo ‘O artista moderno’, do livro ‘A Escrava que não é Isaura’. Indaga: ‘Será possível forçar a perfeição a surgir para as artes? Saltar a evolução para que as obras atuais ganhem em serenidade, clareza, humanidade? Escrevemos para os outros ou para nós mesmos? Para todos os outros ou para uns poucos outros? Deve-se escrever para o futuro ou para o presente? Qual a obrigação do artista?’

Esse questionamento atormenta o escritor (e também o jornalista) que ainda sente o ‘sino de ouro’ vibrar na alma e quer impedir que ele se corrompa em ‘ferro e chumbo e pedra e terra e lama e podridão’. A única forma de tentar impedir essa corrupção, sem garantia de sucesso, é a persistência. É o trabalho incansável e concentrado. É a observação do mundo que o rodeia. É a introspecção. É a ‘luta’ com o anjo da perfeição, até o raiar da alba, para que este o abençoe, como fez o patriarca Jacó, no Vale de Jaboc.

Outra indagação do escritor refere-se á sua formação. Qual deve ser a prioridade? A cultural, obtida pela leitura de milhares e milhares de livros? Ou a capacidade de observação do que o cerca? Provavelmente, as duas. O crítico João Antonio, no ensaio ‘O escritor assume a sua cor. É Lima Barreto’ ( Suplemento Literário do Diário Oficial do Estado de São Paulo, edição de abril de 1983), coloca a questão desta maneira: ‘Há escritores em que o leitor vê atrás deles uma biblioteca, uma ´sapientia´ , uma sofisticação intelectual, uma aflição estética, antes de ver os seus personagens. E há escritores atrás dos quais, ou mesmo ao lado deles, logo se vê, de pronto, um povo – com suas caras, roupas, cheiros, as maneiras todas de ser’.

O ideal é contar com as duas características, simultaneamente: ter vasta cultura para poder valer-se de idéias alheias como pontos de partida para as próprias, aperfeiçoando-as, atualizando-as, dando-lhes novos e originais contornos, nunca se esquecendo de mencionar a origem, os seus verdadeiros autores que, por uma razão ou outra, não puderam dar o toque final de excelência que pretendiam ao que escreveram. Ao mesmo tempo, nunca se afastar ‘do jeito, da forma, da cor e do cheiro do povo’. E, acima de tudo, jamais deixar se apagar a chama do ideal, mesmo que não factível. Que impeça o sino de ouro que traz na alma de se corromper e se transformar em ‘ferro e chumbo e pedra e terra e lama e podridão…’’